Ensino Remoto Emergencial: A Oportunidade da Escola Criar, Experimentar, Inovar e se Reinventar.

Prof. Paulo Tomazinho
8 min readApr 5, 2020

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Prof. Paulo Tomazinho — Doutor em Educação

Estou assustado!

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É compreensível que no curso de uma pandemia todos fiquem um pouco perdidos, desorientados e como eu, assustado. O ser humano não gosta de imprevistos, é natural ao ser humano buscar a zona de conforto, o previsível, o estável.

Um vírus virou um cisne negro (1) avassalador. Em poucos dias o que era um surto de gripe na China atingiu todo o mundo. Uma pandemia com consequências inimagináveis em pleno século 21.

Mas o que mais me assusta é a forma como as escolas e universidades estão reagindo a este problema. É compreensível que não tivemos tempo para planejar uma solução educacional remota. Nunca pensamos na possibilidade dos nossos alunos e professores não poderem vir até às nossas salas de aulas. Mas chamar isso de educação a distância é um afronto à ciência da educação e às teorias educacionais.

Não estamos fazendo ensino ou educação a distância.

Venho insistindo e tentando emergir este termo no Brasil desde que li, no dia que publicado, o elegante artigo de Charles Holges et al., “The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning” (2).

Estamos praticando um Ensino Remoto Emergencial (ERE)

É ensino remoto porquê de fato professores e alunos estão impedidos por decreto do Ministério da Educação e Secretariais Estaduais de Educação de frequentarem escolas, evitando a disseminação do vírus, seguindo os planos de contingências orientados pela Ministério da Saúde.

É emergencial porquê do dia para noite o planejamento pedagógico, pensado, debatido e estudado para o ano letivo de 2020 teve que ser engavetado, e talvez ainda será jogado no lixo.

Em cenários de incerteza, todos são novatos…

O que está acontecendo é um planejamento pedagógico in real time*. Nunca as escolas tiveram que experimentar tanto, e gestores e professores tomarem decisões tão rápidas. Nunca o TI foi tão estratégico para o negócio educação como está sendo agora.

Por que? Pelo simples fato de o currículo da maioria das escolas não foi criado, e nunca foi sequer pensado, para ser aplicado remotamente. A maioria dos professores e funcionários nunca foram treinadas para o ensino on-line ou através de ferramentas virtuais.

No máximo algumas escolas e IES ofereciam treinamentos e oficinas de aplicativos e ferramentas digitais numa tentativa de enriquecer as aulas presenciais, e mesmo assim com muita resistência dos professores. Eu sei porque trabalho diretamente com formação de professores a algum tempo. Sei do que estou falando…

É muito novo para boa parte do mundo e inédito para o Brasil, o fato de alunos e professores não poderem vir para a escola.

Então, temos que reconhecer que:

  1. Não estávamos preparados para isso. Ninguém estava.
  2. Nossos professores nunca foram treinados para ensinar on-line
  3. O Currículo não estava adaptado para um ensino on-line
  4. É uma experiência nova para todos (Gestores, professores, alunos e pais)
  5. O planejamento e entrega do ensino está sendo emergencial e em tempo real.

Frente a todos esses desafios, estamos TODOS fazendo o possível para que tudo funcione da melhor maneira possível. Fazendo o possível para que professores ensinem e alunos aprendam. Fazendo o possível para demonstrar o valor do serviço educacional para os pais, mesmo que remoto e emergencial, para justificar as mensalidades. Fazendo o possível para atender as normativas e resoluções dos Conselhos Estaduais de Educação e salvar o Ano Letivo de 2020.

De forma emergencial e com pouco tempo de planejamento e discussão (o que levaria meses em situação normal), professores e gestores escolares, público e privado, da educação básica a superior, tiveram que adaptar in real time o currículo, atividades, conteúdos e aulas como um todo, que foram projetadas para uma experiência pessoal e presencial (mesmo que semipresencial), e transformá-las em um Ensino Remoto Emergencial totalmente experimental.

Fazendo um recorte desse processo, podemos afirmar que nunca a educação foi tão inovadora. Foi a transformação digital mais rápida que se tem notícia num setor inteiro e ao mesmo tempo. Escolas e IES tem aprendido a fazer gestão enxuta (3) e experimentar o estilo Startup de conduzir o negócio, ou seja, o ciclo construir, testar, aprender, ajustar, construir, testar e aprender a cada aula, a cada dia, a cada semana. E seguirá assim enquanto esse lockdown durar (4).

Este é um desafio imenso, um trabalho intenso, mas é a única opção.

É a única opção que temos para ensinar. A única opção que os alunos têm para aprender. A única opção que temos para justificar as mensalidades. A única opção que temos para salvar os empregos. A única opção que temos para não perder o ano letivo. A única opção que temos para salvar o negócio.

Por isso insisto no termo: Ensino Remoto Emergencial (ERE).

Ensino Remoto Emergencial como uma mudança temporária da entrega de instruções para um modo de entrega alternativo devido a circunstâncias de crise

Os autores Charles Holges et al. definem Ensino Remoto Emergencial como uma mudança temporária da entrega de instruções para um modo de entrega alternativo devido a circunstâncias de crise. Envolve o uso de soluções de ensino totalmente remotas para instrução ou educação que, de outra forma, seriam ministradas presencialmente ou como cursos combinados ou híbridos e que retornarão a esse formato assim que a crise ou emergência tiver diminuído (2).

É fundamental que fique muito claro a todos que o objetivo principal nessas circunstâncias não é recriar um ecossistema educacional robusto, mas fornecer acesso temporário a estratégias de ensino-aprendizagem de uma maneira que seja rápida de configurar e entregar de forma simples e confiável durante uma emergência ou crise.

O que me assusta é ver o movimento de gestores em busca de soluções robustas, completas e complexas de EaD, e empresas e fornecedores que aproveitam este momento de fraqueza do sistema para penetrar pelos flancos dos muros das escolas com plataformas, serviços, e soluções complexas demais para serem imediatamente e emergencialmente utilizada.

Gestores cuidado com os Cavalos de Tróia (5). A cartilha para tempos de crise é bem conhecida: faça o mínimo, preserve o caixa, foque na operação atual, faça o simples que funciona. E invista muito na comunicação com os alunos, pais e seus colaboradores. No fim do dia, eles são o negócio.

A mudança para o ERE exige que os professores assumam mais controle do processo de criação, desenvolvimento e implementação de cada aula. O professor agora é, de verdade, a cara da escola. Nunca teve um papel tão importante e estratégico.

Esses professores precisarão de apoio e ajuda para desenvolver habilidades para trabalhar e ensinar num ambiente online, enquanto ensinam e trabalham.

Cada aula será um experimento…

Todos são novatos. A cada dia vamos criar aulas, testá-las quase que imediatamente com os alunos, e aprender muito neste processo. Neste período, a aprendizagem do professor será intensa, aprenderá o que funciona e o que não funciona. O professor terá a oportunidade de ajustar o que não funcionou bem e intensificar o que parece ter funcionado, e já testar na próxima aula, para aprender ainda mais em cenário real de aula. Desafiador, mas estimulante.

Gestor não cometa o erro de querer padronizar…

Você, seu time e sua escola ou IES tem a oportunidade única de se tornarem uma instituição antifrágil, uma escola antifrágil, uma universidade antifrágil. E porque não sonhar num sistema educacional antifrágil (6).

Antifrágil é um termo cunhado pelo autor, economista e investidor Nassim Taleb que explica em seu livro de mesmo nome, que algumas coisas podem se beneficiar com caos (7). Eu acredito que a educação tem uma boa chance de melhorar como um todo, de verdade.

Mas para isso, permita que seus professores experimentem coisas novas. Novos métodos, novas tecnologias a cada aula. Imagine o número de experimentos didáticos e aprendizagem acumulada que sua escola vai realizar nas próximas semanas. Cada aula é uma unidade muito pequena diante de todo o currículo. Se algum experimento durante a aula, ou mesmo que em uma aula inteira não dê certo, não importa. Este pequeno momento não vai comprometer todo o programa de ensino. Por outro lado, o que se pode aprender nesses experimentos didáticos terá um valor inestimável para o professor, para a escola e IES como um todo.

Se algum experimento durante a aula, ou mesmo que em uma aula inteira não dê certo, não importa.

Portanto, como gestor, dê autonomia aos seus professores. Confie no feeling deles, eles sabem o que funciona e o que não funciona. Liberte-os das amarras do sistema de ensino, que os prende e os engessam. Permita que seus professores criem, inovem, aprendam, mesmo que errem de vez em quando — desde que o erro seja pequeno e rápido — incentive-os a compartilhar seus cases de sucesso, e talvez até o insucesso e o que deu errado, para outros evitarem cometer erros já conhecidos.

Fazendo isso o salto de qualidade, de maturidade do time e de inovação da sua escola ou IES será um legado desta crise.

Realmente acredito que o ensino remoto emergencial vai nos ensinar a ser a escolas que sempre sonhamos e nunca pensamos ser possível construí-la. Uma escola que experimenta, que aprende, que inova, que tenta o novo, e sempre busca o melhor para o ator mais importante deste processo e a razão da escola ou IES existir, o aluno e seu ganho de aprendizagem.

A transformação da educação poderá ser o grande legado dessa crise.

Se isso faz sentido para você. Compartilhe esse texto com seus colegas. Compartilhe nas redes sociais. Vamos debater essas ideias. Vamos construir uma nova educação. Vamos fazer do limão uma limonada e deixar um legado para nossos alunos e nossos filhos após esta crise.

Professor converse com seus colegas e gestores.
Pais converse sobre isso com outros pais e com os professores dos seus filhos.
Gestores reúnam seu time — virtualmente — e converse sobre essas idéias.
Grande abraço,

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Prof. Paulo Tomazinho

Doutor em Educação e especialista em aprendizagem e tecnologias educacionais. Ajuda escolas e IES a implementar metodologias ativas e a fazer a gestão da inovação.

Você pode agendar uma conversa em www.paulotomazinho.com.br, meus cursos estão disponíveis em www.metaaprendizagem.com.br. Caso queira seguir meu trabalho procure por @paulotomazinho nas redes sociais.

Referências:

1- Nassim Taleb — A lógica do Cisne Negro descreve eventos altamente improváveis com potencial de impactar o mundo, os mercados e a forma como vivemos. https://www.amazon.com.br/s?k=cisce+negro&i=stripbooks&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&ref=nb_sb_noss

2- Charles Holges et al. (2020). The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning#fn1

3 — Eric Ries, A Startup Enxuta. https://www.amazon.com.br/startup-enxuta-Eric-Ries/dp/8543108624/ref=asc_df_8543108624/?tag=googleshopp00-20&linkCode=df0&hvadid=379708266945&hvpos=&hvnetw=g&hvrand=17179785119495247571&hvpone=&hvptwo=&hvqmt=&hvdev=c&hvdvcmdl=&hvlocint=&hvlocphy=1001634&hvtargid=pla-901645014167&psc=1

4 — Paulo Tomazinho. Lockdown COVID-19. https://www.semesp.org.br/inovacao/noticias/semesp-indica-a-aprendizagem-nao-pode-parar/

5 — O autor usou a metáfora Cavalo de Tróia para remeter ao conceito “presente de grego”, que parece ser de graça mas traz grande risco. Neste contexto, risco de coleta de dados da sua base de alunos e professores ou mesmo compromissos financeiros futuros.

6 — Sistema educacional antifrágil é uma ideia utópica do autor, onde no setor público cada diretor teria autonomia para decidir de forma colegiada com os professores e associações de pais e mestre locais, quais as melhores formas de conduzir cada escola. Desde o projeto político-pedagógico, concepções didáticas, metodologias, avaliações e até orçamento. A ideia é ter tantos experimentos quanto possíveis e este sistema vai aprendendo o que funciona e o que não funciona, validando as boas práticas em rede. O sistema educacional antifrágil se opõe completamente a padronização e decisões top-down atual ou modelo franqueador-franqueado da educação pública praticada pelas secretarias estaduais e municipais de educação.

7 — Nassim Taleb — Antifrágil — as coisas que se beneficiam com o caos. https://www.amazon.com.br/Antifr%C3%A1gil-Coisas-que-beneficiam-caos/dp/8576846136/ref=asc_df_8576846136/?tag=googleshopp00-20&linkCode=df0&hvadid=379773318239&hvpos=&hvnetw=g&hvrand=3363569194175469939&hvpone=&hvptwo=&hvqmt=&hvdev=c&hvdvcmdl=&hvlocint=&hvlocphy=1001634&hvtargid=pla-387685956890&psc=1

*Originalmente utilizei a expressão em inglês "just in time" em português "bem a tempo"e agradeço a amiga e Google Innovator Mariana Ochs por me sugerir o termo "in real time" em português "em tempo real", que realmente melhor descreve o que quis dizer.

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Prof. Paulo Tomazinho

Eu ajudo escolas e IES a implementar METODOLOGIAS ATIVAS e a fazer a TRANSFORMAÇÃO DIGITAL ÁGIL com base nas melhores práticas e evidências científicas.