Os Afronautas estão chegando

Parem as Máquinas
3 min readNov 12, 2014

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Meio século atrás, com a corrida espacial no auge, a busca pela exploração interplanetária entre as superpotências da terra ganhava um novo candidato: a Zâmbia.

Foto: Cristina de Middel

Os cachorrinhos Bruce, Vanilla e outro esquecido na memória dos nomes, tocam uma festa dos diabos. O dono daquele trio solta um “vamos parar com isso”. A ação de meu amigo tem um intuito: manter atenção ao processo de busca dentro do espaço virtual. Agora, concentrado no esquema do acessa e derruba páginas eletrônicas, ele conversa meio aéreo: “Ei, tu que gosta de Quadrinhos, devia ver isso”.

Passeando pelo site da última edição do “Paraty em Foco”, evento dedicado à fotografia ocorrido entre os dias 18 e 22 de setembro de 2013, meu amigo apresenta o ensaio da fotógrafa Cristina de Middel. Convidada ao evento para administrar o workshop “Através do espelho”, a espanhola trabalhou por mais de oito anos em diversos jornais e ONGs como Médicos Sem Fronteiras e Cruz Vermelha. Mas, em sua carreira, um projeto vem falando alto, é “Os Afronautas”.

Foto Cristina de Middel

Enquanto o ícone na tela nos informa do processo de carregamento, sou apresentado a um petisco da história toda. “Cara, o ensaio dela parece um quadrinho. Ao passar pelas fotos é como se estivéssemos lendo uma história, quase comprei um livro dela”. Da porta, os cães dedicam atenção ao diálogo.

Em uma galáxia nem tão distante… Precisamente em 1964, na Zâmbia recém-independente, Edward Makuka, professor de ciências da “Academia de Ciências e Tecnologia Espacial” tentou dar início a um ousado programa espacial zambiano. O objetivo era levar 12 astronautas e dez gatos de seu país para a Lua e, quem sabe, Marte. Sem o devido financiamento, o projeto fracassou. Há quem diga que o sonho de alcançar o desconhecido também foi eclipsado pela gravidez de uma adolescente, uma dos tripulantes em treinamento no projeto.

Foto Cristina de Middel
Foto Cristina de Middel
Foto Cristina de Middel

Ao ter conhecimento deste episódio, Cristina tornou real o sonho espacial zambiano através do ensaio. Além da avó, responsável por costurar as roupas da tripulação, a artista contou com o apoio de Ramon Pez, diretor de arte da Colors, revista ligada à Benetton. Dezessete meses separaram as primeiras fotos e a impressão de mil exemplares do fotolivro, rapidamente esgotado.

“Nós estamos indo para Marte”, afirmou Makuka em um jornal daquele ano. Ainda segundo o professor, um foguete já estaria pronto e era questão de tempo e sete mil doletas pedidos à UNESCO (nunca vieram) para que Estados Unidos e União Soviética comessem poeira cósmica. Lusaka seria não só a capital zambiana, mas do universo.

O trabalho de Cristina é um convite. Lembra um filme, um quadrinho, uma viagem… Com nostalgia e simpatia, ela celebra o espírito aventureiro e ingênuo de uma época passada, onde sonhos grandiosos não foram barrados pelas circunstâncias.

Passeando pelas imagens captadas, administradas e editadas aos olhos de Cristina, outra nave, esta tripulada por dois amigos e três cães, retornava ao sonho daqueles africanos. O objetivo dessa exploração é entender como seria atualmente esta lua que nos vigia, caso os Afronautas tivessem pisado lá primeiro.

Matéria originalmente publicada no site O Chaplin. Outubro de 2013

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