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12 min readJul 31, 2018

FIM DO MITO DO BRASIL PACÍFICO

Imagem redes sociais

Editorial

O Brasil está entre os países mais violentos do mundo, tem cidades com taxas semelhantes às de guerras civis. E não está sozinho, é uma tragédia latino-americana. A violência atinge todas as classes sociais, raças, gêneros e idades, mas com base nas estatísticas disponíveis é possível afirmar que os mais prejudicados são os mais pobres.

Os jovens são os que mais morrem no Brasil, vítimas da violência. Enquanto a taxa de homicídio na população em geral é de 30,3 por 100 mil, entre os jovens é de 65,5 por 100 mil. Isso quer dizer que entre os jovens, o risco de morrer assassinado é mais do que o dobro da média da população.

Entre os negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre os brancos. E essa diferença, em vez de diminuir, está aumentando. A taxa de homicídios no Brasil foi de 30,3 por 100 mil pessoas em 2016. Entre os negros, foi maior, de 40,2 por 100 mil. Já entre os não negros, foi menor, de 16 por 100 mil. Isso significa que os números para a população negra equivalem a duas vezes e meia o da população branca.

A violência contra as mulheres no Brasil está aumentando. E a violência contra as mulheres não contempla apenas as mortes violentas, mas também a violência doméstica, os estupros, os assédios, a pornografia de vingança. Formas de violência que fazem parte do cotidiano de muitas mulheres, que ganharam novos nomes e com isso, também, mais espaço no debate público.

Segundo artigo publicado no Jornal da USP, por Wânia Pasinato (doutora em Sociologia e assessora técnica do USP Mulheres) e Eva Blay (professora emérita da USP e diretora do USP Mulheres), ainda se faz necessário investimentos na produção de informações nacionais sobre a violência contra as mulheres: “O tema não é novo, mas não custa relembrar. No Brasil convivemos com uma lacuna histórica na produção de dados nacionais capazes de mostrar as dimensões da violência contra as mulheres, suas características e produzir indicadores que nos permitam avaliar se as leis estão sendo aplicadas, como a ausência de serviços e investimentos afeta as respostas de prevenção à violência e proteção às mulheres, quais são os custos sociais e econômicos da violência contra as mulheres”.

A violência no Brasil atinge níveis elevadíssimo e afeta principalmente os mais pobres. A violência doméstica e familiar é muito alta e os crimes de “feminicídio” só aumentam.

Doze mulheres são assassinadas todos os dias, em média, no Brasil. É o que mostra um levantamento feito pelo Site de notícias G1, considerando os dados oficiais dos estados relativos a 2017.

A violência contra os povos indígenas também aumentou. Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 2016 ocorreram 735 casos de óbitos de crianças indígenas menores de 5 anos, 106 casos de suicídios e 118 assassinatos de indígenas no Brasil. O governo e representantes políticos da bancada ruralista são apontados como corresponsáveis pela crescente violência e pressões que sofrem os territórios dos povos tradicionais.

A violência contra as pessoas LGBTs também cresceu. Assassinatos de LGBTs aumentaram 30% entre 2016 e 2017, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB).

A execução sumária da vereadora e defensora dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes chocou todo o Brasil e teve forte repercussão internacional. Este assassinato brutal, com conotação política, e ainda sem solução, ocorreu durante a intervenção militar, ação que ela investigava a partir do seu mandato.

Desde o início da intervenção militar no Rio a violência tem aumentado. O Observatório da Intervenção, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, publicou recentemente um relatório referente aos dois primeiros meses da intervenção militar. Nos meses de fevereiro e março, já com as operações da intervenção militar em curso, aconteceram 940 homicídios no Estado do Rio de Janeiro; 209 civis foram mortos por ações policiais; 19 policiais foram assassinados; e, das 70 operações monitoradas por esse relatório, em 25 existiram mortes.

Em 2017 foram 5012 pessoas mortas por policiais no Brasil, 790 a mais que em 2016. Já o número de policiais mortos caiu: foram 385 assassinados no ano passado. Falta de padronização e transparência dificulta consolidação dos dados.

Cresceu também o número de registros de denúncias de intolerância religiosa no Brasil. O perfil das vítimas aponta que os praticantes de umbanda e candomblé, somados aos que se identificam como adeptos de religiões de matriz africana diversas, são os alvos preferenciais dessa intolerância.

A violência no Brasil tem muitas faces, inclusive como violência institucional que rouba diariamente direitos garantidos pela Constituição Federal. A crise social aumenta a violência. E ela cresce de tal forma que podemos afirmar que é endêmica. É um problema crônico e gravíssimo.

Mas como resolver?

A questão da segurança pública, com toda certeza será um tema central no debate eleitoral. Mas como combater a violência sem combater a brutal crise social que vivemos?

Nós do Pad esperamos que essas discussões venham à tona e também seja pautado no debate eleitoral a necessidade de um plano para as áreas sociais, garantindo investimento público em saúde, educação, moradia, saneamento e transporte público para a população. Sem combater a crise social brasileira, o problema da violência não será resolvido.

BRASIL VIOLENTO

Brasil é o nono país mais violento do mundo.

Entre os 10 países mais violentos, 9 se encontram na América Latina. O Brasil tem o nono maior índice de homicídios do mundo. Dados publicados em maio deste ano pela OMS (Organização Mundial da Saúde), revelam ainda que as taxas brasileiras são cinco vezes a média mundial de homicídios.

De acordo com os dados produzidos de forma independente pela agência da ONU, as mortes no Brasil atingiram 31,1 pessoas a cada 100 mil habitantes. A taxa coloca o país como um dos mais violentos do mundo.

A liderança é de Honduras, com 55,5 homicídios a cada 100 mil pessoas. Com a crise econômica e política, a violência também explodiu na Venezuela. Hoje, o país aparece em segundo lugar, com 49,2 homicídios para cada cem mil venezuelanos. A classificação ainda traz El Salvador (46 para cada cem mil), Colômbia (42), Trinidad e Tobago (41), Jamaica (39,1). Lesoto (35) e África do Sul (33,1).

Já o Mapa da Violência, lançado em março deste ano, estuda a evolução dos homicídios por armas de fogo no Brasil no período de 1980 a 2014. Também é estudada a incidência de fatores como o sexo, a raça/cor e as idades das vítimas dessa mortalidade. Veja estudo completo:

O Brasil é o país com o maior número de cidades entre as 50 áreas urbanas mais violentas do mundo, segundo ranking divulgado em março deste ano pela organização de sociedade civil mexicana Segurança, Justiça e Paz, que faz o levantamento anualmente com base em taxas de homicídios por 100 mil habitantes.

São 17 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes listadas no ranking, que é encabeçado pela mexicana Los Cabos (com 111,33 homicídios por 100 mil habitantes em 2017) e pela capital venezuelana, Caracas (111,19).

Natal (RN) aparece em quarto lugar, com 102,56 homicídios por 100 mil habitantes — para se ter uma ideia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera uma taxa acima de 10 homicídios por 100 mil habitantes como característica de violência epidêmica.

Outras cidades brasileiras que aparecem no ranking são Fortaleza (CE), Belém (PA), Vitória da Conquista (BA), Maceió (AL), Aracaju (SE), Feira de Santana (BA), Recife (PE), Salvador (BA), João Pessoa (PB), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Macapá (AP), Campos de Goycatazes (RJ), Campina Grande (PB), Teresina (PI) e Vitória (ES).

Fortaleza, em especial, é destacada no relatório por sua taxa de homicídios ter subido 85% entre 2016 e 2017 — de 44,98 para 83,48.

Fonte: Matéria publicada pela BBC News Brasil

Violência policial

Segundo dados do Monitor da Violência publicados pelo Site de notícias G1, cresceu o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil; assassinatos de policiais caíram em 2017.O País teve 5.012 mortes cometidas por policiais na ativa em 2017, um aumento de 19% em relação a 2016. Já o número de policiais mortos diminuiu: foram 385 assassinados no ano passado. O número de vítimas em confronto com a polícia cresceu 19% em um ano. Já o de policiais mortos caiu 15%. O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mapa mostra taxas de mortes de pessoas por policiais militares e civis em cada um dos estados. Confira:

Violência contra crianças

Uma pesquisa que avaliou a percepção da sociedade sobre a violência praticada contra as crianças e os adolescentes colocou o Brasil em primeiro lugar como o mais violento, na comparação com 13 países da América Latina. O estudo foi divulgado em abril deste ano, na capital paulista, pela organização social Visão Mundial.

Algumas formas de violência consideradas foram o abuso físico e psicológico, trabalho infantil, casamento precoce, a ameaça online e a violência sexual. No Brasil, 13% dos entrevistados enxergam que existe alto risco dessas práticas contra a criança no país. Em seguida, estão o México, com 11%, o Peru e a Bolívia, com 10%. As melhores percepções foram verificadas em Honduras e na Costa Rica, com 2%.

Leia matéria completa:

Violência de Gênero

“O Brasil de 2018 enfrenta a insuficiência de investimentos financeiros para a implementação de leis e políticas substantivas de enfrentamento à violência contra as mulheres”. Avaliou a gerente de programas da ONU Mulheres no país, Joana Chagas, que participou em abril deste ano do Simpósio Regional sobre Violência de Gênero.

Foto: Agência Brasil/Elza Fiúza

Lembrando dados da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Joana alertou que, entre as mulheres que são vítimas de agressão, as desigualdades de gênero tendem a se aprofundar após o episódio de violência.

Em 2017, 27% das brasileiras do Nordeste, com idades entre 15 e 49 anos, foram vítimas de violência doméstica. Na região, 17% das mulheres já foram agredidas fisicamente pelo menos uma vez. Das 10 mil entrevistadas para o levantamento, cerca de 600 sofreram agressões físicas durante uma gestação. Desse grupo, 77% eram mulheres negras.

Matéria publicada no site das Nações Unidas:

Violência no campo

Crescem violência e assassinatos de trabalhadores em conflitos no campo

Em junho de 2018, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou dados de seu relatório. Em uma nota à imprensa, a CPT afirmou que houve um aumento brusco no número de homicídios no campo a partir de 2015.

Segundo relatório, foram ao menos 70 mortes violentas no ano passado, maior número desde 2003. A própria Pastoral tem sofrido ataques virtuais e cita criminalização das organizações sociais.

Segundo o estudo da CPT, a partir de 2015, houve um “crescimento brusco” de mortes violentas, de trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores e assentados. O maior número de assassinatos ocorreu no Pará, 21, sendo 10 no chamado massacre de Pau d´Arco, ocorrido em 24 de maio de 2017, durante ação de reintegração de posse em uma fazenda. Em seguida, vêm Rondônia (17) e Bahia (10).

POLÍCIA NA FAZENDA ONDE OCORREU A CHACINA DE PAU D’ARCO, EM 2017 — FOTO: LUNAE PARRACHO/REUTERS

De acordo com o relatório, 28 dos 70 assassinatos (40%) ocorreram em massacres. Desde 1985, foram 46 massacres, com 220 vítimas. A CPT tem uma página na internet sobre esse tema:

Violência contra LGBTs

Assassinatos de LGBT crescem 30% entre 2016 e 2017.

Segundo levantamento apresentado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em janeiro deste ano, houve um aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017 em relação ao ano anterior, passando de 343 para 445. Segundo o levantamento, a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia”, o que faz do Brasil o campeão mundial desse tipo de crime.

A causa das mortes registradas em 2017 segue a mesma tendência dos anos anteriores, predominando o uso de armas de fogo (30,8%), seguida por armas brancas cortantes, como facas (25,2%). Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBTs.

Matéria publicada pelo jornal O Globo:

Violência contra defensores de direitos humanos

O Brasil teve mais de um defensor de direitos humanos assassinado a cada cinco dias no país em 2016 e no primeiro semestre de 2017. Os dados são do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos que divulgou, em junho de 2017 o dossiê “Vidas em luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”.

O Dossiê revela que pelo menos 66 defensores dos direitos humanos foram assassinados no Brasil em 2016. As regiões Norte e Nordeste concentram a maior parte dos casos, e os conflitos por terra são a principal causa da morte dos ativistas.

O dossiê ressalta que, nos centros urbanos, existe uma “dinâmica acelerada e naturalizada de violência brutal, espraiada e difusa, que dificulta a visualização e compreensão dos ataques perpetrados contra defensoras e defensores de direitos humanos”, tendo como principais agentes elementos do Estado — as policiais — e milícias apoiadas sustentadas por grandes empresas.

A violência policial contra manifestantes se acirrou, em 2016, no momento em que se intensificaram protestos de rua contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e, posteriormente, contra o novo governo instalado “após a concretização do golpe jurídico-institucional.”

Confira o Dossiê completo:

Violência contra povos indígenas

A violência contra os povos indígenas aumentou gravemente. Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Em 2016 ocorreram 735 casos de óbitos de crianças indígenas menores de 5 anos, 106 casos de suicídios e 118 assassinatos de indígenas no Brasil.

O governo e representantes políticos da bancada ruralistas são apontados como corresponsáveis pela crescente violência e pressões que sofrem os territórios dos povos tradicionais.

Segundo análises retratadas no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil — dados de 2016, produzido pelo CIMI, há evidências que houve um aumento de alguns dos mais significativos tipos de violência e violação de direitos, como mortalidade na infância, suicídio, assassinato e omissão e morosidade na regularização das terras tradicionais, quando comparados aos dados do ano anterior, 2015.

Acompanhe o observatório da violência:

Intolerância religiosa

A intolerância religiosa tem crescido no país. Atos de ódio incluem destruição de terreiros e ataques aos praticantes de religiões afro-brasileiras.

De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos, ligada ao Ministério da Justiça, tem aumentado anualmente as denúncias de intolerância religiosa e os praticantes de religiões de matriz africana são a maioria das vítimas de crimes de ódio.

O Dossiê Intolerância Religiosa, produzido por Koinonia — Presença Ecumênica e Serviço traz o MAPA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL (2008 A 2017).

O Mapa Aponta casos de intolerância religiosa no Brasil cadastrados no Dossiê Intolerância Religiosa. Confira:

A violência no Brasil é um fenômeno comportamental de agressividade complexo que envolve as bases históricas do País e que atinge todas as camadas da sociedade. Não podemos mais acreditar no mito de um Brasil pacífico. Somos um dos países mais violentos do mundo e é necessário discutir a violência e a crise social em busca de novos caminhos.

Pad — Articulação e Diálogo Internacional

Por Kátia Visentainer — Comunicação

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O PAD - Processo de Articulação e Diálogo é uma rede formada por agências ecumênicas européias, movimentos sociais, entidades ecumênicas e ONGs.