Miyamoto Yuriko: feminismo e socialismo na literatura japonesa

Mariana Akemi Iha
15 min readJul 18, 2019

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Atualização (16/03/2023): Olá, pessoal!

Ótimas notícias: temos um projeto rolando na Benfeitoria para traduzir uma coletânea de textos da Miyamoto Yuriko. Vocês podem apoiar o financiamento coletivo através desse link.

Quando pensamos em literatura japonesa, quais são os nomes que surgem em nossa cabeça? É provável que muitos pensarão em Haruki Murakami, autor de inúmeros romances e contos traduzidos para o português nos últimos anos. Outros recordarão grandes nomes como Yukio Mishima, Yasunari Kawabata e Ryonosuke Akutagawa. Apesar de terem estilos de escrita diferentes, todos os autores citados possuem algo em comum: são escritores homens.

Pensar a presença das mulheres na literatura japonesa é uma tarefa a qual tenho procurado me dedicar ao longo da minha graduação. O desejo de ler e estudar a literatura japonesa produzida por mulheres teve como faísca inicial dois nomes fundamentais: Murasaki Shikibu, autora de “Genji Monogatari” (“O Conto de Genji”, não possui tradução para o português) e Sei Shônagon, autora de “O Livro do Travesseiro” (Editora 34). Apesar de não serem tão conhecidas pelo público geral, estas duas escritoras são importantes figuras da literatura clássica japonesa e continuam a influenciar o mundo literário japonês moderno.

Outras autoras como Banana Yoshimoto e Sayaka Murata foram traduzidas para o português nos últimos anos. Deixando de lado a questão de gênero, é possível considerar que temos um volume significativo de boas traduções de literatura japonesa para a língua portuguesa. No entanto, ainda é escassa a quantidade de materiais não-acadêmicos (textos, vídeos, etc.) que tratem da literatura produzida pelo Japão através da perspectiva da crítica literária e da perspectiva histórica. É ainda mais escassa a produção destes materiais quando falamos em uma literatura feita por mulheres.

Virginia Woolf em seu ensaio “Um Teto Todo Seu” (1929) afirma:

“Eu me arriscaria a supor que Anônimo, que escreveu tantos poemas sem assiná-los, foi muitas vezes uma mulher.” (página 62)

Miyamoto Yuriko (宮本百合子) não foi Anônima. Longe disso, assinou suas obras mesmo quando a censura japonesa ameaçava prender os escritores considerados “subversivos”. Ainda assim sua obra literária, sua história e seus ideais políticos são pouco conhecidos.

O resgatar da história, do pensamento e dos escritos de mulheres tem importância fundamental para entender o nosso papel histórico-social em diferentes épocas e culturas.

Este texto é uma recusa ao esquecimento.

Miyamoto Yuriko

A vida de Miyamoto Yuriko está intimamente ligada ao movimento da literatura proletária e ao movimento feminista japonês. Além de escritora, Yuriko foi uma importante ativista social e militante do Partido Comunista Japonês. Escreveu sobretudo romances autobiográficos e publicou ensaios sobre questões de gênero e literatura.

Miyamoto Yuriko

Nasceu em 13 de fevereiro de 1899, Tokyo, com o nome de Chujo Yuriko. Herdeira de uma família abastada, Yuriko teve acesso à uma educação de elite: estudou na Escola Para Garotas Ochanomizu, fez o curso de Inglês na Universidade de Mulheres do Japão e assistiu aulas como ouvinte na Universidade de Columbia em 1919, período que esteve em Nova York acompanhando seu pai.

A Universidade de Mulheres também foi frequentada pelas mulheres do grupo Seito (青鞜), responsáveis por editar a primeira revista literária inteiramente produzida por mulheres no Japão. Fundada em 1911 por Hiratsuka Raichô, Yasumochi Yoshiko, Mozume Kazuko, Kiuchi Teiko e Nakano Hatsuko, a revista tinha como objetivo promover a igualdade de direitos para mulheres através da literatura e da educação. Apesar de ter sido publicada apenas durante o período de 1911 até 1916, a repercussão alcançada pela revista é considerada o embrião do movimento feminista japonês moderno.

A ordem vigente da época era bastante clara em relação ao papel da mulher na sociedade: “boa esposa, mãe sábia”, pensamento proveniente do Onna Daigaku (女大学), um manual datado do século XVIII e cuja autoria é atribuída à Kaibara Ekken. Baseado em valores neo-confucionistas, o manual foi amplamente difundido durante o período Edo (1603–1868) e era oferecido às mulheres recém-casadas como um “manual de instruções” para a formação de novas famílias. O Onna Daigaku defendia a submissão das mulheres às necessidades do marido e da família.

Este sistema familiar baseado na opressão de gênero foi o alvo principal das críticas da revista Seito. Nesse sentido, a escrita e os ideais de Miyamoto Yuriko dialogavam com os pensamentos difundidos por Hiratsuka Raichô e suas companheiras.

O grupo Seito em 1912, da esquerda para direita: Kiuchi Joko, Tanabe Misao, Hiratsuka Raichô, Mozume Kazuko, Nakano Hatsuko, Kiyose, Ishii Mitsuko, Kobayashi Kazuko, Koiso Toshiko.

Miyamoto Yuriko não mantinha suas críticas à ordem social apenas em seus escritos e procurava viver de acordo com seus ideais. Seu primeiro casamento com Araki Shigeru significou uma quebra na tradição do miai kekkon (termo em japonês para “casamento arranjado”). Além de se casar com um homem de sua própria escolha, Yuriko foi responsável por iniciar a proposta de casamento através de uma declaração apaixonada. Ela também se recusou a usar o sobrenome de seu marido, permanecendo Chujo Yuriko até 1938. Araki era um filologista de línguas pérsicas que Yuriko conhecera durante seu período na Universidade de Columbia. Os dois permaneceram juntos até 1924, quando Yuriko assume novamente a iniciativa e acaba por solicitar o divórcio. (WILSON, 1997, p. 27).

De volta ao Japão e recém-divorciada, Yuriko foi apresentada a Yuasa Yoshiko, tradutora e acadêmica de literatura russa. Yuasa era conhecida por ser uma intelectual feminista de fortes convicções socialistas e por sua tradução de “O Jardim das Cerejeiras” de Tchekov. As duas tiveram uma conexão instantânea muito forte baseada em valores como a intimidade, a intelectualidade, a camaradagem, a confiança e a paixão, elementos escassos em seu relacionamento anterior com Araki.

Yuasa e Yuriko mantiveram um relacionamento durante sete anos. A produção literária foi bastante fértil durante o período que estiveram juntas: Yuriko escreve “Nobuko” e Yuasa traduz as cartas de Tchekov para o japonês. Entre 1927 e 1930 as duas viajaram até a Rússia, acontecimento crucial para a consolidação do pensamento político de Miyamoto Yuriko. Ao retornar da Rússia, Yuriko decide se juntar à Associação dos Escritores Proletários Japoneses e se torna militante do Partido Comunista Japonês.

Yuasa Yoshiko

Apesar de terem construído juntas um relacionamento muito frutífero em termos intelectuais e políticos, as duas acabaram por se separar logo que retornaram ao Japão. As pressões impostas às mulheres foram em grande parte responsáveis pelas discussões que levaram ao término. Enquanto Yuasa Yoshiko era aberta sobre ser uma mulher lésbica, Yuriko nunca se assumiu publicamente. Yuasa considerava esta atitude de Yuriko muito desonesta e os ataques mútuos culminaram no término do relacionamento.

Cena de “Yoshiko & Yuriko” (2011), dirigido por Sachi Hamano.

Em 1932, Yuriko se casa com Miyamoto Kenji, crítico literário e militante do Partido Comunista Japonês. O casamento de Yuriko e Kenji foi marcado por prisões em consequência do envolvimento de ambos com a literatura proletária japonesa e com o Partido Comunista Japonês.

A obra literária de Miyamoto Yuriko

A primeira obra de Miyamoto Yuriko foi escrita aos 16 anos. “Nōson” (“A aldeia agrícola”, 1915) foi utilizada como esqueleto para a história de “Mazushiki hitobito no mure” (“Um rebanho de pessoas pobres”, 1916) e baseia-se na juventude de Yuriko nas propriedades de sua família em Fukushima. A protagonista deste romance em muito se assemelha à própria autora: uma neta de latifundiários que se esforça para ajudar os trabalhadores pobres, mas se vê em situação de impotência devido ao lugar que ocupa na sociedade.

De acordo com Cullen (2010), esta primeira obra já mostra sinais da sensibilidade de Yuriko com as desigualdades na sociedade japonesa e possui certo tom de crítica social. A narrativa de “Mazushiki hitobito no mure” é autobiográfica, com semelhanças ao estilo das tradicionais I-novel japonesas: “[…] ela (Miyamoto Yuriko) emprega uma abordagem subjetiva, uma análise profunda dos pensamentos e emoções de sua personagem para revelar as injustiças sociais no campo.” (CULLEN, 2010, p.74).

Capa de “Nobuko” (1928), sem tradução para o português.

Contudo, é com a publicação de “Nobuko” (1928) que temos a primeira grande obra autobiográfica de Miyamoto Yuriko. Utilizando a experiência infeliz de seu primeiro casamento como elemento para a escrita, este importante romance traz à tona debates acerca do casamento, das ideias convencionais sobre relacionamentos heterossexuais, de sua jornada em busca de satisfação artística e críticas às desigualdades de gênero. “Nobuko” foi originalmente publicada na revista Kaizô entre 1924 ~ 1926.

“Agora que o Japão finalmente tem uma Constituição que inclui as palavras direitos humanos, e a igualdade entre homens e mulheres tornou-se reconhecida, o que significa para Nobuko, uma obra escrita há mais de um quarto de século atrás, ter se tornado tão popular e ser lido por um amplo espectro de leitores? Isso não diz que Nobuko examina as questões sociais ainda a serem completamente resolvidas na vida das jovens japonesas atualmente?” — Trecho de um comentário de Miyamoto Yuriko para uma nova edição de sua obra selecionada. 1947. Tradução livre. (SUZUKI apud MIYAMOTO, 2009, p. 80)

Yuriko (primeira fila, à esquerda) e Yoshiko (centro) em Moscou. 1928.

Em “Ippon no hana” (“Uma flor”, 1927), a escritora descreve os primeiros anos de seu relacionamento com Yuasa Yoshiko.

Cullen (2010) aponta que este estilo autobiográfico, pessoal e sentimental presente em todas as obras citadas até agora desaparece nos escritos da década de 1930, quando Yuriko começa a se envolver mais seriamente com o movimento da literatura proletária. Ainda que suas obras sejam em sua maioria semi autobiográficas, seu olhar é mais jornalístico, objetivo e menos subjetivo, com a intenção de denunciar opressões políticas. “1932-nen no haru” (“A primavera de 1932”) é o registro de um período em que a maioria dos escritores da literatura proletária foram presos, incluindo Miyamoto Yuriko e seu marido, Miyamoto Kenji.

Yuriko foi presa em diversos momentos de sua vida e ficou mais de dois anos na prisão. A escritora só foi libertada devido às sérias complicações das doenças contraídas durante o período de encarceramento. “Kokukoku” (“De momento a momento”, 1933), publicado post mortem em março de 1951 retrata o dia a dia de uma prisão em péssimas condições, onde trabalhadores, camponeses e estudantes são levados e torturados, em alguns casos até mortos, unicamente por estarem se reunindo em grupos. Grande parte de sua ideologia está presente no romance “Chibusa” (“Os Seios”, 1935): a personagem Hiroko começa a trabalhar em uma enfermaria para os trabalhadores, enquanto seu marido está preso por questões políticas. Antes de ser presa, a personagem encoraja as mulheres da enfermaria a tomarem providências e agir.

Embora tenha sofrido nas mãos da polícia japonesa durante os períodos de encarceramento e de interrogatórios, Miyamoto Yuriko se manteve uma figura íntegra e leal aos seus ideais. Por este motivo, muitos de seus escritos só puderam ser publicados no final da Segunda Guerra Mundial (CULLEN, 2010). Em “Utagoe yo okore” (“Oh, Levante-se para nossa música!”, 1946), ensaio escrito para a nova Associação de Literatura Japonesa, Yuriko realiza um apelo aos escritores e os convida a uma reflexão de suas experiências históricas, pedindo que usem suas vozes para defender os direitos da população (SCHIERBECK & EDELSTEIN, 1994).

O prêmio “Mainichi Culture” foi concedido à “Banshuu heiya” (“Planícies de Banshuu”, 1947) e relata algumas experiências do pós-Segunda Guerra Mundial. “Fuuchisoo” (“A planta de cata-vento”, 1947) também traz essa temática, narrando a história de um casal que lutou contra o imperialismo, contra a guerra e como os dois sobreviveram ao tumulto do pós-guerra.

Em “Futatsu no niwa” (“Os dois jardins”, 1948), Miyamoto Yuriko dá sequência a “Nobuko”, voltando ao tema da relação com sua família burguesa após o divórcio e consequentemente seu relacionamento com Yuasa. O romance foca em temáticas como independência e no processo de autodescobrimento enquanto mulher e escritora socialista, terminando com sua viagem a Moscou em 1927 (SCHIERBECK & EDELSTEIN, 1994).

Seu último trabalho literário foi escrito enquanto Yuriko já enfrentava sérios problemas de saúde. “Doohyoo” (“A Divisa”, 1950) reflete sobre seu processo de divórcio e sua conscientização política durante sua experiência na União Soviética. Além de romances e contos, Miyamoto Yuriko também escreveu ensaios, grande parte sobre questões de gênero e classe. Os escritos sobre mulheres escritoras foram reunidos em “Fujin to bungaku” (“Mulher e Literatura”, 1948).

Apesar de já ter sido traduzida para o espanhol, não há traduções de Miyamoto Yuriko para o português.

Tradução de “Ippon no hana” (1927) para o espanhol.

O Partido Comunista Japonês e a literatura proletária

“Romancistas e críticos pertencentes a este movimento, membros ou não do Partido Comunista, seguiram sua liderança na literatura e em assuntos políticos.” (KEENE, 1976, p.225) — tradução livre.

O Partido Comunista Japonês foi fundado clandestinamente em 15 de julho de 1922. Sua fundação coincide com o período de instabilidade social e financeira que o Japão experimentava após a Primeira Guerra Mundial.

Pôster eleitoral do Partido Comunista Japonês. 1928.

Durante o período de guerra houve um boom nas exportações de produtos japoneses devido à guerra na Europa. A situação econômica se manteve favorável até 1920 quando sofreu uma retração: a economia desacelerou significativamente em comparação ao período da Primeira Guerra Mundial, mas não houve queda significativa na produção. Como consequência, bancos japoneses importantes vão à falência em 1920, ocasionando corridas aos bancos e mais instabilidade.

O Grande Terremoto de Kanto é retratado em “Vidas ao Vento” (2014) de Hayo Miyazaki.

Em 1 de setembro de 1923 acontece o Grande Terremoto de Kanto. Pelo menos 105.385 pessoas morreram e outras 37.000 desapareceram, sendo depois dadas como mortas. Economicamente, o Grande Terremoto de Kanto prejudicou o sistema financeiro japonês, danificando os ativos financeiros dos bancos, bem como seu capital físico (SHIZUME, 2009). Caos, pânico e instabilidade se instauraram na sociedade japonesa da época, ocasionando uma série de episódios violentos após o terremoto. Três episódios de violência se destacam: o Massacre de Coreanos em 1923, o Incidente Amakasu, nome pelo qual ficou conhecido o assassinato de Ōsugi Sakae e Noe Ito (dois importantes anarquistas japoneses) e o Incidente Kameido que culminou no assassinato do socialista Hirasawa Keishichi.

O “Massacre de Coreanos” foi realizado por civis japoneses em várias regiões de Kanto após o Terremoto. Foto de Pae So, publicada em 1988.

Os três acontecimentos citados acima foram consequência do momento de instabilidade que se seguiu ao Grande Terremoto de Kanto. Rumores de que os coreanos residentes da região de Kanto estavam promovendo saques, incêndios e possuíam bombas foram o estopim para o assassinato de 231 coreanos por civis japoneses na primeira semana de setembro. Os ativistas do movimento anarquista e socialista foram assassinados pela polícia japonesa e pelo exército imperial sob o pretexto de que teriam intenções de usar o momento de crise para derrubar o governo japonês. Tais rumores foram mais tarde desmascarados, porém não aconteceram a tempo de impedir os assassinatos.

A Era Taishō (大正時代 — 1912 ~1926) também ficou conhecida como Democracia Taishō, uma vez que o Japão passava por um período de liberalismo político após décadas do autoritarismo da Era Meiji (明治時代 — 1867 ~ 1912). As ideias de uma política liberal e democrática para o Japão começaram a circular pela sociedade, o que ocasionou um aumento dos movimentos populares defendendo mudanças políticas. A situação política no contexto do pós-guerra também se encontrava instável.

Durante o período Taishō verificou-se uma crescente demanda por uma arte popular das massas, fator que impulsionou o surgimento da corrente literária proletária no Japão.

Em maio de 1925 foi editada a Lei de Preservação e Paz (治安維持法), durante a administração de Katō Takaaki. Esta lei se dedicava especialmente ao combate da divulgação de ideias políticas e ideologias como o anarquismo, o comunismo e o socialismo. Além de prever até 10 anos de prisão para qualquer um que tentasse alterar o kokutai (regra do imperador e do governo imperial, em oposição à soberania popular), essa lei restringiu severamente a liberdade individual no Japão e tentava eliminar qualquer dissidência pública.

Uma observação importante a se fazer é destacar o papel das ideias comunistas no Japão durante esse período como embrião para atos de rebeldia contra a ordem vigente. Muitos intelectuais, professores universitários, líderes de movimentos trabalhistas e estudantes estavam familiarizados e simpatizavam com tais ideais. De acordo com Mitchell (1973), o medo do poder desse grupo revolucionário e a ameaça que eles significavam ao ideal de “servir a nação” levou o governo japonês a responder de maneira rigorosa à propagação de tais ideologias.

Donald Keene aponta que os romancistas e críticos pertencentes ao movimento da literatura proletária seguiram a influência do Partido Comunista Japonês em suas atividades literárias, mesmo que não fossem membros ativos do partido.

Membros da NAPF ( 全日本無産者芸術連盟, Nippona Artista Proleta Federacio — Federação Japonesa de Artistas Proletários). Os escritores organizavam palestras para promover os órgãos do movimento e arrecadar fundos. Esta foto é de Janeiro de 1931, no Auditório Público de Tennoji em Osaka. Fila da frente, da esquerda para a direita: Takeda Rintaro, Tokunaga Sunao, Sata Ineko e Miyamoto Yuriko. Fila de trás: Tanabe Koichiro, Kuroshima Denji e Hasegawa Susumu.

A produção literária da Escola Proletária ( プロレタリア文学 — Puroretaria Bungak) se concentra em toda década de 1920 até o início da década de 1930. Os escritores e críticos pertencentes ao movimento da literatura proletária se preocupavam com as questões da popularização de sua arte e a relação entre valor político e valor artístico (BOWEN-STRUYK & FIELD, 2016). Eles procuravam encontrar uma saída para conciliar forma e conteúdo, arte e política, descrevendo a situação e a luta dos trabalhadores de forma a conscientizá-los de seus direitos. Por estes motivos aqui apresentados, muitos escritores da Escola Proletária se preocupavam com a linguagem que utilizavam em seus escritos, pois desejavam que os trabalhadores menos escolarizados e com menos tempo de lazer pudessem também usufruir das leituras.

Pôster da NAPF. Design de Otsuki Genji (1904 ~ 1971).

Miyamoto Yuriko e Miyamoto Kenji foram membros ativos do Partido Comunista Japonês, motivo que os levou à prisão em diversos momentos. Entre 1958 ~1977, Kenji foi líder do partido.

Durante o período que militou pelo Partido Comunista Japonês, Yuriko se tornou a coordenadora do Comitê de Mulheres e a supervisora do jornal Hataraku fujin (Mulheres Trabalhadoras).

Repressão e a “literatura de reorientação”

A repressão das atividades do Partido Comunista Japonês e dos escritores e críticos da Escola Proletária se intensificou a partir da edição da Lei de Preservação e Paz em 1925. As primeiras prisões em massa foram realizadas em 1928.

A obra mais expressiva desta corrente literária é Kani Kōsen (蟹工船, “O Navio-Fábrica Caranguejeiro”) de Kobayashi Takiji (小林 多喜二) publicada em 1929 no formato de capítulos pela revista Senki (戦旗, “Bandeira de Combate”), uma revista literária do movimento da literatura proletária.

Kani Kōsen já foi adaptado como mangá e filme. Em 2008, o livro de Kobayashi Takiji ocupou a lista de best sellers no Japão. O livro ainda não foi lançado no Brasil, mas é possível ler a tradução feita por André Felipe de Souza Almeida em sua dissertação de mestrado.

Kani Kōsen (蟹工船, “O Navio-Fábrica Caranguejeiro”) — original em japonês.

Segundo Keene (1984) o êxito de Kani Kōsen é demonstrado através da vívida descrição da vida a bordo de um navio-fábrica e do retrato realista dos pescadores e operários que compõem as personagens da obra.

Kobayashi Takiji

Takiji seria preso pela polícia japonesa, torturado e morto no dia 20 de fevereiro de 1933. A causa de sua morte foi registrada como ataque do coração pelas autoridades japonesas. De acordo com Keene (1976), ninguém assumiu a responsabilidade pela morte de Kobayashi Takiji, deixando incerto se a morte era uma intenção premeditada da polícia ou apenas uma consequência das torturas sofridas.

A morte de Kobayashi teve dois impactos muito importantes: 1) a transformação da figura de Kobayashi Takiji de escritor para mártir, ganhando a simpatia de romancistas contrários ao movimento de literatura proletária e 2) o declínio de todo o movimento de literatura proletária. Muitos escritores e membros do Partido Comunista Japonês se sentiram ameaçados e temiam o mesmo futuro de Kobayashi Takiji. Sofrendo intimidações e pressões do governo, muitos romancistas começaram a proferir seus tenkō, termo que pode ser traduzido como literatura de “reorientação” ou “conversão”. (ver: KEENE, 1976, p. 227). Para que não fossem presos ou mortos, os escritores e militantes do movimento proletário renunciavam sua posição política através do tenkō.

Estima-se que 95% dos prisioneiros proferiram seus tenkō, seja de maneira cínica ou sincera. É importante ressaltar que alguns escritores vieram a mudar suas posições políticas após a realização de sua “reorientação”.

Ao contrário de muitos escritores e escritoras do movimento proletário, Yuriko recusou veementemente a renúncia de seus ideais e de seus escritos. Tanto ela como Miyamoto Kenji optaram por não proferir seus tenkō, apesar das constantes ameaças e prisões por parte da polícia japonesa.

Durante um interrogatório policial em 1942, Yuriko sofreu um ataque de insolação que lhe trouxe problemas de visão e do coração. A partir desse incidente a saúde da escritora foi se deteriorando aos poucos. Em 21 de Janeiro de 1951 Miyamoto Yuriko falece devido à complicação de sua meningite, nos deixando uma extensa obra literária. Seus romances que focam nas questões das mulheres trabalhadoras e suas reflexões sobre gênero são contribuições imensas para a literatura japonesa, o socialismo e a história das mulheres no Japão.

Miyamoto Yuriko (1949).

Bibliografia

ALMEIDA, André Felipe de Sousa. O Navio-Fábrica Caranguejeiro, de Kobayashi Takiji: tradução e considerações. Dissertação de mestrado — USP. São Paulo, 2016.

BOWEN-STRUYK & FIELD, Heather & Norma. An Anthology of Japanese Proletarian Literature. University of Chicago Press, 2016.

CULLEN, JENNIFER. A Comparative Study of Tenkō: Sata Ineko and Miyamoto Yuriko. The Journal of Japanese Studies, vol. 36, no. 1, 2010, pp. 65–96.

KEENE, Donald. Japanese Literature and Politics in the 1930s. In: Journal of Japanese Studies, Vol. 2, n. 2, pp. 225–248, 1976.

— — — — — — — — — — -. Proletarian Literature of the 1920s in Dawn to the West. New York: Columbia University Press, 1984.

MITCHELL, Richard H. Japan’s Peace Preservation Law of 1925: Its Origins and Significance. In: Monumenta Nipponica, Vol. 38, №3 (Autumn), pp. 317–345, 1973.

SCHIERBECK & EDELSTEIN, Sachiko Shibata & Marlene R. Japanese Women Novelists in the 20th Century: 104 Biographies, 1900–1993. Museum Tusculanum Press, University of Copenhagen, 1994.

SHIZUME, Masato. The Japanese Economy during the Interwar Period: Instability in the Financial System and the Impact of the World Depression. In: Bank of Japan Review, 2009-E-2, Maio, 2009.

SUZUKI, Michiko. Becoming Modern Women: Love and Female Identity in Prewar Japanese Literature and Culture. Standford University Press, 2009

WILSON, Michiko Niikuni. Misreading and Un-Reading the Male Text, Finding the Female Text: Miyamoto Yuriko’s Autobiographical Fiction. In: U.S.-Japan Women’s Journal. English Supplement, no. 13, 1997, pp. 26–55.

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Mariana Akemi Iha

“não sou um intelectual, escrevo com o corpo”. bacharela em letras (português/japonês). asiático-brasileira. (ig: @akemiiha)