Uma breve reflexão sobre a Reforma Educacional de Temer

Pablo de Assis
6 min readSep 23, 2016

O Governo Temer lança, como medida provisória, uma proposta de reforma educacional que está recebendo críticas e elogios de todos os lados. Para quem não conseguiu ler ou ter acesso ao projeto, deixo aqui o link para uma matéria da G1 sobre isso: http://g1.globo.com/educacao/noticia/temer-apresenta-medida-provisoria-da-reforma-do-ensino-medio-veja-destaques.ghtml

E, para quem não tem como ler o artigo linkado, deixo aqui um breve resumo em formato de tabela (também presente no artigo acima linkado), que resume bem as principais mudanças que a Medida Provisória apresenta:

Alguns desses pontos são:

  • Ampliação de carga horária obrigatória de 800 horas anuais e 200 dias letivos para 1400 horas anuais sem mínimo de dias letivos.
  • Transformar as disciplinas obrigatórias de Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia em optativas.
  • Inclusão de importância da formação técnica e “experiência prática de trabalho no setor produtivo” do aluno.
  • A língua inglesa passa a ser a língua estrangeira obrigatória em todas as escolas — que antes poderiam escolher segundo a demanda da comunidade escolar qual seria a LEM.
  • Fica permitido que as escolas contratem “profissionais de notório saber” para dar aulas, sem necessidade de formação pedagógica.
  • O vestibular fica condicionado ao conteúdo da Base Nacional Curricular Comum — ao invés de a universidade ter a liberdade de escolher como irá montar a sua prova.

Não quero aqui discutir os aspectos pedagógicos da proposta — porque isso daria muito pano pra manga — mas apenas mostrar um impacto dessa lei sobre a vida da comunidade escolar em geral.

Porém, uma coisa é clara: independente se a proposta é genial ou demoníaca, o projeto NUNCA deveria ser passado por Medida Provisória e deveria passar por debates e discussões muito mais amplas, pois afeta diretamente a vida de milhões de alunos, professores e toda a comunidade escolar, que vão desde os pais dos alunos aos funcionários da escola e as empresas ao redor das escolas. Se um projeto como esse já começa errado, como MP, não tem como ele ser certo.

Quer ver mais um problema do projeto? A ampliação da Carga Horária para 1.400h, sem pensar em um mínimo de dias letivos. Então, cumprindo as 1.400 horas, posso liberar o aluno antes naquele ano! MAS as atuais 800 horas e 200 dias dão 200 dias de 4 horas de estudo — praticamente meio período de trabalho. E os 200 dias de estudo, considerando 20 dias de aula por mês (são cinco dias úteis por semana, quatro semanas por mês), dariam 10 meses de estudo por ano, com férias maiores, de um mês e meio, no fim/início do ano e um recesso menor de duas semanas no meio do ano.

Porém, se pular para 1.400 horas — mantendo a distribuição de dias de aula por ano e as férias dos alunos e professores — serão 200 dias de 7 horas por dia — aluno entrando às 7h da manhã e estudando direto até às 2 da tarde — ou das 8h às 15hs, sem pausa pro almoço, pois se parar uma hora pro almoço, ele vai das 8h ás 16hs. Ou então, se for manter, por exemplo, 5 horas de aula por dia, começando às 7h e indo até às 12h, o aluno precisará ir à escola por 280 dias e (considerando 20 dias úteis por mês), o aluno precisaria estudar 14 meses por ano, ou então, estudando também aos sábados, precisaria ir à escola por 11 meses e 3 semanas, tendo apenas UMA SEMANA POR ANO DE FÉRIAS. Considerando que professores acompanharão os alunos, os professores terão também a mesma necessidade de trabalho e redução de férias.

Dessa forma, para deixar o aluno no mesmo ritmo de trabalho do profissional, com apenas um mês de férias por ano, serão necessários 128 horas por mês de aula (128x11=1.408, e temos que considerar eventuais feriados ou meios dias de aula, por exemplo). Divididos por 4 semanas de aula, seriam 32 horas por semana. Isso se traduz em 6,4 horas de aula por dia, ou então, 5 e 1/3 horas de aula por dia incluindo aulas aos sábados.

Além de interferir na rotina dos alunos, isso interfere na rotina das escolas que terão que funcionar aos sábados ou até mais tarde, terão que contratar zeladores e seguranças para outros períodos, além de mais professores para dar conta do aumento de 75% na carga horária de aula. E, se a escola não conseguir aumentar sua demanda em 75%, ela terá que cortar 75% em outro lugar, possivelmente cortando um dos turnos apresentados. Mutias escolas apresentam turnos de manhã, de tarde e de noite. Agora, com esse aumento, a escola só poderá oferecer um turno manhã/tarde e um turno tarde/noite. Ou seja, a MP altera completamente toda a estrutura administrativa das escolas, o que obrigará a escola a modificar — e muito — seu currículo, ofertas, contratações, sem que prejudique o restante.

Outra questão importante são os alunos que só podem estudar de noite, pois trabalham durante o dia. Isso é muito mais comum do que imaginamos. Como ficará esse aumento de carga horária para eles? Será que eles poderão estudar as 7 horas por dia? Ou será que poderão estudar aos sábados também?

E quais são as consequências para os pais dos alunos? Pense, por exemplo, em uma escola particular que cobra R$1.000,00 de mensalidade. Considerando só o aumento de carga horária — sem considerar o acréscimo de custos com alimentação, cozinha, segurança, etc — em 75%, isso implicaria em um aumento de mensalidade de pelo menos 75%, passando a ser R$1.750,00. Será que os pais que já têm dificuldade em pagar as mensalidades teriam condições de pagar as novas mensalidade MUITO mais caras?

E como ficam as escolas públicas? Elas poderão contratar os professores — ou profissionais com “notório saber” (o q todo mundo sabe que é mais um caminho pra contratar sobrinhos e laranjas e deteriorar o já precário ensino — como aconteceu com o jornalismo e a não obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão) — para dar conta do aumento da demanda? Será que haverá também a diminuição de salário já baixo porque não será mais exigido a formação em educação para lecionar? Além disso, essa diminuição será justificável pois as escolas precisarão contratar mais profissionais, sem que isso implique em um aumento de verba para contratações.

Além disso, além do aumento de tempo que o aluno ficará na escola — o que forçará a diminuição de turnos que a escola poderá oferecer, pois em oito horas de funcionamento por dia a escola poderia ocupar dois turnos e agora isso será cortado pela metade— haverá um aumento de demanda de pais que não poderão pagar as novas mensalidades mais caras e matricularão seus alunos nas escolas públicas. Teremos escolas com menos vagas, mais caras e com mais demanda de vagas. Será que as escolas conseguirão acompanhar a demanda e aumentar a quantidade de vagas e manter a qualidade de ensino? Ou será que só aumentaremos a quantidade de alunos nas já lotadas salas de aula para dar conta do aumento da demanda?

Todos esses problemas são consequência de apenas UMA das modificações que a MP apresenta e uma modificação meramente administrativa. Essa modificação é a que mais afeta o planejamento financeiro da escola, dos pais, professores e da comunidade escolar. Nem quero chegar perto de falar das alterações didático-pedagógicos que apresentam mais um retrocesso educacional do que uma reforma. Também nem quero chegar perto de listar todos os problemas reais que as escolas enfrentam, como evasão escolar, gravidez adolescente (e falta de educação sexual, ainda mais sem a escola precisar oferecer Educação Física, Sociologia e Filosofia que discutiriam isso — pois as escolas ainda não oferecem Psicologia), precarização do ensino, e desvalorização do professor, que esse projeto simplesmente não trata e acaba por deixar por debaixo do tapete…

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Pablo de Assis

Quem procura pelo em ovo acaba fazendo omelete com kiwi...