Representatividade: aos 24 anos me vi apaixonado por uma novela das seis

“Vocês viram? Tem um casal gay na novela de época!”

3 min readSep 26, 2018

--

Cá estou fazendo algo que nunca imaginei que faria: escrevendo sobre uma novela da Globo. Uma novela das seis. Que ainda chamava Orgulho & Paixão!

Esse texto, um tanto inusitado, é um salve! Uma espécie de agradecimento e enaltecimento de algo muito específico: #Lutávio. É um relato honesto de um homem gay, que pela primeira vez na vida, conseguiu se ver em um dos famosos folhetins que marcaram sua infância.

Até onde sei, essa foi a primeira novela do horário que exibiu um casal gay. Não satisfeitos (e nem malucos) em apenas jogarem dois rapazes se beijando para senhorinhas e donas de casa assistirem, os roteiristas da novela, desde o começo, construíram de forma muito delicada e simples o romance de Luccino e Otávio, os personagens em questão.

Sempre atento às várias camadas de representatividade, falarei por mim. Os personagens são… normais! Um mecânico simples, um militar como qualquer outro. Não havia a bicha má, afetada, cômica, ácida ou doente. Eram apenas dois rapazes que descobriram gostar um do outro. Opa! Tem gente que nem eu na TV!

A história de época mostrou #Lutávio como um dos quatro principais casais da trama. Das apresentações, passando pela amizade, confusões emocionais, incredulidade e aceitação de algo diferente (e muito bonito, diga-se de passagem). Até o tão esperado beijo: um contato de lábios rápido (que não foi exibido no último capítulo como um “falei e saí correndo”), mas que tão simples, leve e cheio de amor, dificultou muito para aqueles que não sabem ver outras pessoas felizes.

Sério, gente! Com direito até música da Sandy! ❤

Olha que o beijo, na verdade, nem foi o mais incrível de assistir. O que fez com que as cenas de #Lutávio me roubassem sorrisos bobos, como de uma criança vendo filme de herói, foram as demonstrações de carinho. Luccino e Otávio dançavam um com outro, se tocavam, faziam massagem no ombro, treinavam juntos, faziam planos de fuga, se olhavam nos olhos e… diziam eu te amo.

“Aquele amor que ainda nem se reconhece, mas é amor. Quem ousa dizer que não? Porque quem nunca rimou amor e dor apequenou-se na falta deles”

Quantas vezes na televisão, e também fora dela, você viu dois homens dizerem eu te amo? Eu não cresci com a ideia de que era errado, eu cresci com a ideia de que não existia, que não era real, que não passava na cabeça das pessoas. Homem não ama homem. E ponto.

Mas lá estava #Lutávio na novela água com açúcar que passa às 18h, para mães, crianças, avôs e avós. Uma história de amor entre dois homens. Sem violência, sem crimes de ódio, sem terror, nojo ou complicações muito extremas. Dramas esses que passam uma mensagem silenciosa e dolorosa para quem se vê como um dos personagens das histórias: amor para você é só sofrimento.

Inclusive, essa thread tem todas as cenas do casal!

Claro que os dramas tradicionais na vida de qualquer LGBT estavam lá. Sair do armário, ser expulso de casa, choros, desgostos… Coisas que a gente cresce vivendo e entende ser nossa realidade, meio amarga. Mas no romancinho de Orgulho & Paixão, tudo ficava bem. Não como na realidade, mas como numa ficção simples, que agrada e faz a gente (principalmente a gente 🏳‍🌈) acreditar em romance.

Nos últimos capítulos, Luccino e Otávio estão em uma festa. O que duas pessoas que se amam fazem em festas? Dançam! Eles vão para um cômodo fechado dançar sozinhos e o diálogo me deu certa alegria (mesmo que um tanto agridoce). “É tão injusto não poder dançar em público como qualquer outro casal”, “É muito injusto, mas quem sabe um dia eu possa tirá-lo para dançar sem que as pessoas achem que estamos tentando afrontá-las, quando na verdade só estamos querendo viver”. Definiu? Definiu.

Minha esperança de que este dia está próximo é o vídeo que coloco aqui: essa senhorinha encantada com o casal. “Eles se amavam desde o começo da novela, né?! É lindo, maravilhoso”. Espero, honestamente, que adolescentes LGBT tenham visto isso. Se identificado, se empoderado e entendido que eles podem viver romances leves e água com açúcar (luxo esse que eu não tive).

--

--

Jornalista, social media, bruxão — escrevo de tudo um pouco, sempre jogando um LGBT no meio 🏳️‍🌈