Será que a união dos BRICS não passou de um sonho?

Após década de ouro nos anos 2000, entenda por que países emergentes entraram em crise

Pedro Nakamura
4 min readNov 22, 2018
Reprodução: Kremlin/Presidência da Rússia.

Em 2003, uma publicação do banco de investimentos Goldman Sachs, “Sonhando com os BRIC: o caminho para 2050”, realizada pelo economista Jim O’Neil, afirmou: o potencial de crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China pode torná-los as economias mais influentes do mundo até 2050.

Na avaliação de O’Neil, os recursos nesses países ainda não haviam sido suficientemente explorados, e seus mercados mantinham alto potencial de desenvolvimento. A tese era de que conforme as infraestruturas fossem melhoradas e os fartos bens disponíveis aproveitados, essas economias cresceriam e aos poucos ganhariam mais e mais proeminência nos mercados globais.

Projeções de crescimento do PIB e da população global (fontes: Goldman Sachs e ONU)

Após o estudo, o acrônimo BRIC caiu na boca dos investidores e virou peça de marketing. Bancos e fundos passaram a utilizar o termo como forma de se referir aos quatro países que empolgavam pelo bom momento. Os estudos do Goldman Sachs seguintes, publicados em 2004 e 2007, deram continuidade ao otimismo em relação ao potencial de investimento nesses mercados emergentes.

N-11, os “The Next Eleven”, citados por Jim O’Neil em estudo de 2011, que até 2050 devem acompanhar ou ultrapassar os BRIC. Reprodução: Wikipedia.

No entanto, hoje, passados 15 anos da publicação de “Sonhando com os BRIC”, o bom momento para os emergentes passou, e esses países passam por crises, incertezas e instabilidades; entre eles, também o Brasil. Será que o caminho para 2050 ainda existe?

De BRIC a BRICS

A crise financeira que afetou a economia global em 2008 foi só uma marolinha para os BRIC. Pouco influenciados pela crise, o que era apenas um acrônimo virou bloco de cooperação. Em 2009, representantes brasileiros, russos, indianos e chineses reuniram-se em Ecaterimburgo, na Rússia, e fundaram oficialmente o bloco “BRIC” com o objetivo de discutir o protagonismo de seus membros para o desenvolvimento de países emergentes.

Enquanto a China superou em 15,7 % as expectativas, o restante do bloco cresceu abaixo do esperado. O pior desempenho foi o da Rússia: 38,7 % menor do que o previsto. Já o Brasil cresceu 10,9 % menos do que o projetado.

Em 2010, o BRIC virou BRICS. Houve a adesão da África do Sul (South Africa), que sequer é a maior economia africana (fica atrás da Nigéria e do Egito). A escolha se deu porque o país revela-se mais estável internamente e nas relações exteriores do que outras nações africanas. Poderia, portanto, exercer uma liderança estratégica no continente.

Entre as principais ações do bloco, criou-se em 2014 o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), uma cooperação financeira de desenvolvimento econômico que visa ser uma alternativa ao Banco Mundial e ao FMI.

Um sonho sustentado pelo Boom de Commodities dos anos 2000

O bom momento das economias emergentes beneficiou-se de uma alta nos preços dos commodities durante o período de 2000–2014. Essa expansão foi impulsionada pelo crescimento da demanda da China por esse tipo de matéria-prima, também acompanhada por uma alta na oferta e procura por esse tipo de bem entre os demais emergentes, principalmente os outros BRIC.

Commodities são qualquer bem em estado bruto de origem na agropecuária ou na extração mineral/vegetal. Funcionam como matéria-prima, produzidos em escala e geralmente destinados à exportação. Exemplos de commodities: petróleo, ouro, soja, algodão, açúcar, café, entre outros.

Esse conjunto de fatores permitiu aos exportadores de commodities “surfar” na maré econômica favorável. No entanto, as estratégias e políticas de alguns desses países tiveram consequências catastróficas após o fim do Boom, no qual houve uma desaceleração no crescimento chinês e uma subsequente baixa nos preços dessas matérias-prima.

Economias latino-americanas, entre elas o Brasil, estavam dependentes da demanda chinesa e da alta de preços no mercado internacional. Por conta disso, as quedas nos valores dos commodities foram um forte baque para as nações que se beneficiaram da expansão no período, principalmente Venezuela e Rússia, que dependem sobretudo da exportação de Petróleo.

A partir dos anos 2000, as economias emergentes (BRICS e N-11, sobretudo) impulsionaram o mercado de commodities e se aproveitaram da alta nos preços do petróleo. Quando os índices caíram, essas nações enfrentaram dificuldades. Fontes: Global Price Index of All Comoditties (FMI) e The Balance.

Tais instabilidades internacionais trouxeram incertezas sobre o verdadeiro potencial dos BRICS e sobre os possíveis caminhos para o desenvolvimento sustentável de seus mercados.

China, um caso à parte

O protagonismo chinês em relação aos mercados emergentes internacionais e mesmo quanto aos outros BRICS comprova a tese de que o país é influente demais para ser posto em igualdade com Índia, Brasil e Rússia. Se comparados números de 2015, a soma total dos produtos internos brasileiro, russo e indiano (U$ 5,28 bi) sequer alcança a metade do valor do PIB chinês, que totalizava U$ 11,06 bi.

Desde a publicação do primeiro artigo de Jim O’Neil, em 2003, até o último artigo de acompanhamento da situação, de 2007, a China expandiu sua economia muito além do projetado.

Na série histórica de 1998–2017, China cresceu vertiginosamente; Índia manteve um crescimento constante; Rússia demonstrou alta instabilidade em sua economia; e Brasil, apesar da recessão de 2015–2016, manteve-se estável e sem saltos em seu desenvolvimento. Fonte: FMI.

Parte do motor de crescimento chinês é o setor de infraestrutura movido por investimentos públicos. Diversos economistas, em sua maioria ortodoxos, no entanto, alertam que a China tornou-se uma bomba-relógio. A tese dos analistas é que a dívida pública contraída pela nação durante o boom dos anos 2000 e a crescente especulação imobiliária no país podem ser o estopim da próxima crise global.

Futuro dos BRICS é incerto

Apesar da surpreendente expansão chinesa, os demais BRI não dão sinais de que alcançarão as projeções do artigo de Jim O’Neil, “Sonhando com os BRIC”, para 2020. Como não existe crescimento infinito, a própria estabilidade da economia chinesa pode estar em xeque, o que traria um efeito manada.

À revista Time, em 2015, o especialista em economias emergentes do banco de investimentos Morgan Stanley, Ruchir Sharma, afirmou que a próxima crise global pode ser “made in China”, e se esses emergentes não se tornarem mais independentes e resilientes às flutuações da economia global, o impacto seria profundo.

O caminho para 2050 pode estar comprometido ou, como uma interpretação maldosa do título da publicação de Jim O’Neil sugere, nunca deixou de ser mero sonho.

Reportagem desenvolvida para a cadeira de Ciberjornalismo II, na FABICO-UFRGS, ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Trasel, em 2018/2.

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