“Holocausto Brasileiro” matou 60 mil pessoas num manicômio em Minas Gerais

Pedro Zambarda de Araújo
Cabine Literária
Published in
4 min readNov 13, 2016
Foto: Divulgação/Geração Editorial

No dia 8 de novembro, fui assistir numa cabine de imprensa o documentário Holocausto brasileiro. Baseado no livro de mesmo nome da jornalista mineira Daniela Arbex, de 2013 pela Geração Editorial, a história é sobre o Hospital Colônia de Barbacena que foi fundado em 12 de outubro de 1903.

Conhecido como a “Cidade dos Loucos”, foi construído originalmente para atender doentes mentais e vítimas de tuberculose, cujo tratamento era mais difícil no começo do século 20.

Fechado em 1996 e reaberto como Museu da Loucura, o local foi responsável, sozinho, pela morte sistemática de 60 mil pessoas. Para dados comparativos, estima-se que o Holocausto Nazista eliminou seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial.

O Holocausto Brasileiro matou pelo menos um centésimo deste mesmo montante.

Foto: Divulgação/Geração Editorial

A instituição também lucrou R$ 600 mil com tráfico de corpos, dos “indesejáveis”, e utilizava métodos de tratamento controversos na psiquiatria, como eletrochoques.

Divulgada pelo governo de Minas Gerais abertamente, a história sensibilizou a jornalista Daniela, que foi apurar a história em Barbacena. Falou com pacientes sobreviventes, torturadores e diretores do hospital psiquiátrico que se transformou em uma prisão. Hoje o governo reduziu de 60 mil mortos para 20 mil.

Os depoimentos são chocantes e mostram como o Brasil no interior ainda é desconhecido para muitas pessoas. Filhos foram separados de pais e os netos das vítimas do Colônia descobrem a história de seus avós num local que acabou com suas vidas.

Torturadores não se reconhecem como torturadores, mas apontam abusos que foram cometidos dentro do hospital, além da venda de corpos.

Foto: Divulgação/Geração Editorial

Os abusos dentro do Colônia começaram a ganhar forma a partir de 1930, com a ditadura de Getúlio Vargas, e as mortes sistemáticas ganharam força durante os regimes militares pós-1964. Sob os governos de Médici e Ernesto Geisel, o hospital passou a ocultar mortes e os métodos de tratamento manicomial inadequado que era empregado.

Nem todos os internos possuíam problemas mentais. Opositores políticos da ditadura, negros, homossexuais, mendigos e crianças passaram a dividir a prisão com homens e mulheres que já eram abandonados nus dentro do Hospital Colônia.

Foto: Divulgação/Geração Editorial

Na grande imprensa, somente a revista O Cruzeiro, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, fez registros fotográficos sobre o hospital. Um documentário chamado Em nome da razão e a visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia, em 1979, começou a provocar uma onda de denúncias sobre o Colônia.

Basaglia comparou o espaço com um campo de concentração nazista.

Após a exibição do documentário, Daniela Arbex respondeu às perguntas dos jornalistas presentes numa seção dentro do Shopping Eldorado, incluindo aquele que vos escreve.

Daniela Arbex, à esquerda. Foto: Pedro Zambarda

“O livro e agora o documentário colocaram no centro das discussões a questão da luta antimanicomial. Nosso papel é produzir memória”, afirmou a autora antes das perguntas de jornalistas. De acordo com Daniela Arbex, ela teve que fazer a apuração duas vezes em Barbacena e falou com torturadores, vítimas e pessoas que estiveram ligadas ao Colônia. Religiosos católicos silenciaram sobre os abusos que eram notoriamente cometidos dentro do recinto.

Ela deu espaço para todas as pessoas apresentarem contrapontos em seus relatos. As freiras que frequentaram o Colônia não aceitaram dar depoimento. “Meu método de trabalho é o jornalismo, não estava lá para julgar as pessoas”, frisou.

Perguntei a Daniela se ela não achava que a mídia tinha ignorado o caso, sendo que só foi revelado pelo fotógrafo Luiz Alfredo do Cruzeiro. “A matéria que saiu na revista tinha cinco páginas e foi uma bomba na época. Não acredito que a imprensa tenha ignorado o caso. O presidente da República chegou a afirmar que mandaria recursos financeiros ao hospital. No entanto, como tudo neste país, foi uma bomba momentânea e as pessoas viram a página como se fosse uma revista de verdade”, explicou.

Repórter especial há mais de 20 anos da Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, Daniela Arbex lançou neste ano o livro “Cova 312” sobre o assassinato e ocultamento de mortos no regime militar. A nova obra ganhou o primeiro lugar no Jabuti de Reportagem e Documentário, na frente do livro A Outra história da Operação Lava Jato, do jornalista Paulo Moreira Leite. Os dois livros são da Geração Editorial.

O documentário Holocausto brasileiro estreia no dia 20 de novembro no Canal MAX e estará também na HBO Plus.

--

--

Pedro Zambarda de Araújo
Cabine Literária

É jornalista paulistano. Edita DigiClub, Drops de Jogos e Geração Gamer. É autor do livro "Internet Heroes Brasil", da Jardim dos Livros/Geração Editorial.