Carmen Miranda e Anitta, o que elas tem haver?

Beatriz Paoletti
10 min readMar 28, 2022

--

Recentemente para o jornal O Globo o CEO da União Brasileira de Compositores (UBC), Marcelo Castello Branco, rasgou elogios a cantora Anitta a comparando com a Carmen Miranda:

“Nos meus quase 40 anos de carreira, nunca vi alguém se jogar dessa maneira. Anitta é a primeira superstar brasileira global da era das redes sociais, uma Carmen Miranda digital”

Será que estas duas artistas tem realmente haver? Vamos entender um pouco de cada uma primeiro:

Carmen Miranda

Maria do Carmo Miranda da Cunha, mais conhecida pelo apelido e nome artístico Carmen Miranda, foi uma cantora, compositora, atriz e dançarina luso-brasileira que nasceu em 9 de fevereiro de 1909 em Portugal, e morreu em 5 de agosto de 1955 em Beverly Hills. Ela cresceu no Rio de Janeiro, e estudou no Colégio Santa Teresa, mas teve de deixar os estudos para ajudar a família. Nesse período trabalhou em inúmeros estabelecimentos e aprendeu a costurar junto de sua irmã mais velha Olga, a levando a fazer as próprias vestimentas, tão importantes para sua carreira. Carmen Miranda cresceu em meio ao sucesso do choro e do samba.

Com 20 anos, Carmen quando participou como cantora de um festival no Instituto Nacional de Música Colégio Santa Teresa, hoje conhecido como Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi lá, em 1929, que ela conheceu o Josué de Barros, uma pessoa muito importante para que ela pudesse iniciar sua jornada na Rádio Sociedade, no RJ, em 1930. A partir deste ano ela lançou seu primeiro disco que trazia uma música que virou hit, “Pra você gostar de mim”, mais conhecida como Taí, escrita por Joubert de Carvalho.

Em 1936, Carmen Miranda estreava no cinema com o filme “Alô, Alô, Carnaval”, produção que teve uma cena de dueto de Carmen com sua irmã Aurora Miranda da música “Cantoras do Rádio”. Este momento ficou bem conhecido.

Outro fato importante deste período mais inicial de carreira foi quando Carmen Miranda passou a fazer parte do Cassino da Urca, onde fica o atual Istituto Europeo di Design. Este antigo lugar era frequentado pela alta sociedade onde se jogava jogos de azar, além de ser um local com números musicais, muitos deles internacionais.

A carreira de Carmen Miranda tomou novas proporções quando em 1939 apareceu com suas vestimentas de baiana, hoje muito conhecidas, no filme Banana da Terra, em uma cena com a música O que é que a baiana tem, de Dorival Caymmi.

Após o sucesso da interpretação de Carmen no Banana da Terra, além de sua marcante presença no Cassino da Urca, o empresário norte-americano Lee Shubert a levou aos EUA para participar de produções de lá. A cantora, atriz e dançarina luso-brasileira iniciou na Broadway com a peça Streets of Paris, em 1939.

Este momento foi marcado pela Boa Vizinhança dos EUA, uma tentativa de aproximação da “América” com países da América Latina, e no caso do Brasil houve um incentivo e financiamento industrial além do uso da arte para alçar esta aliança. Carmen Miranda foi, considerando o período, um fator muito relevante na aproximação dos dois países por meio da cultura.

Carmen chegou a visitar o Brasil após seu processo de consolidação nos EUA, mas foi recebida meio friamente em uma breve retomada no Cassino da Urca. Em resposta a esta frieza, ela gravou as músicas Disseram que eu voltei americanizada e Voltei pro morro (1940, Luis Peixoto e Vincente Paiva).

Não demorou muito para que Hollywood prestasse atenção em Carmen, que foi convidada pela Twentieth Century -Fox para participar de vários filmes, no total 14. Alguns destaques são: o primeiro de todos, Serenata Tropical (1940), Aconteceu em Havana (1941), Serenata Boêmia (1944) e Copacabana (1947).

A Pequena Notável, apelido que Carmen ficou conhecida devido sua baixa estatura, é lembrada até hoje por sua maneira calorada de cantar em português, além da sua animação e entusiasmo no palco. Na Broadway, ela ficou conhecida pelos críticos como Brazilian Bombshell, em tradução não literal, a brasileira sensual. Em outros momentos ela ficou conhecida como uma representação generalista do povo latino-americano.

Outro fato interessante é que Carmen Miranda foi a primeira artista latina a assinar na calçada da fama do Chinese Theater, além de ter sido a mulher mais bem paga nos Estados Unidos na época. Ela também foi a primeira mulher, em 1933, a assinar um contrato de rádio.

Porém, o trabalho de representação do Brasil por Carmen Miranda também foi muito criticado e ressentido ainda no período da política americana de Boa Vizinhança, gerando desconfiança em parte da população brasileira. Até hoje é analisado se o Brasil mostrado pela Pequena Notável ajudou a reforçar estereótipos, como o da “republica das bananas”, ou a mostra de um Brasil americanizado.

Carmen passou também por um período de declínio tanto nos EUA, como em relação a sua imagem vista pelos brasileiros. Para muitos americanos, depois de um tempo, a brasileira já não representava algo que empolgava tanto, e para Carmen, ela se via presa nos mesmos papéis sensuais de uma latina exótica, não podendo exibir todos os seus talentos. E de fato ela tinha muitos talentos. Este problema é visto até hoje entre as artistas de origem latina em produções norte-americanas.

Apesar de tudo, Carmen Miranda conseguiu projetar e consolidar sua imagem em diferentes mídias tanto no Brasil quanto no exterior, abrindo portas para os latino americanos nos EUA. Além disso, por mais que ela tenha sido usada como um elo cultural em busca de aproximações políticas entre Brasil e EUA, é inegável que ela conseguiu desenvolver um trabalho que foi além deste uso político de sua figura marcante. Carmen por exemplo deixou marca em canções de vários artistas, como as do Pixinguinha, Lamartine Babo, Ary Barroso e Dorival Caymmi.

E a Anitta?

Larissa de Macedo Machado, mais conhecida por seu nome artistico Anitta, é uma cantora, compositora, empresária, produtora e dançarina carioca, que nasceu em 30 de março de 1993 em Honório Gurgel. Ela começou a experiência cantando na igreja em Honório Gurgel, e com 15 se interessou pela dança e até deu aulas.

Com 16 anos ela postou vídeos cantando covers de outros artistas, o que chamou atenção de produtores da Furacão 2000. Nesta época ela lançou o primeiro single, “Eu vou ficar”, e em 2010, com 17 anos, ela finalmente adota o nome que hoje é conhecida, Anitta, inspirada na minissérie da Globo de 2001 “Presença de Anita”. Anita, da produção da Globo era uma personagem sensual que encantava a todos, interpretada por Mel Lisboa.

Em 2013 ela lança o primeiro CD, “Anitta”, um projeto com a Warner cheio de hits como “Fica Só Olhando”, “Meiga e Abusada”, “Proposta”, “Tá na Mira”, “Não Para” e “Menina Má”, e claro, o single “Show das Poderosas”, o seu maior sucesso até então.

A primeira tentativa de fazer contatos para assim construir uma carreira internacional foi na gravação do clipe de “Meiga e Abusada”, em 2012, gravado por Blake Farber em Los Angeles e ainda sem a gravadora Warner, em um iniciativa de Anitta e sua empresária da época, Kamila Fialho. Inclusive foi esse trabalho que deu visibilidade para que Anitta pudesse assinar com a Warner, e assim lançar o primeiro CD, Anitta.

Em 2014 ela lança o seu álbum mais pop até então, “Ritmo Perfeito”. Em 2015 sai mais um álbum, “Bang!”, com mais sucessos como o homônimo Bang, uma trilha dançante que gruda na cabeça, e outras faixas como “Deixa ele Sofrer” e “Essa Mina é Louca”.

Em 2016 Anitta se apresenta na abertura das Olimpíadas do Rio 2016, e segundo a Billboard a cantora foi uma sensação. Ainda nesse ano Anitta lança com o cantor colombiano Maluma a faixa Sim ou Não, como parte inicial de sua estratégia de atingir mais públicos latino-americanos (fora os brasileiros)

Em 2017 ela lança várias parcerias com artistas nacionais e internacionais. Uma importante para a carreira do exterior foi a faixa Switch, uma parceria internacional com a rapper Iggy Azalea, e visando o mercado latino americano ela grava o “Paradinha”. Ainda em 2017, com Major Lazor e Pablo Vittar, tem o lançamento de “Sua Cara”.

Switch

No mesmo ano também tem o projeto Checkmate, que constava no lançamento de um single de setembro até o final do mesmo ano, explorando gêneros diferentes e buscando neste processo se firmar mais em mercados diferentes, além do brasileiro (no brasileiro o objetivo era mais de consolidação do que já existia). Os dois maiores sucessos foram Downtown, uma faixa reggeaton para o público latino-americano, e “Vai Malandra”, uma faixa que volta para suas raízes, o funk, porém também visando a exportação.

Vai Malandra

Em 2018 ela lança o EP Solo, com 3 faixas, cada um em um idioma diferente, e em 2019 ela lança Kisses, um álbum que ela explora diferentes línguas e gêneros, como pop, MPB, funk, algo que está se tornando uma marca da Anitta, sempre buscando se desafiar e alcançar e reforçar novos públicos.

Em 2020 ela lança o Me Gusta, uma música em parceria com a rapper Cardi B e Mike Towers que estará no álbum ainda não lançado, Girl from Rio (2022). Este projeto tem o objetivo de a consolidar ainda mais no mercado americano.

O produtor executivo do trabalho, Ryan Tedder, disse para a Veja que a Anitta esta muito preparada para o EUA e que muitos querem trabalhar com ela, já que a artista entende muito do mercado global.

Anitta conseguiu uma projeção tanto nacional quanto internacional do como poucos conseguiram fazer. Ela é atualmente um dos maiores nomes do pop do Brasil, já que de maneira inteligente ela construiu as estratégias necessárias para alavancar sua imagem em diferentes mídias, e buscou entender o que estava dando certo, e de que formas poderia se adaptar e se aproveitar das tendências.

E porque este comparativo?

As duas artistas são de épocas bem diferentes, e de fato apresentam estilos muito distintos, porém, o que ambas tem em comum é a investida na carreira internacional que deu certo, ou que está dando certo e evoluindo, no caso da Anitta, e as duas também tem em comum que ganharam uma certa desconfiança do público brasileiro após a maior consolidação de suas carreira no exterior (Carmen parece que ganhou até mais que Anitta).

Carmen Miranda conseguiu no início do século 20 chegar em um patamar de carreira como mulher e latina no exterior como nunca antes tinha acontecido, ela projetou a identidade brasileira através de sua arte, ainda que esta infelizmente foi cerceada a muitos estereótipos, mas de qualquer maneira ela conquistou o público brasileiro por um tempo, ficou entre as mais populares que existiam na época e se aproveitou do inicio da era do rádio no Brasil.

Ela também soube conduzir os elementos visuais e sonoros que a fizeram ser reconhecida como Carmen Miranda em sua carreira no exterior, além de ter se aproveitado do contexto de aproximação dos EUA e Brasil através da cultura. E ela provavelmente poderia ter feito muito mais, mas a colocaram em caixinhas.

E assim como Carmen Miranda, Anitta vem se aproveitando de elementos que estão a seu favor para abrir ainda mais espaço para mulheres latinas no exterior. No caso da Anitta, ela vem percebendo as tendências das mídias sociais, além de notar um mercado latino em ascensão no exterior, e assim o abrindo ainda mais para conquistar novos públicos com produções versáteis em línguas e gêneros diferentes.

É importante também dizer neste tema de comparativo, que na época de Carmen Miranda, as coisas eram ainda mais difíceis que de Anitta, existiam poucos meios para vender arte para uma indústria cultural que ainda estava se desenvolvendo, ainda mais chegar e se consolidar como a luso-brasileira fez nos EUA. Carmem Miranda foi, como já dito, a responsável por abrir portas para muitas latinas, e uma delas acabou sendo, depois de muitas décadas, a Anitta, que continua no trabalho de ampliar estas possibilidades, reduzindo os estereótipos também.

A Anitta por exemplo conseguiu um feito incrível que foi lançar uma música (Boys Don’t Cry) inteiramente em inglês de estilo pop rock nos EUA, e que ainda fez um barulho. Isso é inédito e demonstra estas portas se abrindo cada vez mais.

Boys Don´t Cry

Referências:

https://www.funarte.gov.br/danca/ha-80-anos-carmen-miranda-eternizava-seu-nome-na-calcada-da-fama-em-hollywood/

https://brasilescola.uol.com.br/biografia/carmen-miranda.htm

https://www.epsjv.fiocruz.br/upload/monografia/16.pdf

http://jornalismojunior.com.br/carmen-miranda-a-explosao-da-brasilidade-em-hollywood/

https://www.letras.mus.br/blog/biografia-anitta/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Anitta

https://www.purebreak.com.br/famosos/anitta_e538674

E aí, gostou? Comente e compartilhe! Siga o Pauta Frita aqui no Medium, no Twitter, no Instagram e no Youtube.

--

--

Beatriz Paoletti
0 Followers

Portal de notícia sobre o mundo da música; divulgação de artistas brasileiros; resenhas de singles e álbuns; artigos opinativos sobre a atualidade.