Pare de procurar um livro sobre

Ou a arte de indicar livros no plural

Pedro Drable
Cabine Literária

--

por Pedro Drable

Eu passo cerca de 2h30min lendo quase todo dia.

Isso pode parecer uma espécie de auto-elogio, tipo um marombeiro intelectual publicando seus “+11Km” no app de corrida, mas na verdade é uma consequência bem simples da minha rotina. Ocorre que eu tenho a inestimável capacidade de ler no ônibus, e que moro longe do meu trabalho. Pá. Duas horas e meia de leitura ininterrupta, de segunda a sexta.

E como eu leio bem rápido, acabo engolindo livros de todos os tipos, desde aventuras hilárias através do espaço-tempo até pensamentos sobre como incentivar a cultura criativa em grandes empresas. Clássicos da literatura, ensaios acadêmicos, best-sellers adolescentes… o que parar na minha mão será lido.

Por conta desse volume de leitura e pela minha proximidade com grandes grupos de alunos de Comunicação Social, um certo fenômeno me acontece com frequência: gente pedindo indicação do “melhor livro sobre”.

Esse “sobre” pode ser sobre um monte de coisa. Sobre “escrita criativa”. Sobre “criação publicitária”. Sobre “redes sociais”. Sobre “tecnologia e comportamento”. E por mais que eu tente ajudar, essa tarefa tem sido cada vez mais difícil, numa relação diretamente proporcional à quantidade de livros lidos.

Por exemplo: redação publicitária. Parece um recorte simples, mas o assunto é atravessado por uma série de outros tópicos, que são quase indissociáveis. Pra quem está começando na área, tem um monte de livros clássicos e legais, como o Criação sem Pistolão, do Carlos Domingos, o Redação Publicitária: a Prática na Prática, do Zeca Martins ou a sequência dos livros do João Anzanello Carrascoza (Redação Publicitária, Evolução do Texto Publicitário, Razão e Sensibilidade no Texto Publicitário e vários outros). Pronto. De bobeira, já são cinco livros diretamente associados ao ofício de Redator Publicitário pra ler, cada um com as suas particularidades.

Só que ser redator envolve um monte de outras coisas. Sem pensar muito, envolve entender um pouco do que faz as pessoas considerarem comprar ou não uma marca/produto. Opa. Então precisamos de mais livros. Posicionamento, de Al Ries e Jack Trout, entra na lista. Lovemarks: O futuro além das marcas, do Kevin Roberts, também é um livro importante. Confissões de um Publicitário, do David Ogilvy, é indispensável. E a lista começa a engordar.

E como faz pra ter ideias e ser criativo? De Onde Vem as Boas Ideias, do Steven Johnson, 10 Faces da Inovação, do Tom Kelley, Criatividade S.A., do Ed Catmull… querendo, dá pra fazer uma bibliografia que vai bater duas horas de leitura no contador do Medium. Isso tudo falando apenas de livros que tem relação quase direta com o assunto.

Mas o bagulho fica sério mesmo quando você passa a considerar o tanto de coisa que absorve sem querer em cada livro que lê. Uns aprendizados que entram de trivela na sua cabeça e acabam mudando inadvertidamente o seu jeito de pensar. Voltando à redação publicitária, eu aprendi muito com todos esses autores, mas também com a série O Guia do Mochileiro das Galáxias, do Douglas Adams. Todos os livros são cheios de pequenas passagens geniais, que lembram muito a estrutura de bons “títulos publicitários”. Como essa aqui, que fala sobre um curso de treinamento para pessoas que desejam aprender a voar:

“Há toda uma arte, ou melhor, um truque para voar. O truque consiste em aprender como se jogar no chão e errar.”

Pensa nisso. Voar é simples: basta se jogar no chão e errar. Em duas frases, o Adams consegue deslocar o seu pensamento e pintar um “conceito” memorável sobre a ideia de voar. É exatamente o que um redator publicitário planeja fazer com um bom título.

Duas frases para deslocar a sua visão sobre a rotina, entregando um “conceito” que relaciona o banco a uma vida mais equilibrada e com menos preocupações. A primeira frase levanta o assunto, a segunda dribla a sua expectativa. Puta título. Douglas Adams seria um monstro se fosse redator na era de ouro dos títulos, possivelmente ficando atolado de trabalho e não tendo tempo pra escrever livros. Por sorte, não aconteceu.

Enfim. O ponto é que tudo que a gente aprende na vida pode ser a peça de um quebra-cabeças que ainda vamos montar. E quase todo livro é uma caixa de peças novinhas.

Aprendi sobre sociedade e comportamento de massa com livros como O Ponto da Virada, do Malcolm Gladwell, mas também com Como Mudar o Mundo, com 1984 e com Guerra Mundial Z (o melhor livro sobre antropologia e sociologia com background de apocalipse zumbi já escrito).

Aprendi sobre storytelling com Ideias que Colam, com Story, com a biografia do Walt Disney e com todos os sete livros do Harry Potter. Sobre símbolos e mitos com O Herói de Mil Faces, com O Herói e o Fora-da-Lei e com Deuses Americanos. Sobre mim mesmo e as pessoas ao meu redor com O Poder do Hábito, com Comédia da Vida Privada e com Calvin & Haroldo. Sobre a importância e a arte de escrever com Para Ler como um Escritor, com 1Q84, com Crônicas de Gelo e Fogo, com Fahrenheit 451 e com qualquer livro que eu tenha lido. Inclusive os ruins.

E todo dia a lista vai crescendo, 2h30min por vez.

Por essas e outras, eu sempre digo que um livro é o melhor presente que você pode dar pra alguém pelo custo-benefício. Não consigo pensar em mais nada que tenha tantas chances de mudar a visão de mundo de uma pessoa e custe por volta de 40 reais.

É por isso também que eu sempre tento indicar os melhores livros que li pra todo mundo que eu conheço. E que quando me pedem a indicação de um livro, falo no mínimo uns 5 títulos. Porque pra mim, não existe o “melhor livro sobre” nada. Existe continuar aprendendo pra sempre.

Eu sei que a vida é muito corrida e que a gente se sente obrigado a reservar tempo e atenção apenas para o que for essencial, mas no que toca o hábito de ler, isso me parece um grande desperdício. Do alto da minha desimportância, se eu puder dar um único conselho, diria para deixar de lado a busca dessas “balas de prata” na livraria. Em vez disso, faça como seu amigo marombeiro: separe um tempo para treinar. Leia sempre, sem nenhuma vergonha, de textos banais a livros rebuscados, de quadrinhos leves a romances russos. Depois, pense sobre o que você leu. Sublinhe seus livros. Faça anotações. Dobre os cantos das páginas que você mais gosta. (Sim, eu faço isso tudo. Me julgue.)

Leia sempre, com os olhos e a cabeça abertos, e você vai acabar aprendendo sobre muito mais do que esperava. E se for pedir uma sugestão de livro, peça várias.

Falando nisso, estou precisando ler uns livros diferentes. O que você me sugere?

Gostou da leitura? Clique em “Recommend” para espalhar a mensagem e em “Follow” para saber quando tiver textos novos no Cabine Literária. ☺

--

--

Pedro Drable
Cabine Literária

Escrevo sobre coisas que eu entendo e não entendo, na maioria das vezes tentando me entender.