Análise — 4.75 oficial do Feliks Zemdegs

Diário Cubista #2 — O irmãozinho mais novo do antigo recorde mundial 4.73 pode te ensinar três lições valiosas

Pedro Miranda
9 min readFeb 9, 2019

Bom dia (ou tarde ou noite)! Seja bem vindo a mais um Diário Cubista.

No artigo de hoje, vamos analisar o 4.75 oficial que o nosso Feliks Zemdegs, amigo de todas as solves, fez na primeira rodada do campeonato Canberra Spring 2017.

Apesar dessa solve ser relativamente antiga, acho que ela merece atenção por alguns motivos: em primeiro lugar, quando ela foi executada, ela era a 5° resolução oficial mais rápida, além de ser a segunda mais rápida do Feliks e, por não ser um WR, a repercussão que ela obteve foi relativamente menor.

Além disso, e essa é a parte mais importante, a solução híper criativa encontrada pelo menino prodígio para terminar a última camada é interessantíssima. Prova disso é o fato de que a resolução é rápida com apenas 8,21 TPS, em comparação com os ~9,5 TPS em média de cubistas em classe mundial. Até hoje, ela continua sendo a 4° solve oficial mais rápida do Feliks.

A solve vai começar com a cruz verde, então se você preferir acompanhar com a cor da sua cruz, é só colocar ela na sua frente. Esse é o embaralhamento que você deve seguir:

F2 R2 D2 R U2 F2 U' F' D L B' F D L2 D' L2 F U

Se você embaralhou com a orientação padrão, o seu cubo deve estar assim:

Cruz

Durante a inspeção, o Feliks fez um x’ pretendendo, como dito, fazer a cruz verde.

Antes de começar a entender essa resolução, vale olhar rapidamente para um início que o Feliks não pegou nesse embaralhamento. Se ele fizesse a cruz verde com L U R' F' Uw' L' ele teria uma x-cross em seis movimentos com o par completo na parte esquerda atrás, que é o pior slot para preencher, com um cancelamento fácil para o segundo par na esquerda frente, que é o segundo slot mais chato para preencher. Mas, no calor da competição, isso não aconteceu, então vamos pra frente.

A cruz que ele planejou e executou foi

U' U' R' F y (D' U’) U' R'

Vale notar que por mais que a solução que ele adotou não tenha sido uma x-cross, ele usou a cruz para preparar a execução do primeiro par. Com o U2 que executou antes do R' final, garantiu que o par vermelho-amarelo caísse num caso de pesca, como vamos ver mais a frente. Ele fez, se formos generosos, uma xiszinho-cross.

Também acho interessante pontuar que essa solve demonstra efetivamente que, em algumas situações, vale sim a pena rotacionar com y e y' durante a execução da cruz para fazer com que a sua solução seja a mais finger friendly possível.

Primeiros três pares

Como disse antes, Feliks se preparou para que o primeiro par do F2L fosse o mais simples possível. Por isso, com

U y' U R' U' R

ele inseriu o par vermelho-amarelo com um pesca.

Notem que esse y’ é uma consequência do y que ele fez durante a execução da cruz, retornando à posição inicial da inspeção. O Feliks, sabendo em que posição precisaria executar o primeiro par, optou ainda por rotacionar na cruz, o que mostra o valor que uma execução confortável tem, mesmo que custe duas rotações.

Ao encaixar o primeiro par, o segundo par, branco-vermelho, se formou na direita atrás. Portanto, logo em seguida, com

U2 R U' R'

Feliks encaixou o par formado na direita à frente.

Nesse caso, teria sido mais interessante encaixar esse par com U’ R U2 R’, porque faria com que o próximo par, laranja-amarelo, estivesse pronto para uma inserção com um pesca. Essa ideia de multislotting, em que você resolve um par influenciando a resolução do próximo, faz com que o seu F2L se torne mais eficiente. Como vamos ver adiante, para consertar esse par, Feliks gastou quatro movimentos a mais do que precisaria se tivesse percebido essa possibilidade.

Obviamente que não é fácil de perceber essa possibilidade durante a solução, depois da inspeção, mas achei importante ressaltar esse detalhe para que percebamos que até nas resoluções mais rápidas, ainda existe espaço para melhorias.

Seguindo em frente, com

y' U' R U2' R' U U L' U' L

ele consertou o par que se formou trocado, conforme mencionei, e o encaixou com um pesca.

Ele também rotacionou eficientemente para que o par final fosse resolvido na direita à frente. Ainda que os dois primeiros pares foram resolvidos na direita atrás e direita à frente, respectivamente, o que não é um bom sinal para o terceiro e quarto pares, durante a resolução desse terceiro par ele foi capaz de fazer com que o último slot a ser resolvido estivesse na direita à frente, a posição ideal.

Aperte o seu cinto, porque agora vem a parte mágica dessa solve.

Ultimo par e última camada

Ao chegar no quarto e último par, Feliks tinha algumas opções. Com a quina já no lugar, poderia encaixar o meio com U F’ R U R’ U’ R’ F R, preservando a orientação de meios, ou poderia resolver com o método básico, tirando a quina e juntando-a com o meio (😷sqn), mas nada disso é bom o suficiente.

Acredito que ao tentar prever a OLL ou então o caso de ZBLL, dependendo da solução que ele adotasse, o rei do zeroing percebeu, depois de uma leve pausa, que com

R U’ U’ R’

ele conseguiria resolver os cinco meios que faltavam. Não só isso, mas duas quinas também seriam resolvidas. Restariam, então, apenas três quinas para serem resolvidas. E o que usamos para resolver apenas três quinas? Comutadores!

E foi exatamente isso que ele fez. Ele usou um comutador para concluir a solve. Provavelmente por causa de 3BLD, ainda que fazendo um movimento a mais desnecessário no início, ele foi capaz de rapidamente arquitetar o comutador que necessitava e então com

y’ U U’ R D R’ U2 R D’ R’ U’

ele terminou a resolução, ainda cancelando um movimento da AUF.

A fluidez e a espontaneidade com que o Feliks conseguiu executar essa solução maluca são fascinantes. Não só ele foi capaz de enxergar que conseguiria resolver todos os meios facilmente, mas também que duas quinas seriam resolvidas e que as três que sobrariam seriam resolvíveis com um comutador, e tudo isso em menos de ~dois segundos!

Essa resolução é um testemunho para a flexibilidade que distingue o Feliks de muitos outros cubistas em classe mundial, que dá às suas resoluções uma elegância raramente encontrada.

Para onde você pode ir depois que consegue suavemente incorporar comutadores nas suas resoluções? TCLL? 1LLL completo? Só falta ele conseguir prever o AB3C na metade da solve e fazer uma inserção de 4 movimentos. Daqui a uns anos a gente vai poder olhar para trás e perceber como não sabíamos de nada.

Conclusão

Inicialmente, eu achava que o Feliks foi capaz de prever até o terceiro par da resolução na inspeção. Em uma situação “similar”, no seu recorde mundial de 4.73 segundos, no ano anterior, em que a solução começou com uma x-cross e dois pares formados, ele afirmou que foi capaz de prever com certeza até o segundo par e de ter uma noção onde e como o terceiro cairia.

Porém, depois de comparar o número de movimentos que cada resolução levou para chegar até o terceiro par (9 vs 17), respectivamente, percebi que essa hipótese não era realista.

O que acho que de fato aconteceu que permitiu com que essa solução inusitada fosse rapidamente desenvolvida é que, enquanto resolvia o terceiro par e após prever a execução do quarto, Feliks começou a olhar ainda mais a fundo para prever a OLL ou o ZBLL que encontraria. Então, percebeu que os meios seriam resolvidos com R U2 R’. A pequena pausa antes da execução final pode ser o Feliks confirmando que de fato só sobrariam 3 quinas e que elas poderiam ser resolvidas por um comutador sem setups.

Essa solve pode nos ensinar algumas coisas.

Em primeiro lugar, ela mostra que a sua inspeção não precisa ser perfeita, especialmente em campeonatos. Mesmo que você não encontre a cruz ideal, como a x-cross em seis movimentos nesse embaralhamento, se você for capaz de planejar um início razoável consistentemente, com a cruz e pelo menos um par, a sua performance em campeonato será comparável à performance em casa. Não passe 15 minutos inspecionando o cubo a cada resolução em casa sempre, mas aprenda a ser consistentemente decente com a sua inspeção.

Depois, essa solve também exemplifica, como já mencionado anteriormente, que a utilização de rotações na execução da cruz e F2L, principalmente, não é necessariamente condenável, diferentemente do mito existente de que você deve almejar um F2L sem rotação. A não ser você utilize ZZ, Roux ou tenha 8 dedos em cada mão, rotações podem ser uma ferramenta muito importante para garantir a fluidez da sua solve. Nessa resolução, Feliks usou 4 “y”s: no meio da cruz; para executar o primeiro par na direita atrás; para executar o terceiro par na esquerda à frente e para terminar a solve com o comutador.

Nenhuma dessas rotações é ruim ou condenável. O ponto importante é que elas são usadas moderadamente, no ponto exato em que são necessárias. Rotações são ruins quando são usadas por preguiça de aprender a executar pares de F2L de ângulos diferentes ou quando são usadas em excesso. Por isso, aprenda rotacionar eficientemente, garantindo uma execução confortável para os seus dedos e posicionando os slots de F2L convenientemente, sempre que possível resolvendo na ordem esquerda atrás ->esquerda à frente -> direita atrás -> direita à frente, se você for um cubista predominante destro.

Por fim, essa solução demonstra uma necessidade que todo cubista tem de ser versátil e de conhecer mais métodos para que você sempre possa lidar com qualquer situação que se apresentar da melhor forma. Explore o cubo mágico com os métodos mais aleatórios possíveis. Aprenda um pouco de Roux se você for um CFOPer, e vice versa. Investigue exatamente qual é o método corner-first que usavam na década de 80. Treine Megaminx e veja o que pode tirar disso para o seu F2L no 3x3. Invente um método novo!

Procure o inesperado, buscando constantemente novas formas de expandir seus horizontes. Talvez um dos aspectos mais interessantes do cubo mágico é justamente o de que, após milhares de soluções, ainda podemos conhecer detalhes que não passavam pela nossa cabeça. Tente navegar pelo cubo, encontrando novas soluções para desafios antigos. Se pergunte: “e se?”. Não tenha medo de se aventurar por técnicas que lhe pareçam obscuras. Em uma palavra: ouse, porque você não vai crescer enquanto não sair da sua zona de conforto e aprender mais*.

* Vale a pena mencionar rapidinho que você não deve ousar muito em competições. Nelas, tente se apegar ao que você já sabe. Provavelmente, o Feliks já usou esse tipo de soluções em algumas muitas solves em casa, e por isso ele consegue chegar nessa solução tão “naturalmente”. Ele ousou, errou e finalmente acertou muitas vezes em casa antes de tentar numa competição. Por isso, ouse livremente em casa. Em competições, ouse com moderação. ❤️

A solve completa com o embaralhamento, é:

F2 R2 D2 R U2 F2 U’ F’ D L B’ F D L2 D’ L2 F U

x’ // Inspeção
U’ U’ R’ F y (D’ U’) U’ R’ // Cruz
U y’ U R’ U’ R // 1º par
U2 R U’ R’ // 2º par
y’ U’ R U2' R’ U U L’ U’ L // 3º par
R U’ U’ R’ y’ U U’ R D R’ U2 R D’ R’ U’ // LSLL

39 movimentos

8.21 movimentos por segundos

Por hoje é só. Obrigado pela leitura.

O que acha dessa solve? Poderia ter executado ela mais rápido? Preferia que eu tivesse analisado outra? Não gostou do artigo e que xingar muito no twitter? Fale comigo!

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