Travinha na Carioca: poesia na rotina da cidade

Pedro Lira
3 min readAug 29, 2018

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Nesta quarta, 29, a chuva deu uma folga na cidade do Rio de Janeiro. Parece que o jogo de travinha, no Largo da Carioca, foi mais animado por isso. O calor chegou abraçando as milhares de pessoas que circulam no centro histórico da capital, tornando a praça Mário Lago um estádio, digno de Pelé, Neymar e outros canarinhos.

Na arquibancada de pedras portuguesas em formato teatro de arena, ninguém parece preocupado com o sol de meio dia. Ninguém parece preocupado com nada! Alguns almoçam no chão, outros tiram uns minutos para fumar, conversar, fazer selfies ou dormir, no caso de quem mora naquela arquibancada. Por ali, no meio da partida, não importa quem é técnico de informática, vendedor, cozinheiro ou o chefão de algum escritório da redondeza. O que importa é a partida! A bola, velha e desgastada, que precisa entrar nas travinhas enferrujadas — fortes sobreviventes que resistem a sol e chuva sobre as pedras importadas e sob a proteção das centenárias figueiras da praça.

As travinhas são até mais importantes que seus vizinhos, aqueles que estão deitados em suas camas, na arquibancada do teatro de arena.

Os seis jogadores “em campo” usam uniformes. Representam a seleção da Light e da Prefeitura do Rio. Ninguém está contando gols, ninguém está torcendo para um time específico. Para quem pouco entende de futebol é até meio confuso saber o mais importante: quem faz gol onde. A partida de travinha é sobre chutar bola, para quem está no jogo, e criticar os passes, para quem está na arquibancada.

Chuta a bola, quebra a perna do outro, manda beijo pra morena na arquibancada, rouba uma risada geral. Um grito de CHUTA, vindo não se sabe bem de onde. Pode ter sido o engravatado, o flanelinha ou a loira com cara de culta. O grito veio do torcedor brasileiro, ou seja, todo mundo ali na praça Mário Lago.

Eis que o jogador chutou! “Uhhh”, a bola acertou em cheio o moço que estava dormindo ali, no sol, enrolado até a cabeça! Um mini constrangimento geral. Um gigante lembrete de que enquanto todos ali estão matando os minutos de almoço, aquele torcedor está vivendo a vida. Como sempre digo, dividindo o espaço físico, mas uma galáxia distante de quem gritou chuta.

A partida continua. Em meia hora todos tem que voltar para o expediente e não se sabe se amanhã vai chover ou fazer sol. Em caso de chuva, o teatro arena vira piscina, (a praça chama Lago, né?!), mas não do tipo que dá para nadar — a não ser que você seja um pombo. Mas se for dia de sol, pode agilizar o almoço: amanhã tem jogo na praça.

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Pedro Lira

Jornalista, social media, bruxão — escrevo de tudo um pouco, sempre jogando um LGBT no meio 🏳️‍🌈