As mulheres que decidiram por si mesmas: erva salvia sclarea

Palmira Margarida
4 min readAug 3, 2017

‘’Salvia é uma planta tão forte que um dia eu coloquei um galhinho com uma folha num vaso e a moça cresceu’’. Juliana Silva Pontes, enfermeira

Quem é essa moça que entrou? Ninguém sabe, mas só dá ela! Ela “tem fígado, mãos, pernas e muitas vidas!’’. Essa é uma paráfrase da música Ain’t Got No / I Got Life, de Nina Simone, em que ela canta ‘’Eu não tenho amor, não tenho fé, não tenho Deus, mas tenho todo o resto, tenho a mim, tenho o meu corpo, meu cérebro, minhas vísceras, minha vida’’ e o recado é esse “tenho vida e vou seguir em frente!’’ e, tudo isso, com muita elegância e graça porque, afinal, estamos falando de salvia sclarea! Bem vinda ao mundo da esclarea, a salvia da mulher que já alcançou a claridade de ver/ saber/ sentir.

Salvia é o grito de uma mulher elegante e sábia que te diz ‘’não chora não, moça. Por que choras? Levanta! Olha, você tem a si mesma e isso é tudo o que você precisa!”. Vimos no início desse circuito como as plantas são similares a nós mulheres (leia aqui). Assim como elas realizam fotossíntese e guiam seus movimentos pela Lua, nós também o fazemos, jorrando menstruação e nosso sagrado sangue na Terra! Você quer mais prova de vida e valor que isso? Somos cíclicas, passamos por nossas raízes, re-vemos nossas entranhas, sentimos o cheiro de ferro em nosso sangue, nos recolhemos, aprumamos nossos caules, arrumamos nossa folhagem e desabrochamos nossas flores.

Como já vimos nos dois artigos anteriores (Mulheres da Vetiver e Mulheres da Artemisia), quem tem medo de vísceras constrói castelo de areia. As filhas da salvia, por outro lado, só admitem construir castelos muito bem trabalhados na base para que sua coluna fique bem ereta e sua cabeça, acima, esplêndida, com nariz empinado e farejante, olhos resplandecentes a fim de que todos vejam a rainha passando, dona dela mesma, de seus pés e suas entranhosas emoções, suas pernas, braços e mãos feitos de artemísia e firmes como uma raiz de vetiver.

Tendo caule tão formoso e raiz tão profunda, é fácil entender porque a salvia faz a vez do estrogênio no corpo feminino. Ele é o principal hormônio feminino sexual, produzido nos ovários e liberados no ciclo menstrual. É ele quem concede as características de corpo feminino, além de preparar o útero para reprodução e liberar os óvulos. Quando a poderosa mulher loba entra no climatério e seu ciclo de estrogênio sofre uma baixa, nada melhor do que chamar pela ajuda da irmã salvia.

Mulheres que não são seguras de si, que vivem amores perturbadores, abusadores ou que não confiam no próprio taco, podem usar um pouquinho dessa mulher-planta embebida de puro estrogênio e autovalor. É por causa desse seu lugar empoderado e dona de si que dizem ser ela, afrodisíaca! Mas calma, se você já é demais assim o feitiço pode virar contra a feiticeira se usar salvia, transformando-se em uma patriarca mandona.

Para as que têm dificuldade em se colocar ou decidir sobre a própria vida podem iniciar uma amizade com a planta, no entanto, muitas nem mesmo conseguem usar de imediato, pois sentem enjoo, nauseas e vontade de sair correndo. Se isso acontecer é porque ainda não consegue encarar o grande poder que tem dentro de você. Para abrir a sua caixa de Pandora, vá com calma! Use outras plantas-amigas antes. É que para trabalhar com salvia é preciso ter muita raiz nos pés e muita artemisia já correndo nas veias. Sem estrutura e garra, a salvia se torna repugnante.

Eu mesma, quando estava no auge dos meus 18 aninhos e ainda não tinha levado todo o ‘’tiro, porrada e bomba’’ que estava por vir, não conseguia sentir o cheiro da salvia e, para a minha sinestesia (condição neurológica) ela tinha odor de cigarro. Por muitos anos salvia esclarea teve um cheiro insuportável de nicotina. Após o fim de um casamento abusivo em que tive que usar toda a artemísia e vetiver que eu escondia em minhas vísceras, reconheci o mulherão da porra que eu era (e sou) e o cheiro do cigarro foi diminuindo, mas ele só findou mesmo quando decidi que nunca mais eu me permitiria viver relacionamentos abusivos, não para não sofrer mais, mas simplesmente porque entendi como sou maravilhosa, verdadeira, forte e conhecedora de mim mesma!

Bom, sobre o cheiro de cigarro, ele sumiu, junto com as fumaças tóxicas que me faziam mal e com o luto desse lugar eu realmente pude sentir o intenso, acalorado, porém, elegantíssimo cheiro da salvia, perfume de mulher decidida, dona de si mesma e marinheira da sua própria vida. Se eu tivesse que escolher uma frase para a salvia seria ‘’mulheres que decidem … por si mesmas! Eu decidi por mim. E você?

Até a próxima mulher-planta do nosso circuito!

Palmira Margarida é historiadora especialista em cheiros e emoções e ama pesquisar sobre aromas do corpo feminino. É sinesteta e come coisas só porque são amarelas, inclusive não-comestíveis. Ama viajar e captar os aromas das trilhas e das histórias dos lugares por onde passa. Cria aromas-artísticos e provocadores e você pode encontrar em www.perfumebotanico.com.br

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Palmira Margarida

Historiadora, escreve sobre erotismo, cheiros e prazer feminino - @palmiramargaridabr / instagram