Contemplando O Eterno
O seguinte texto é uma adaptação do Credo Neoplatônico de Thomas Taylor (1805), baseado na cosmologia que tentei expor através dos últimos textos. Consiste em uma série de afirmações que podem ser lidos como forma de meditação sobre a natureza do cosmos.
1. CREIO no Fundamento de todas as coisas, cuja natureza é tão grandiosa e necessária, que é mesmo hiper-essencial; e que, por isso, não pode ser devidamente dita, nem concebida por opinião, nem conhecida por conhecimento vulgar. Este Fundamento não é principial dentro do tempo, como mera causa temporal; A Arquê (A Origem) é inaugural de todo tempo, é dirigente e constitutiva.
2. Creio que se é lícito dar um nome ao que é inefável e excelso, cabe denominá-lo Eterno (Aiōn) e Deus [Theós]; Eterno, pois o Fundamento acompanha o tempo de tudo que existiu, existe e existirá, estando Ele mesmo fundando continuamente a existência; e Deus, pois ele é excelso, terrivelmente luminoso, tal qual o clarão da consciência ao deparar-se consigo mesma, tal como o fato inescapável da Vida. E para que não se crie contenda quanto à superabundância divina, Aiōn é chamado de Divindade [Theótes] —, pois é horizonte de incontáveis, e não de um, e apenas um Deus.
3. Creio que Aiōn tem um corpo todo estrelado de deuses, como pólos de consciência e fundamento cósmico, cada pólo-fundamento sendo único. De seu próprio movimento orgânico, pólos-fundamento fulguram, brilho eterno da Divindade. E no horizonte do Eterno nenhum pólo se sobrepõe, sobrepuja ou aniquila. A presença eterna é dádiva de todos, todos co-eternos fulguram, vivendo na Eternidade.
4. Da mesma forma, acredito, que embora todas as coisas mortais sejam causadas umas pelas outras, e são multiplicadas com suas próprias condições relativas, cada um desses múltiplos está suspenso por sua realidade estruturante, que são os deuses no corpo de Aiōn. Que, em consequência disto, todas as coisas sensíveis, seja nas almas ou nos corpos, estão suspensas de uma fonte de sensibilidade. Que tudo o que possui Ser e todos os daimones são, num certo respeito, congruentes com A Origem, com uma adequada sujeição e analogia. Que todos os deuses são compreendidos na Origem, não com intervalo e abismo cognitivo, mas como pontos na esfera, e sons variados agindo sobre um mesmo lago. Que a Origem é o Fundamento dos fatos e fonte das potestades [daimones]; sendo necessário que a Origem de um universo complexo seja ela também complexa, contendo em si a complexidade que fundamenta, embora de forma suprema, pois seu corpo constelado de pólos é assim de forma não-aniquilante, coesiva, harmônica a seu próprio modo, enantiodrômica.
5. Acredito, portanto, que os deuses que fulguram através [do corpo] do Fundamento em consequência de serem co-eternos Nele, não recuam da eternidade essencial, pois são os próprios centros de consciência da Divindade, a consciência de inumeráveis luzes, que estão eternamente estabelecidas no mesmo êxtase místico [bem-aventurança]. Todas as naturezas, deste modo, sendo mantidas por forças exuberantes, não-enumeráveis, estabelecidas através de potestades diversas, participam do divino cada qual a seu modo.
6. Creio que todos os Daimones neste imenso princípio, são transcendentemente mais excelentes do que aqueles que são seus vórtices no mundo contingente, pontos de fulguração derivada; este princípio é muito apropriadamente dito como sendo todas as coisas previamente a todas; prioridade denotando transcendência, isenta de necessidade, sendo a Origem ela mesma necessária.
7. Creio que o modo mais apropriado de venerar este grande princípio é estender preces arréticas da alma à sua indizível Presença; e que se for de todo lícito celebrar a Divindade, ela deve ser celebrada como as Trevas Três Vezes Desconhecidas, Nyx estrelada de Deuses, mais indizível que todo êxtase em seu silêncio, mais oculta que toda essência, e oculta em seu próprio corpo, que é o universo em sua divindade.
8. Creio que a natureza autossubsistente é a progênie imediata deste princípio, se for lícito assim denominar coisas que deveriam antes ser chamadas de desdobramentos numinosos à luz do Númen — pois esta realidade, que é a natureza, não é progênie causada, mas realidade desdobrada, sustentada pelo Fundamento Sagrado.
9. Creio que potências incorpóreas, residentes em um espírito divino, são os paradigmas ou modelos de cada coisa que tem uma subsistência perpétua de acordo com a natureza. Que estas potências subsistem principalmente nos espíritos mais elevados, secundariamente nas almas, e em última instância nas naturezas sensíveis; e que subsistem os entes em cada um dos espíritos. Que eles possuem um poder régio, procriador, guardião, conector, harmonizante e congregador.
10. Creio que este universo, dependendo de sua Procreatrix divina, que é ela mesma um mundo numênico, repleto das possibilidades arquetípicas de todas as coisas, está fluindo perpetuamente e avançando perpetuamente para o Ser e, este mundo contingente, comparado com seu paradigma, carece de realidade de Ser. Considerado, porém, como animado por uma alma divina, e como sendo o receptáculo das divindades das quais os corpos estão suspensos, ele é justamente chamado por Hesíodo, de sede inabalável sempre dos deuses venturosos, imagem da dignidade de Gaia, Procreatrix Divina.
11. Creio que o grande corpo deste universo subsiste em uma perpétua dispersão de extensão temporal, embora isto nada mais seja do que uma eternidade fluida, imagem ondulada dos vastos sons que ressoam na Eternidade.
12. Creio que todas as partes do universo são capazes de participar dos Deuses de maneira semelhante, sendo que algumas de suas partes aparentemente desfrutam de forma erótica, e outras de forma cissora; e embora uma forma pareça se sobressair à outra, todas as coisas estão cheias de todos os Deuses; pois o universo sendo um todo de fatos contingentes, não possui uma parte sequer que não esteja sujeita ao seu Fundamento Necessário. E como o Ser nunca diminui de si mesmo, mesmo com toda colisão e desmembramento, geração perpétua é tudo que há; Seja por união erótica, seja por desmembramento cissor, ou mesmo ambos mesclados [girando com os giros astrais], tudo está num constante vir-a-ser.
13. Creio que como a destruição e a doença, a colisão e o colapso não subsistem no vácuo, mas são sustentados pelo mesmo fundamento daquilo que é erótico e salutar, as divindades que tudo mantêm estão além do bem e do mal, cada qual produzindo um modo de ser no mundo, de acordo com sua natureza-vontade; e assim, somos unidos à algumas potências da realidade por similitude quando nos colocamos sob sua ação mundificante, de acordo com a postura existencial que nos cabe e de acordo com cada modo mundificante possível para nós. Que a excelência ou a justiça não têm valor por si só, mas que são sempre estabelecidas nas relações recíprocas entre as comunidades de entes contingentes; deste modo, a ação de potestades cissoras têm mais peso entre aqueles que descumpriram tabus rituais, devido ao peso que recai sobre sua postura existencial, estabelecida na proximidade da Consciência Cósmica, tanto quanto recai o peso da justiça mortal sobre a comunidade dos que descumprem os pactos de convivência ou atentam contra a segurança da sobrevivência em comunidade — lembrando que a justiça natural de Thêmis, sendo enantiodrômica, recai não sobre um ente específico, mas sobre a Vida como um todo, como ajuste sobre a natureza e suas necessidades.
14. Creio que a natureza divina não é carente de nada. As honras que são pagas aos Deuses, são feitas em nome da necessidade daqueles que as oferendam. Portanto, como a providência dos Deuses se estende por toda parte de maneira diversificada, um certo hábito ou aptidão é tudo o que é necessário para a recepção de suas fulgurações. Mas todo hábito é produzido através de imitação e similitude. Por esta razão, os templos imitam a abóbada celeste, os arcos das grutas, e com suas estruturas delimitam o território. As estátuas se assemelham ao receptáculo da vida, geram simpatia por semelhança aos seres vivos. As preces imitam o que é espiritual, são como os poemas ao servirem de suporte à experiência numinosa da linguagem — descrevem em mythos a cosmologia; e os símbolos exprimem, ao profundo da consciência, aqueles poderes superiores indizíveis. Ervas e pedras ressoam a consciência que permeia a matéria, assim como símbolos anicônicos da Divindade em sua forma transcendental, ou ainda, as quatro bases rizomáticas do cosmo [os elementos]; e animais que são sacrificados e consumidos, meio de comunhão entre o sangue da Divindade e nossas almas, assim como suporte experiencial da vida que tudo permeia. De tudo isso, além do mais, acredito que acontece aos Deuses de conhecerem o mundo contingente através da consciência elevada do devoto, experienciando à si mesmos através da consciência que de si emerge, numa convecção contínua e de modo a gerar conhecimento transcendental.
15. Assim, creio que depois do imenso Fundamento em que todos os Deuses fulguram absorvidos em luz superessencial, e envolvidos em profundidades insondáveis, uma bela série de potestades prossegue, todos participando em grande parte do inefável, todos marcados com os caracteres ocultos da divindade, todos possuindo uma plenitude transbordante de Aiōn. «Que destes cumes deslumbrantes, estas flores inefáveis, estas propagações divinas, o ser, a vida, a consciência, natureza e o corpo dependem»; Que cada uma dessas potestades, é líder de uma ordem mundificante, que permeia todo o espaço mundificado, e que, enquanto procede, ao mesmo tempo permanece, e retorna a seu líder. Assim, todos os entes procedem e são compreendidos no Ser Fundamental; todos as consciências procedem da Consciência Fundamental; todas as vidas da Vida Fundamental; todas as naturezas florescem da Natureza Fundamental; e todos os corpos procedem do corpo vital e luminoso do mundo. Que todas as grandes fundações são compreendidas na mais abrangente, da qual tanto elas como todas as suas séries dependentes são desdobradas em luz. E que, portanto, esta fundamentalíssima luz é verdadeiramente o fundamentos dos fundamentos e razão de ser de todas as causas, a Divindade, Ser de todas as coisas e ainda assim antes de todas.
16. Creio que a natureza divina pode ser expressa em estátuas, como em enigmas, sejam ícones em formas humanas e de outros animais, seja de vegetais, rochas ou fontes de água. Que cada uma dessas expressões re-presenta uma miríade de possibilidades mundificantes, que são as miríades de desempenhos divinos.
17. Creio também que o corpo vivo é um microcosmo, compreendendo em si mesmo parcialmente tudo o que o universo contém divinamente e totalmente. Que, portanto, ele é dotado de consciência que subsiste no desempenho divino, e uma consciência viva que procede das mesmas causas das quais procedem a Consciência e a Vida do universo. E que ele tem igualmente um veículo etéreo análogo ao céu, e um corpo terrestre composto dos quatro elementos, e com o qual também é coordenado.
18. Creio que tanto a alma humana quanto toda alma mundana, usa períodos e restituições de sua própria vida. Pois em consequência de ser medida pelo tempo, ela energiza transitivamente, e possui um movimento próprio. Mas tudo que é movido perpetuamente, e participa do tempo, gira periodicamente, e procede do mesmo para o mesmo.
19. Também creio que como a alma humana está entre o número daquelas almas que às vezes seguem as divindades mundanas, em consequência de subsistir imediatamente após os daimones e mortos poderosos, perpétuos auxiliares dos Deuses, ela possui um poder de descer infinitamente para a região sublunar, e de subir dali para o Ser real. Que em consequência disto, a alma enquanto habitante da terra está em condição decaída, ignorante da divindade, exilada do globo de luz. Que ela só pode ser restaurada enquanto estiver na Terra à semelhança divina e ser capaz, após a morte, de se reconciliar com o mundo espiritual. E que tão logo atinja a bem-aventurança a alma retorna após a morte à sua estrela-irmã, da qual ela procedeu, e desfruta de uma vida abençoada.
20. Creio que a alma humana contém essencialmente todo o conhecimento, e que qualquer conhecimento que ela adquira na vida atual, nada mais é do que uma recuperação do que ela um dia possuiu; e que a disciplina evoca de seus retiros adormecidos.
21. Também creio que a alma é justiçada no futuro pela desonra ao divino que cometeu na vida presente; mas que esta justiça é proporcional à desonra, e não é perpétua; para purificar a alma culpada, e restaurá-la na devida perfeição de sua natureza.
22. Também creio que a alma humana ao sair da vida atual, subjugada pela natureza-vontade divina, passará para outros corpos terrestres; e que se passar para um corpo humano, ela se torna a alma desse corpo; e se no corpo de um vegetal, mineral ou outro ente da natureza, ela se torna a alma do ente em questão, animando o mesmo em todas as suas atividades.
23. Finalmente, creio que as almas que vivem de acordo com a divindade, serão felizes em outros aspectos; e quando separadas da ignorância, entregues à fé e aos santos ritos, serão unidas aos Deuses, e cuidarão do mundo inteiro, juntamente com as divindades por quem ele foi produzido.