É dia de Campuscão! Hoje tem gol do Luisim!

Pedro Henrique
29 min readJan 9, 2020

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A respeitável campanha do Campo Grande campeão da Taça de Prata de 1982

Fonte: Página Um Coração Suburbano. Disponível em: https://historiadofutebol.com/blog/?p=78456.

A caixinha toca! Sintonia na Rádio Nacional. Seu Bira, morador da Rua Henri Dunant, é mais um no Bar da Pipa. Entre uma golada e outra, está atento aos comentários pré-jogo da grande final da Taça de Prata que movimenta a zona oeste carioca no dia 20 de abril de 1982. Enquanto a prosa do boteco versava sobre o Flamengo de Zico e o Vasco de Roberto, Seu Bira e outros do bar aguardavam ansiosamente pela chegada dos petiscos e o pontapé inicial da partida. A atenção deles estava para o Campuscão de Ronaldo, Mauro, Lulinha, Pingo, Tuchê, Luis Paulo e Luisinho das Arábias. Um time de muitas pessoas. Exaltavam os feitos do velho morador do bairro — Décio Esteves.
Para os torcedores do Campo Grande Atlético Clube, o ano de 1982 tem sabores e histórias incríveis, resultado de muita confiança e de um belo trabalho da diretoria do clube. Após duas temporadas com desempenhos honrosos, em 1981, o clube alcançou o sétimo lugar no campeonato carioca vencido pelo Flamengo e na Taça de Prata liderou o seu grupo na primeira fase por várias rodadas até dois insucessos contra o campeão Guarani. Sob a batuta do grande artilheiro Luizinho das Arábias e de Pingo, grande revelação do futebol carioca, o time garantiu uma vaga para a Taça de Prata de 1982.
O noticiário do Campusca em fins de 1981 era marcado por contratações e negociações para reforçar a equipe e competir com força no ano seguinte. Amilton Silva, vice-presidente de futebol, mantinha contatos diários com clubes cariocas para contratar os destaques e reforçar o time. A diretoria do clube executou um bom trabalho. Manteve os jogadores Luis Paulo, o grande artilheiro Luisinho e lutou pela permanência da sua prata da casa e grande revelação, o jovem Pingo, cortejado por Flamengo e Corinthians no mercado futebolístico do início de 1982.

A compra de Luizinho das Arábias foi uma atitude poderosa diante do interesse despertado por dois grandes dirigentes da época: Castor de Andrade e Luizinho Drummond. Ambos tinham cacife financeiro privilegiado para levar o artilheiro das Arábias para, respectivamente, o Bangu ou Bonsucesso. No entanto, Amilton Silva bancou a permanência de Luizinho no papo e na grana investida. Na estreia do time na Taça de Prata contra o Americano, Amilton deu o tom da sua confiança:

“Agora eu quero ver se o Campo Grande tem mesmo torcida. Precisamos da ajuda de todos para que possamos reforçar cada vez mais a nossa equipe e melhorar a cada ano. Espero que domingo, contra o Americano, a torcida nos prestigie e compareça em massa ao Estádio Ítalo Del Cima”, durante entrevista para o Jornal dos Sports, em 23/01/1982.

O presente texto objetiva fornecer detalhes para os leitores e leitoras sobre as qualidades, os obstáculos e os desafios do Campo Grande Atlético Clube durante a respeitável campanha de campeão da Taça de Prata de 1982 e mostrar um capítulo glorioso de sua história diante do contexto atual marcado pelo empenho e suor de torcedores, dirigentes e jogadores para reerguer o Galo da Zona Oeste. Partindo de textos e vídeos publicados na internet sobre o acontecimento histórico, investiu-se um grande esforço de pesquisa documental no acervo dos Jornal dos Sports para dar mais detalhes para a história. Que seja um deleite para os leitores e leitoras apaixonados pelo futebol do Rio de Janeiro.

O Time

Como dito anteriormente, a equipe era formada por um grupo de jogadores que já vinham jogando no Campusca desde 1979, com desempenhos honrosos nas competições disputadas. Jacenir, Pirulito, Serginho, Pingo, Tuchê, Luisinho e Luis Paulo formavam a base da equipe e tiveram o reforço dos destaques Olaria campeão da Taça de Bronze em 1981: o beque Mauro; o meia Lulinha, que já tinha uma bela história no Campo Grande; e o meia Orlando. Para completar, trouxeram de volta o zagueiro Neném, após uma temporada no Campinense, e contrataram o lateral Marinho, após um bom campeonato carioca pelo Americano de Campos, e o goleiro Ronaldo, vindo do Bangu e em busca de uma chance para mostrar suas qualidades. Durante o período de contratações, era grande o interesse da diretoria em contratar um bom goleiro. Inicialmente, as tentativas foram tirar os goleiros Hilton, do Olaria, e Nielsen, do Vasco. No entanto, foram fracassadas. A equipe foi treinada pelo técnico Jair Pereira até os insucessos da segunda fase. Sob a sua batuta, a equipe apresentava um futebol ofensivo que chamava atenção da imprensa carioca.

O faro artilheiro de Luisinho. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16118, de 18/04/1982.

O grande destaque do clube era Luisinho, o grande artilheiro do Campusca durante os anos que esteve desfilando pelo estádio de Ítalo del Cima. Na verdade, por onde passou, Luisinho foi artilheiro e, por isso, despertava interesse de todo e qualquer clube necessitado de um centroavante goleador. A alcunha ‘Das Arábias’ foi criado por Castor de Andrade para diferenciá-lo de outro goleador carioca — Luisinho Lemos. O radialista Washington Rodrigues reforçava a sua alcunha nos programas esportivos. Entretanto, Luisinho também carregava a fama de beberrão e rei das noitadas e ele lutava para enfrentar e superar essa fama nos clubes em que passou. No Campeonato Carioca de 1981, ele marcou 17 gols pelo Campusca e chamou atenção de Castor de Andrade e Luizinho Drummond. Castor queria vê-lo reviver as atuações goleadoras no Bangu. Já Luisinho queria o atacante como a cereja no bolo do Bonsucesso, pois, em 1982, ele assumiu uma função no quadro dirigente para colocar o time da Leopoldina no cenário nacional. No entanto, o cacife financeiro dos bicheiros não foi suficiente para impedir o bom papo e o investimento do Amilton Silva, vice-presidente do Galo da Zona Oeste.

Entre contratações e renovações de contrato, a diretoria investiu 20 milhões de cruzeiros para formar um time digno e em condições para disputar as competições de 1982. Como disse, era grande a expectativa e a confiança no clube. Em várias entrevistas antes do início da competição nacional, Amilton Silva demonstrava a crença numa boa campanha e convocava os torcedores para apoiar o time, conforme pode ser lido na notícia sobre a estreia do Campo Grande contra o Americano.

Fonte: Jornal dos Sports, edição 16036, de 24/01/1982.

A Revelação

GOL RELÂMPAGO! Madureira x Campo Grande pelo Campeonato Carioca. 23/11/1981. Mal o jogo tinha se iniciado o Campo Grande aproveitou-se de uma bobeira na defesa adversária e fazia o seu gol: o apoiador Pingo pegou a bola pela meia, driblou dois adversários e lançou Luisinho, entre os zagueiros. Este colocou no canto esquerdo de Gilson, que nada pode fazer. Nesse campeonato, Luisinho foi goleador com passes da grande revelação do campeonato — Pingo, a prata da casa do Galo da Zona Oeste tão cobiçado pelos grandes clubes do Rio de Janeiro e São Paulo. Por meio de um júri de jornalistas esportivos, o apoiador Pingo foi considerado a grande revelação do futebol carioca naquele ano. Arisco, driblador e com bom passe, o jovem alternou a titularidade com o veterano Edu, irmão do Zico, durante a campanha de 1981. Para manter a revelação em 1982, Amilton Silva negociou um bom contrato.

Além de bom jogador, Pingo ganhou fama na cidade e, em fins de 1981, duas histórias chamam atenção. Primeiro, ele deu um susto na torcida após um acidente de carro. Nas vésperas do natal de 1981, o jogador colidiu violentamente com o seu carro contra uma árvore no bairro de Marechal Hermes. Apesar da enorme preocupação com a sua vida na época, Pingo sofreu apenas torção de tornozelo, o quem lhe fez perder, entretanto, boa parte da Taça de Prata. Um dado curioso foi que o acidente de Pingo foi no mesmo dia do grave acidente automobilístico de João do Pulo, atleta olímpico brasileiro, que o deixou em situação gravíssima.

Uma segunda história foi o caso de uma senhora bastante aborrecida que visitou o estádio de Ítalo del Cima a procura do jogador Pingo. Noticiada no Jornal dos Sports, de 10/01/1982 e publicada na coluna Bola no Chão, de Milton Salles, a história era essa:

“Há dias apareceu no Estádio Ítalo del Cima uma senhora muito aborrecida. Trazia a filha — uma menina-moça graciosa — pela mão e insistia em falar com o atacante Pingo. A senhora estava zangada e dava a impressão de querer atacar firme, na base do ele me paga.

Mas, quando viu o jogador do Campo Grande ela se transformou: — Este é o Pingo mesmo? Os que a atenderam confirmaram. O próprio jogador ficou surpreso diante da surpresa da senhora. Esta balbuciou: — Meus Deus! Então o outro era um falso Pingo.

Os que a cercavam queriam saber que história era essa de falso Pingo. A senhora ameaçou contar. A filha, olhos baixos, envergonhada, cutucou-a. Achava que não valia a pena contar. Mas a senhora insistiu e contou tudo. Sua filha arranjou um namorado que dizia ser o Pingo do Campo Grande. Todos, na família, acharam que era uma boa, pois tinham ouvido falar sempre muito bem do jogador do Campo Grande. E ela revelou mais: — Uma vez o descarado promoveu um churrasco dizendo que era para comemorar a sua venda para o Flamengo. E vocês se lembram daquela vez que o verdadeiro Pingo sofreu um acidente de automóvel e a notícia saiu nas rádios e nos jornais? Pois ele apareceu lá em casa mancando, dizendo que por pouco não havia morrido…

De outra feita, o careta havia aparecido lá em Guadalupe, onde mora a mocinha, muito ofegante, dizendo que tinha que sair rápido “porque o Adílio está me esperando no carro ali em baixo”.

E a senhora terminou, diante da filha ainda envergonhada: — Como ele aprontou muitas e passou uma porção de dias sem aparecer lá em casa, resolvi vir procurá-lo no Campo Grande. Sem saber que ele era um falso Pingo…”

O problema físico decorrente do acidente teve um tratamento e uma recuperação lenta. Ele perdeu boa parte do campeonato. Viu seu time amargar alguns resultados ruins, sem poder fazer nada para reverter. No entanto, quando ressurgiu, não só encantou o técnico Décio Esteves, como teve uma atuação determinante nos jogos finais contra o CSA.

O Campo Grande de Jair

A Jornada do Campusca pelo campeonato nacional teve início no dia 24/01/1982 contra o Americano no Estádio Ítalo Del Cima, situado no adorável recanto da Zona Oeste do Rio de Janeiro. O time não estreou completo. Pirulito substituiu Pingo machucado. Mas, o goleiro Ronaldo, o meia Lulinha, o rápido ponta Tuchê e o goleador Luisinho das Arábias criavam uma grande expectativa para torcedores e dirigentes para a estreia no campeonato.

Sem a sua revelação em campo e com torcida reduzida no estádio, o Campusca estreou com vitória de 2 x 0 com gols de Luis Paulo e Roni. Os gols foram comemorados por míseros 767 pagantes, o que decepcionou o vice-presidente Amilton Silva, o Mituca. Foi uma vitória de superação de uma retranca do time de Campos de Goytacazes. Uma bela estreia em campo mas com o grande artilheiro Luisinho contundido ao final da partida.

Sem Luisinho e Pingo, o Campo Grande foi para a segunda partida contra a Portuguesa de Desportos novamente no Estádio Ítalo Del Cima no dia 28/01/1982. Com gols de Jacenir, Lulinha e Ailton, o Campusca meteu 3 a 0 na Portuguesa e ainda criou uma crise no clube paulista com o resultado. De certa forma, os dois primeiros jogos do time colocavam em segundo plano toda a expectativa em torno das campanhas do América-RJ e do Bangu na competição e chamava atenção para o esquadrão da Zona Oeste. As duas vitórias começaram a empolgar torcida e dirigentes que bradavam os primeiros versos do samba-enredo do Império de Campo Grande de 1982, escola de samba local: “Mandei embora a tristeza / E vim bailar com alegria / No festival de beleza / Que o Império de Campo Grande irradia / A banda toca / Com animação / Lindas melodias / Empolgando a multidão”. O Campusca empolgava muito.

Com o objetivo de empolgar ainda mais os seus torcedores, o Campusca foi para o seu terceiro jogo na cidade mineira de Uberaba contra o time da casa. Porém, o time não teve uma atuação feliz. O primeiro tempo foi dominado pelo Uberaba que saiu na frente com o gol de Cabeça aos 35 minutos. O Goleiro Ronaldo, insatisfeito com o gol adversário, reclamava com o time sobre os passes errados e as chances de gol perdidas. Até os 11 minutos do segundo tempo, o time perdia e o técnico Jair Pereira realizou duas substituições providenciais que tornaram o time mais ofensivo. Colocou em campo o lateral paraguaio Ramirez e o ponta Carlos Antonio. Com maior presença no ataque, a estrela do ponta esquerda Luis Paulo brilhou com um gol e o empate que garantiu 5 pontos e a liderança na tabela.

Motivados pelo anúncio de premiações em caso de vitória por parte da diretoria do clube, os jogadores foram pilhados para a quarta partida do campeonato novamente em terras mineiras contra o América Mineiro no dia 03/02/1982. Confiante na classificação para a segunda fase da competição, Amilton Silva, o Mituca, divulgou prêmios de 10 mil cruzeiros em caso de vitória contra o América Mineiro e de 50 mil cruzeiros para cada jogador em caso de classificação. A promessa virou dívida. O Campusca superou a violência dos jogadores mineiros e colocou 2 a 0 no colo do América Mineiro. O zagueiro Mauro e o atacante Ailton foram os guerreiros que terminaram lesionados na partida. Em entrevista para o Jornal dos Sports, de 06/02/1982, o vice-presidente Amilton Silva esbravejava:

“Nunca vi um time bater tanto. O Campo Grande venceu porque é muito superior. Mas se fosse em um campo que não oferecesse muita segurança, o América teria coagido nosso time. A equipe deles tem dois zagueiros que eu nunca vi igual na minha vida. Os dois parecem até que foram contratados no time dos portuários”.

A terceira vitória e um empate em quatro jogos deixou o clube extremamente confiante e o futebol bem jogado da equipe de Jair Pereira chamava atenção da imprensa esportiva carioca. O goleiro Ronaldo era considerado Bola Cheia pelas boas partidas com apenas um gol tomado, ao mostrar garra, talento e aplicação debaixo das traves. Lulinha dominava no meio de campo e fazia a torcida esquecer do desfalque da revelação Pingo. Em tempos do Vasco de Roberto Dinamite e do Flamengo de Zico, o jornalista Carlos Lima, na sua coluna Operação Esporte, do Jornal dos Sports, publicada em 05/02/1982, destacou:

“Ninguém fala no Campo Grande mas, e isto é verdade, o trabalho de Jair Pereira com apoio do presidente Ilídio Silveira e do vice de futebol, Amilton Silva, o popular Mituca, não pode ser escondido. Campusca mandando bala em todo mundo e invicto da Silva, meu filho. Que bela campanha”.

Para a última partida da primeira fase da Taça de Prata, o Jornal dos Sports estampava a sua capa com os dizeres: Jair Pereira exige vitória do Campo Grande sobre o Comercial. Tal atitude era justificada pela campanha da equipe e pelo desempenho do Comercial na competição (penúltimo colocado no grupo E). Era o primeiro jogo no Ítalo Del Cima após a arrancada de vitórias, o que poderia movimentar os corações e mentes dos torcedores para prestigiar o jogo em seu estádio. Foi um jogo de muitos desfalques, mas a grande expectativa dos jogadores e dirigentes era ver o estádio lotado de torcedores. Com capacidade para 18 mil torcedores, no dia 07/02/1982, 1.403 torcedores presenciaram o empate de 1 a 1 entre o Campo Grande e o Comercial. Houve um aumento na presença da torcida, mas bem abaixo das expectativas. O Comercial saiu na frente do marcador e o meia Serginho empatou aos 34 minutos. Nem torcida, nem resultado estavam dentro das expectativas da comissão técnica para a finalização da primeira fase. O que poderia ser uma supremacia do Campusca nos jornais do Rio de Janeiro se tornou um divisor de destaque entre Campo Grande, América, Volta Redonda e Americano com boas campanhas na competição nacional. Apesar de tudo, o Campusca terminava a primeira fase em primeiro lugar no grupo E.

O ponta Luis Paulo foi um dos grandes nomes do time na primeira fase. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16110, de 10/04/1982.

Na segunda fase da Taça de Prata, os dois primeiros colocados de cada grupo da primeira fase foram novamente agrupados em quatro grupos de três equipes que jogaram entre si, ou seja, dois jogos. Os campeões de cada grupo tiveram o privilégio de disputar a segunda fase da Taça de Ouro e os segundos colocados continuaram na disputa pela Taça de Prata. O Campo Grande ficou no grupo J com Atlético Paranaense e Volta Redonda. Um grupo difícil considerando as campanhas de ambos os times durante a primeira fase. O Volta Redonda foi um dos ataques mais positivos com 14 gols e o Atlético-PR tinha tradição no futebol sulista.

Estar na segunda fase da competição criou mais expectativa, agora, para alcançar a disputa da Taça de Ouro. Com a equipe jogando bem, a diretoria ganhou ainda mais confiança para enfrentar o Volta Redonda e o Atlético Paranaense. Os desfalques das últimas partidas estavam recuperados e a volta do atacante Luisinho das Arábias mais próxima. No primeiro jogo contra o Volta Redonda, o Campusca abriu 2 a 0, o que o deixavam na luta pela vaga na segunda fase da Taça de Ouro. Porém, o Volta Redonda reagiu e calou os 1.773 torcedores presentes no estádio Ítalo Del Cima. O empate de 2 x 2 tirou o Volta Redonda de cena e colocou um enorme desafio para o Campusca: vencer o Atlético Paranaense em Curitiba.

Chegou o dia 21/02/1982. Campo Grande estava em terras paranaenses para alcançar uma vitória e seguir gloriosamente para a disputa da segunda fase da Taça de Ouro. Toda a confiança da diretoria, jogadores e torcedores vão para o ralo com o rolo compressor do Atlético que alcançava sua segunda vitória (2x1) em dois jogos e, consequentemente, seu lugar na Taça de Ouro. A derrota por um gol de diferença mantêm o Campo Grande na jornada da Taça de Prata e conscientiza jogadores e dirigentes sobre a importância de manter os pés no chão. O Gol de Serginho desclassificou o Voltaço e manteve o sonho do Galo da Zona Oeste carioca. A partir de agora, era preciso uma reviravolta na atitude para alcançar a glória em quatro fases eliminatórias.

A Reviravolta

Após os resultados ruins na segunda fase, o técnico Jair Pereira forçou a sua saída para assumir o Paysandu. A diretoria do Campo Grande não foi resistente a ideia e tomou uma decisão certeira. Eles já identificavam no trabalho de Jair uma falta de habilidade para lidar com jogadores desanimados com a reserva ou pouco inspirados em campo. Para mudar os ares no clube, trouxeram o amigo, ídolo e morador do bairro, Décio Esteves, para treinar a equipe até o final do campeonato. Com forte ligação com o clube, Décio finalizou sua carreira como jogador no clube e também já tinha tido uma experiência como treinador. Apesar do bom futebol praticado sob a batuta de Jair Pereira, existia uma grande expectativa para a manutenção do futebol ofensivo e mais decisivo sob a nova direção técnica.

Dequinha, Décio Esteves e Paulinho no Campo Grande. Crédito: revista do Esporte número 158 — Março de 1962. Fonte: https://tardesdepacaembu.wordpress.com/2016/10/19/decio-esteves-uma-decada-na-redoma-alvirrubra/.

Dois dias depois, Décio e a equipe tinham um grande desafio na estreia do novo técnico: enfrentar o Goiás pela terceira fase da Taça de Prata no Estádio Serra Dourada. Apesar do pouco tempo para treinamentos, Décio fez modificações para tornar a equipe mais ofensiva. Tirou o cabeça de área Brás e o ponta Tuchê e colocou os atacantes Ailton e Carlos Antonio. Com isso, jogou apenas com o meia Serginho como volante e colocou o time para frente com dois meias habilidosos e ofensivos, dois pontas rápidas e o centroavante Luisinho das Arábias enfiado na defesa adversária. Um esquema audacioso para enfrentar uma equipe tradicional fora de casa. E com a volta do grande artilheiro que fez falta, especialmente, na segunda fase da competição.

Do último jogo contra o Atlético Paranaense até a partidas das oitavas de final contra o Goiás no Serra Dourada, além do novo técnico, teve o carnaval carioca e suburbano para renovar as energias e retomar o seu caminho. Império Serrano e Portela agraciaram o carnaval carioca com dois sambas que embalaram a população naquele ano. Nesse ritmo, a equipe de jogadores do Campo Grande precisavam inspirar-se e buscar seu novo Bumbum Paticumbum Prugurundum para mandar a tristeza embora e retomar a confiança do início do campeonato. Era preciso mostrar o canto daquela equipe ofensiva para seduzir sua torcida e colocá-la no estádio de Ítalo Del Cima, mostrando, assim, o seu Brasil brasileiro do futebol ofensivo e guerreiro.

O Campo Grande de Décio

Fonte: Jornal dos Sports, edição 16069, de 28/02/1982.

No dia 28/02/1982, sem muito apelo por parte da imprensa, o Campo Atlético Clube retomou o rumo com um empate sem gols em terras goianas. Apesar do empate, foi um bom jogo da equipe do novo técnico Décio Esteves e que teve a vitória impedida pelo bom rendimento da zaga adversária. Para o vice-presidente Amilton Silva, o novo Campusca demonstrou ser uma outra equipe: “Não há nem comparação entre o jogo contra o Atlético-PR e o de domingo. O Campo Grande foi uma equipe totalmente diferente contra o Goiás, com um meio de campo criativo e jogadas de alta categoria”, em entrevista para o Jornal dos Sports em 05/03/1982. De certa forma, aquela confiança inicial era retomada. Só faltava uma vitória de respeito.
Na partida de volta contra o Goiás, a grande novidade foi a presença do meia Pingo no banco de reservas. Tido como a grande revelação do futebol carioca em 1981, o jogador ainda não tinha disputado uma partida oficial pelo Campusca em 1982 em razão de um recuperação física após acidente grave de carro. Nos treinos pré-jogo, o técnico Décio ficou bastante empolgado com a participação do jovem em campo.

Uma vitória maiúscula dentro de casa. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16077, de 08/03/1982.

No dia 07/03/1982, enquanto o Rio de Janeiro aguardava o duelo entre Flamengo e Atlético Mineiro, entre Reinaldo e Zico, o Galo da Zona Oeste jogava suas fichas para conseguir um boa vitória dentro de casa. Ronaldo, Marinho, Pirulito, Neném, Ramirez, Serginho, Lulinha, Ailton, Carlos Antonio, Luis Paulo e Luisinho das Arábias foram os responsáveis iniciais pela retomada dos rumos. Com uma vitória avassaladora de 4 a 0, o Campo Grande colocou a zaga adversária na roda e foi o maioral no confronto. Ailton, Luisinho, Neném e Clécio romperam a barreira do goleiro Ubirajara. 1.368 pessoas tiveram a oportunidade de assistir a retomada do Campusca rumo ao título. Eles viram um futebol ofensivo e aplicado que sufocou o time adversário.

Nas quartas de finais, o Campo Grande enfrentou o River em dois jogos quentes. No jogo de ida, no dia 14/03/1982, no estádio Alberto Silva, em Teresina, ocorreu uma partida bastante disputada com o placar final de 3 a 2 para os cariocas. Com dois gols de Luisinho e um de Clécio, o Campusca voltou para o Rio de Janeiro com a vantagem do empate. Luisinho das Arábias foi o grande nome da partida e tornando-se assim o principal destaque do time nas finais da competição após ausência por contusão na primeira e segunda fases da Taça de Prata. Na partida de volta, no dia 20/03/1982, o Campusca sapecou 4 a 0 no River e se classificou para as semifinais. Novamente, Luisinho fez dois gols (e perdeu um pênalti) e o zagueiro Neném e o meia Tuchê completaram um placar que poderia ser mais elástico. O jogo foi marcado por um amplo domínio do time da zona oeste carioca. Com resultados das quartas definidos, Campo Grande versus Uberaba e Joinville versus CSA foram as batalhas das semifinais da Taça de Prata de 1982.

Tuchê, Ailton e Luisinho foram importantes nas jogadas ofensivas na retomada das vitórias. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16111, de 10/04/1982.

Para os jogos finais, um dado curioso foi a atitude da diretoria alvinegra solicitar junto a CBF a realização de exames antidoping nos jogos contra o Uberaba e o CSA. Segundo Amilton Silva, vice-presidente do clube, as equipes demonstravam desempenho físico muito superior ao restante dos clubes que disputavam a competição. “Estamos disputando um título e time que pensa em ser campeão tem que usar todas as armas que tem direito”, disse o Mituca. Nitidamente, foi uma ação para provocar e desestabilizar os adversários.

Para o confronto das semifinais contra o Uberaba, Décio Esteves, dirigentes e jogadores continuaram demonstrando grande confiança, entusiasmo e empenho. A confiança era tamanha que o técnico ignorou a boa campanha do Uberaba marcada por goleadas e escalou um time super ofensivo com um meio de campo sem volante e com três meias habilidosos e rápidos (Serginho, Ailton e Pingo) e um ataque com dois pontas velozes (Tuchê e Luis Paulo) e o centroavante Luisinho enfiado na área. A partida foi marcada pelo retorno do meia Pingo aos titulares após longa inatividade e boas participações nos treinos comandados por Décio. E os últimos jogos tinham colocado fogo nas torcidas do Campusca. As torcidas Galo e Copo Grande prometiam fazer uma grande festa nas partidas finais.

No dia 28/03/1982, o Ítalo Del Cima ferveu e o Campusca colocou o Uberaba no caldeirão da Zona Oeste. Sem piedade, o Campo Grande fez 4 a 0 com dois gols de Tuchê e dois gols de Luisinho das Arábias. 2528 pessoas presenciaram o caldeirão pegar fogo com uma excelente atuação do time e por uma confusão envolvendo torcedores e o goleiro Diron, do Uberaba. Segundo relatos, um torcedor atingiu com uma pedrada o goleiro. O mesmo revidou a agressão tacando a pedra na torcida e atingindo uma criança de 11 anos. O responsável pela criança ficou transtornado com a situação e invadiu o campo para pegar o goleiro. A polícia interviu e a partida ficou parada por 10 minutos. Apesar dos transtornos, a goleada reafirmou a confiança do time e empolgou os torcedores para as próximas partidas.

No jogo da volta, em Uberaba, no estádio João Guido, os jogadores foram para o jogo com a promessa de um bicho de 200 mil cruzeiros pela conquista da Taça de Prata. No dia 04/04/1982, os jogadores justificaram a confiança e dominaram o caldeirão do interior mineiro. Com uma vitória de 2 a 0, a partida ficou marcada pelo amplo domínio alvinegro campusca, pelos gols de Ailton e Tuchê e pela paralisação do jogo aos 40 minutos do primeiro tempo em razão da invasão da torcida uberabense. Segundo relatos, a torcida ficou raivosa do juiz paulista Marcio Campos Sales por validar o segundo do Campo Grande em situação clara de impedimento. Eles invadiram o campo e perseguiram o juiz. Após 30 minutos de paralisação, o jogo foi encerrado com a vitória carioca. Posteriormente, fofocas diziam que o árbitro tinha passado a noite anterior ao jogo bêbado na zona boêmia de Uberaba na companhia dos dirigentes do clube local. O resultado foi homologado e o Campo Grande era um dos finalistas da Taça de Prata de 1982 para uma série de até 3 batalhas futebolísticas contra o CSA. O time de Alagoas havia se classificado numa disputa acirrada contra o Joinville, tendo alcançado na última partida uma virada sensacional para garantir o seu lugar na final.

A seriedade e o espírito de luta foram as marcas da equipe ao longo da competição. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16112, de 22/04/1982.

Em time que está ganhando, não se mexe na Grande Final

Na edição 16107, de 07/04/1982, o Jornal dos Sports destacava o momento do Campo Grande Atlético Clube com uma reportagem de meia página em seu diário esportivo. Cabe lembrar que, ao longo da campanha, a imprensa falava brevemente sobre os jogos e o cotidiano do clube. Eram notícias pequenas que informavam apenas horários, escalações e algumas novidades do escrete alvinegro. Assim, nessa reportagem, o jornal apresentava as qualidades da equipe e do trabalho desenvolvido pelo técnico Décio Esteves. O ponto alto era a vocação ofensiva do time em lutar sem medo pela vitória e pela glória do campeonato. O primeiro parágrafo assim começava: “União dentro e fora de campo, humildade e seriedade foram os motivos apontados pela diretoria do Campo Grande para o sucesso da equipe na Taça de Prata”. Tais qualidades ficavam explícitas nos discursos do presidente do clube Ilídio Rodrigues e do vice-presidente Amilton Silva antes do jogo final. Na matéria, o presidente destacou a seriedade do grupo:

“Vamos para Maceió certos de voltarmos com um resultado satisfatório, pois o time está muito bem, com confiança e acima de tudo, não tem ninguém querendo aparecer. O que está mais me impressionando é a seriedade dos jogadores”.

A primeira batalha foi marcada para o dia 11/04/1982 no estádio Rei Pelé em Maceió. Até lá, a equipe se preparava e a diretoria se mobilizou para arrecadar uma grana para a premiação do grupo que chegava a final do campeonato nacional. Uma caixinha havia sido feita com uma contribuição inicial bastante generosa do técnico Décio Esteves. O livro de ouro circulou bravamente pelo comércio local com o plano de valorizar o desempenho da equipe. Nem tinha disputado os jogos finais e a diretoria já planejava a realização de um jogo contra o campeão da Taça de Ouro com a promessa de toda a renda do jogo revertida para os jogadores e comissão técnica.

Como repetido em outras partes do texto, a extrema confiança era a marca desta diretoria que, nos preparativos da primeira partida final, o vice-presidente Amilton Silva se aproveitou da coqueluche do futebol bem jogado pelo Flamengo na Taça de Ouro e fez a seguinte afirmação:

“O Flamengo é uma máquina irresistível, e posso afirmar que o Campo Grande atual é uma maquininha, que não está vendo adversário. Vai triturando um a um, sem olhar local e camisa. A única coisa que esse time faz é entrar em campo, respeitando o adversário, mas entra sempre com a confiança na vitória”, em entrevista para o Jornal dos Sports, em 09/04/1982, dois dias antes da primeira final.

Tamanha confiança se justifica. Até aquele momento, o Campusca tinha o ataque mais positivo, a defesa menos vazada, o terceiro artilheiro da competição e apenas uma derrota em 13 jogos. A campanha era composta por oito vitórias, quatro empates e uma derrota. Luisinho das Arábias se contundiu na primeira partida da competição e só voltou na sexta partida contra o Volta Redonda. Ou seja, em oito jogos, ele fez seis gols. Abaixo, apresentamos o retrospecto da equipe na competição até as semifinais.

O retrospecto da equipe na competição até as semifinais. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16109, de 09/04/1982.

No dia 11/04/1982, o estádio Rei Pelé recebeu 16.045 pessoas que assistiram uma partida emocionante. O Campo Grande iniciou o jogo com seu amplo domínio e poderio ofensivo. Porém, o clube de Alagoas saiu na frente com gol de falta aos 16 minutos do primeiro tempo. O Campusca não se assustou e terminou a primeira etapa do jogo com um placar de respeito: 3 a 1 com gols de Jerônimo (contra), Luis Paulo e Luisinho das Arábias. Na segunda etapa, o CSA com a sua força nordestina reagiu avassaladoramente a partir dos 23 minutos com um gol de Romel. Em seguida, o próprio Romel emplacou mais um gol e perdeu um pênalti cometido pelo zagueiro Neném. Com resultado de 3 a 3, o Campusca tentou garantir o empate, mas, aos 42 minutos, o atacante Zé Carlos correspondeu a confiança do técnico Jorge Vasconcelos, substituiu Freitas e fez o gol da vitória e da virada extraordinária do CSA.

Assista aos lances da partida por meio do vídeo acima.

Entre os lamentos alvinegros e o entusiasmo alvianil, o intervalo entre os jogos finais ficou marcado pela rivalidade fora de campo. Pelo lado do Campusca, ocorreram um novo pedido do presidente Ilídio Rodrigues para a realização de exames antidoping na equipe do CSA e uma denúncia contra o jogador Dentinho. Segundo o vice-presidente Amilton Silva, o jogador entrou alucinado na primeira partida, distribuindo pontapés, agredindo vários jogadores do time carioca e quase batendo no árbitro da primeira partida. Em resposta a denúncia, o supervisor Magalhães, do CSA, retrucou e explicou ironicamente o bom condicionamento físico da sua equipe: “O doping do meu time é preparação física. No sábado passado, enquanto meus jogadores faziam uma corrida de seis quilômetros, os nossos adversários estavam no hotel à beira da piscina”, em entrevista para o Jornal dos Sports, publicado no dia 17/04/1982. Pelo lado do CSA, a diretoria pressionava a CBF para transferir o segundo jogo final para o estádio de São Januário. No discurso dos alagoanos, falava-se em estádio acanhado e sem condições para receber uma decisão de campeonato. No entanto, era nítido o temor com o caldeirão da zona oeste carioca com pressão da torcida local e alambrado colado no campo. Nessa disputa fora de campo, o Campo Grande saiu vencedor: teve o pedido atendido pela CBF no qual titulares e reservas do CSA passaram pelo exame antidoping e as partidas decisivas foram realizadas no estádio Ítalo Del Cima.

No dia 18 de abril de 1982, o técnico Décio Esteves definiu a equipe com uma escalação ousada e ainda mais ofensiva com o meio de campo sem volante e com os meias habilidosos Serginho e Lulinha e um ataque composto por dois pontas rápidos (Luis Paulo e Tuchê) e dois centroavantes enfiados na área (Luisinho e Cesar). Um time destemido e obcecado pela vitória. Um 4–2–4 para jogar dentro do território adversário, bombardeando-o. Pelo lado do CSA, a promessa foi jogar nos contra ataques movidos pelo fervor de 400 torcedores alagoanos que invadiram a cidade do Rio de Janeiro para a final.

O segundo jogo da final da Taça de Prata estava marcado para às 17 horas de um domingo de sol no subúrbio carioca do Rio de Janeiro. Porém, a festa começou bem antes do apito inicial com manifestações populares de apoio ao grande Galo da Zona Oeste. As ruas do entorno do estádio estavam decoradas pelas cores preto e branco e bandeiras de diferentes clubes cariocas fortaleciam a festa dos torcedores alvinegros.

Torcida em festa na segunda partida da decisão. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16119, de 18/04/1982.

O bloco Solta os Bichos, de Campo Grande, animou as ruas com a bateria. No jogo preliminar, Campo Grande e Flamengo disputaram uma partida do Torneio Otávio Pinto Guimarães. Com o bom desempenho da garotada do Campusca em campo, os torcedores gritavam e faziam homenagens para as pratas da casa promovidas a equipe titular: “Aço, aço, aço, Pirulito é um cracaço” e “Cesar, hoje é a sua consagração”.

Uma grata surpresa para a torcida do Campusca foi a presença da bandinha da torcida organizada do Bangu — Banluta — que entrou na arquibancada para fortalecer no barulho e na percussão. Às 17 horas, a equipe do Campo Grande entrou no gramado e um foguetório organizado pela Torcida Galo, pela Cachimbo Grande, pelo Copo Grande e pela Torcida Jovem saúda o time e fazem pressão na equipe do CSA. Do alambrado, os torcedores ‘cafungavam’ os cangotes alagoanos. Era pressão pura de 8.352 torcedores loucos pelo título alvinegro.

Vamos para a terceira partida da decisão. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16119, de 18/04/1982.

Numa virada espetacular, o Campo Grande adiou a entrega da taça e levou a decisão para um terceiro jogo. O primeiro tempo foi marcado pelo poderio ofensivo do Campo Grande, colocando o goleiro Joceli como o grande destaque da partida ao garantir o empate. No segundo tempo, o CSA saiu na frente com um gol aos 9 minutos do meia Ademir, após ótima jogada do centroavante Freitas. Sem condições para o ótimo goleiro Ronaldo, o chute foi indefensável. Aos 15 minutos, teve um córner pela esquerda, Luis Paulo cobra com perfeição para o zagueiraço Mauro cabecear sem chances para o goleiro alagoano Joceli. Aos 39 minutos, numa jogada de puxeta, Lulinha passou a bola no alto para o ponta Tuchê e sem deixá-la cair, mandou um míssil aleatório contra o gol de Joceli. Sem chances, era o gol da virada alvinegra e a liberdade do grito engasgado dos torcedores locais presentes. 2 a 1 da luta e do futebol ofensivo do Galo da Zona Oeste. O lateral Ramirez, o zagueiro Mauro, o meia Lulinha, o ponta Tuchê e o atacante Luis Paulo foram os grandes destaques do jogo. A entrada de Pingo e a luta incansável de Luisinho também foram importantes para a vitória. A ordem “Vencer ou Vencer” foi cumprida à risca. Ao final do jogo, o presidente Ilídio Rodrigues, no calor da vitória, agradece a torcida:

“Foi emocionante e acredito e espero que na terça os torcedores compareçam em massa. Precisamos muito do apoio da torcida e queria de público fazer um agradecimento aos muitos torcedores que foram ao estádio. A torcida do Campo Grande mostrou que existe, mas o que me deixou mais emocionado foi a presença de um bom número de torcedores do Bangu, que foram ao nosso estádio com bandinha e tudo. Estou muito agradecido a Castor de Andrade e a toda diretoria do Bangu, como também as demais torcedores dos clubes cariocas”, palavras proferidas numa entrevista para o Jornal dos Sports.

Para ajudar no planejamento do CSA e seus torcedores e para facilitar o televisionamento da terceira e última partida da final da Taça de Prata, a decisão foi marcada para dois dias depois da segunda partida — o dia 20/04/1982. Enquanto o time de Alagoas se refazia da derrota, o técnico Décio Esteves repensava sua escalação e definia a presença do jovem Pingo entre os titulares após o ótimo desempenho ao substituir o atacante Cesar no segundo tempo do jogo anterior. Após uma turbulenta fase marcada pelo acidente automobilístico, a demorada recuperação e a falta de ritmo na sua volta à equipe, o jovem Pingo assumia a responsabilidade no jogo derradeiro de levar o Campusca a glória do campeonato.

Na última partida, Pingo apareceu como titular. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16120, de 20/04/1982.

A terceira e última partida da decisão era à vera. Quem ganhar é campeão. No dia 20 de abril de 1982, Campo Grande e CSA disputaram a partida do ano. Luisinho das Arábias, ciente do momento importante, entrou pilhado na partida e deixou claro os seus planos pro jogo: “No jogo de hoje, voltarei a ser o Luisinho das Arábias. A torcida pode comparecer ao estádio que verá um grande jogo e com muitos gols meus”. Em seguida, ainda emendou uma homenagem: “Vou dedicar a vitória do Campo Grande a Castor de Andrade, que foi quem colocou o apelido de Luisinho das Arábias e me ajudou numa hora difícil da minha vida. A ele devo muito e por isso lhe dedico a vitória no jogo de hoje”, em bate-papo com o Jornal dos Sports. O goleiro Ronaldo também ia para o jogo pilhado, ciente do momento, mas também feliz com a oportunidade dada pelo Campusca para mostrar suas qualidades, dentre elas, de excelente pegador de pênaltis.

Às 21 horas, os 15.567 torcedores bateram o recorde de público do estádio até os dias atuais e saudaram a equipe com confetes e serpentinas num clima de carnaval nas terras dos laranjais. Foi um verdadeiro carnaval no bairro, no estádio, no campo. Com uma vitória impecável de 3 a 0, o Campo Grande garantiu o título contra uma equipe que explorou o jogo bruto, controlado pelo juiz Airton Bernardoni. Tão maioral na partida, o Campusca terminou o primeiro tempo com as mãos na Taça de Prata com uma vitória parcial de 2 a 0 com gols de Luisinho, aos 30 minutos, após excelente jogada do meia Serginho; e de Lulinha, aos 44 minutos, aproveitando-se de uma confusão na zaga alagoana.

O futebol ofensivo venceu. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16121, de 21/04/1982.

Ao final da primeira etapa, a torcida bradava: “É campeão, é campeão!”. No segundo tempo, apesar de certa pressão do CSA no início, o Campo Grande controlou a partida e o goleiro Ronaldo fez ótimas defesas. Aos 15 minutos, Luisinho das Arábias cumpriu com a promessa e fez mais um gol para a torcida alvinegra, após passe do meia Tuchê.

A torcida enlouqueceu com o time campeão de vários destaques, do jogo solidário, com uma pegada ofensiva, sem medo de perder e obcecado pela vitória sempre. Um time com a marca do subúrbio carioca e dirigido por um morador suburbano — o saudoso Décio Esteves.

O Campeão na capa do diário esportivo. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16121, de 21/04/1982.
Atuação dos jogadores na Grande Final. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16121, de 21/04/1982.

Quando o árbitro apitou o fim do jogo, atrás da arquibancada no lado direito das cadeiras, emergiu um belíssimo foguetório para iniciar a mais bela festa do Ítalo Del Cima. Todo o bairro gritava pelas janelas orgulhosamente: “Campusca é campeão da Taça de Prata”, “Meu Galo”, “A Taça é Nossa!”. Posteriormente, as colunas esportivas anunciavam: “O Campo Grande está de bola muitíssimo cheia por ter conquistado, com todo merecimento, o título de campeão da Taça de Prata de 82. O feito do Campo Grande deve ser saudado com o maior entusiasmo porque valoriza também o futebol do Rio de Janeiro”.

Uma página inteira de Campusca. Fonte: Jornal dos Sports, edição 16121, de 21/04/1982.

Aproveitando-se da seção Bate-Bola, do Jornal dos Sports, um espaço aberto para cartas dos leitores, Silvio e Roberto, de Campo Grande, escrevem a seguinte mensagem:

“Com a vitória obtida frente ao CSA, o nosso Galo, ou seja, o Campuscão sagrou-se campeão da Taça de Prata de 1982, proporcionando a sua torcida uma festa apoteótica, algo jamais presenciado na nossa zona rural do estado do Rio de Janeiro.

Nós, da Torcida Organizada do Galo (TOG), viemos, através do Bate-Bola, agradecer ao presidente Ilídio Rodrigues e aos diretores do clube pela grande festa que nos proporcionaram esta semana, em Campo Grande. Os agradecimentos também aos membros de torcida organizada, Edson, Roberto, Naudinéia e ao mestre Caio que, com sua bateria, incendiou a galera durante todo o jogo no Estádio de Ítalo Del Cima.

Queremos informar ainda que todos os interessados em ingressar em nossa torcida devem procurar informações com o Edson e/ou a Naudinéia na secretaria do Campo Grande”.

Às 23 horas e 30 minutos do dia 24/04/1982, um sábado, Seu Bira, orgulhoso com o seu Galo Alvinegro, aguarda com exaltação pelo início da reprise da grande final na TV Educativa — canal 2. VT completo para emocionar novamente o seu coração suburbano.

Poster do Campeão da Taça de Prata de 1982. Do arquivo do Campo Atlético Clube. Fonte: https://edicaodoscampeoes.blogspot.com/2018/02/campo-grande-campeao-brasileiro-serie-b.html

Recomendações

Aos que leram atentamente a presente crônica, é possível perceber o cuidado e o esforço empreendido para consultar, ler e selecionar narrativas sobre o futebol no nosso querido e eterno Jornal dos Sports. Porém, o despertar do nosso interesse pelo campeão da Taça de Prata de 1982 surge por meio das leituras de textos e vídeos publicados na internet por outros historiadores do futebol brasileiro. Sendo assim, recomendo viajar pelas palavras, sons e imagens das referências a seguir:

CAYO PEREIRA. Da Taça de Prata à Série C carioca: Campo Grande renasce das cinzas. LANCE!. Disponível em: https://www.lance.com.br/futebol-nacional/taca-prata-quarta-divisao-carioca-volta-campo-grande.html. Publicado em: 03/08/2018.

EMMANUEL DO VALLE. O Campo Grande de 1982/83: Quando a Zona Oeste do Rio levantou um título nacional. Trivela. Disponível em: https://trivela.com.br/o-campo-grande-de-1982-83-quando-a-zona-oeste-do-rio-levantou-um-titulo-nacional/. Publicado em: 3 de dezembro de 2018.

FUTRIO. Campo Grande comemora 35 anos de seu primeiro e único título nacional. Disponível em: http://futrio.net/site/noticia/detalhe/35195824/campo-grande-comemora-35-anos-de-seu-primeiro-e-unico-titulo-nacional. Publicado em: 20/04/2017.

GLOBO ESPORTE. Campeões pelo Campo Grande relembram conquista da Taça de Prata, em 82. Pingo, Lulinha e outros contam bastidores do maior momento da história do clube. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/4591314/. Exibido em 06/11/2015.

MUSEU DA PELADA. Luizinho das Arábias — O substituto do Rei. Disponível em: https://youtu.be/l4z5pMxJDbc. Publicado em: 28/07/2018.

PORTAL O CURIOSO DO FUTEBOL. O Campo Grande campeão da Taça de Prata de 1982. Disponível em: http://www.ocuriosodofutebol.com.br/2019/03/o-campo-grande-campeao-da-taca-de-prata.html. Publicado em: s/d.

ROGÉRIO SANTANA. Campo Grande Atlético Clube: Um passado de glória que precisa voltar a existir. JORNAL O POVO. Disponível em: https://jornalpovo.com.br/2019/07/17/campo-grande-atletico-clube-um-passado-de-gloria-que-precisa-voltar-a-existir/. Publicado em: 17/07/2019.

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Pedro Henrique

Curioso pelas histórias do futebol e um torcedor do futebol carioca