Das intenções da síntese
“Tenho de fato encontrado alguns que são filósofos exteriormente esplêndidos em sua rica memória de uma multidão de teorias; Na flexibilidade astuta de seus incontáveis silogismos; No poder constante de sua percepção extraordinária. No entanto, dentro eles são pobres em questões da alma e destituídos de verdadeiro conhecimento.”
— Damásio [In Athanassiadi 1999, 91]
Esse espaço e escritos nasceu na tentativa de tornar coesos alguns pensamentos que se chocam uns contra os outros numa complexidade sem fim. É um espaço de síntese, de clareza. Principalmente, explicar em pormenores algumas terminologias usadas.
A benção das “terminologias acadêmicas” é resumir numa só palavra todo um corpo de conceitos que podem ser distinguido de outro corpo semelhante, o que não ocorreria caso fôssemos usar determinadas palavras simples.
A maldição está na benção, quando você não consegue traduzir a terminologia de um determinado sistema filosófico de um modo inteligível para o público que não usa aquela linguagem.
E maldição maior ainda quando um filósofo, ao invés de agir com a inocência de uma criança [esperada de um filósofo] e perguntar o que o interlocutor quer dizer com determinada linguagem simples, e elaborar juntos um caminho para a inteligibilidade, exige uma terminologia complicada que pouco diria ao interlocutor sem o caminho lógico que levou ao termo.
O tom professoral e a necessidade de razão é o pior destino de quem antes amava o saber com o ardor da curiosidade de uma criança.
Quando criança, adorava perguntar e aprender coisas novas. Muitos são assim [ou todos?]. Pensar sobre essas coisas demonstrava uma disponibilidade de energia muito grande.
Depois de um tempo, aprendi algo novo sobre isso [com amigos e crianças]: parcimônia cognitiva é essencial também.
As crianças querem explicações mastigadas, bem diluídas e, bem, ninguém aguenta comida pesada todos os dias. Salada é importante, líquidos também e frutas, mas carboidratos só na medida certa, ainda mais se forem complexos.
Pensamentos complexos demais são como carboidratos complexos num corpo que não precisa deles — ou você faz um esforço tamanho [e geralmente, apenas pela estética da robustez e não pelo uso básico da saúde corporal adequada ao ambiente], ou ficará com sérios problemas. O gasto excessivo de energia sem reservas serve para o mesmo princípio. Quem pensa demais sem conteúdo-base para o pensar [e pensar gasta energia], acaba apenas com estresse, tanto por gastar uma energia essencial para vários processos [afinal, usamos o corpo para pensar] quanto por não compreender o assunto. Esse conteúdo-base é tanto energia corporal [ou ainda, energia vital, psíquica, que anima o corpo num movimento duplo alma-corpo] como um arcabouço simbólico, como vou explicar mais à frente.
Isso também serve para quem está explicando, aliás. Não se trata de abrir mão das complexidades de um assunto, mas de usar a capacidade de sintetizar tudo numa imagem simbólica: sedutora, que consegue unir os diversos conceitos em formas e cores, lembrando das nossas primeiras impressões com a visão ou o tato [e outras sensações] e ao mesmo tempo conversando com o mundo interior — como o exercício de um alquimista ao codificar suas descobertas.
Quem já lecionou para crianças ou se envolveu com imagens simbólicas, sabe do poder de síntese adequado para cada ouvinte [ou espectador] e do «poder da síntese» para nossa própria riqueza interior.
Este assunto me leva à uma outra problemática do pensamento complexo: o uso compulsivo do diálogo interno. Se esse diálogo não levar à algo substancial, ou prático-imersivo, torna-se uma corrida em círculos onde apenas desperdiçamos energia vital.
É como comer compulsivamente carboidratos complexos e não dar vazão para a energia acumulada. Ou pior. O comer compulsivamente demonstra uma energia que escapa pelas fissuras e que é despejada num foco de prazer — pensar compulsivamente em sistemas complexos demonstra uma tendência não canalizada que, devido a pressão da quantidade, acaba por escapar em fissuras que retro-alimentam a compulsão: a carência se mantém e a compulsão se mantém ao tentar suprir a carência. Pensamentos complexos podem trazer prazer, pois a robustez deles lembram algo da potência que adquirida pela conquista do saber [saber e sabor terem fonemas tão próximos chega a ser irônico].
Mas ambos, o comer sem parcimônia e pensar sem parcimônia não trazem saúde ao conjunto alma-corpo. O fluxo adequado [e aqui é bom lembrar da respiração também] ocorre sempre da forma mais simples e parcimoniosa possível.
Claro, este projeto pretende entender também os opostos em suas colisões, os fluxos de pensamentos em sua corrida de obstáculos, o próprio fluxo da vida que nos move e assim por diante. Porém, sempre avaliamos o ponto de tensão onde os opostos se anulam [não é o marco zero um ponto de equilíbrio entre magnitudes ou posturas da alma?], o ponto onde há o fluxo criativo.
Aqui reafirmamos a necessidade da imersão no mundo simbólico após apreender alguns de seus sentidos. Uma imersão prática, como aquela de quem busca conhecer, por exemplo, alguma qualidade de vinho, ou ao menos vir a conhecer o que seja isso que chamam de vinho [mesmo que através de apenas um de seus exemplares, tanto quanto o símbolo não pode ser exaurido por uma de suas vias de imersão].
Conhecer pormenores químicos do vinho é certamente um campo de imensas possibilidades, porém, o símbolo imersivo do vinho por excelência é o momento do saborear e do entorpecer. Se o momento for religioso [uma eucaristia, kháris, comunhão], o símbolo se adensa e terá múltiplas nuances, sempre com luzes variadas que surgem através do prisma religioso em questão. Enfim, o pensamento sobre o vinho em seu aspecto religioso será de pouca valia [embora de alguma valia] frente à imersão no símbolo vivo.
Nas palavras do amado Zagreus Lukius: “Prefiro antes a companhia dos que bebem do cântaro completo, mas nada sabem sobre a fermentação que os cria, ou das variedades de uva que os origina.”
- Blocagem #3
— Pedro V. M. Costa