O Corinthians precisa resgatar seu espírito mosqueteiro
Por Daniel Keppler
O dia era 2 de maio de 1929. Naquela quinta-feira, a Gazeta estampava em sua página 6 a seguinte manchete, sem medo de errar: “O melhor jogo da presente temporada internacional”. Eles se referiam, no caso, à vitória do Corinthians por 3x1 contra os argentinos do Sportivo Barracas.
Para Thomaz Mazzoni, o autor da matéria, o jogo foi uma “luta titânica, sensacional”, que resultou em uma “memorável vitória” para o Corinthians, mesmo sem ser o favorito. Afinal, o Barracas vinha de excursão à Europa onde vencera times como Milan, Lazio e Barcelona, praticando excelente futebol. Mas os corinthianos tinham outros planos para a partida.
“Enfim, a turma dos calções pretos foi uma nova edição daquella poderosa turma do passado onde rebrilhavam Neco e Amilcar: Folego, muito folego; acção continua e progressiva; elasticidade, coração e… vontade de arrazar… jogo paulista, jogo todo nosso, muito nosso…”
Foi um jogo de superação, que foi brindada com um enorme triunfo dos corinthianos. Para Mazzoni, foi um jogo pelo qual o Corinthians merecia passar a ser lembrado como um time de “mosqueteiros do futebol”.
Sim, foi essa a partida onde o Corinthians passou a ser associado com o Mosqueteiro, até hoje nosso mascote. Ele é, portanto, símbolo da nossa garra, da vontade de vencer custe o que custar… e sua origem é a primeira vitória internacional da história do clube.
Eram tempos onde o futebol sulamericano transitava para profissionalismo, sem qualquer perspectiva de surgirem torneios internacionais entre clubes, a opção para enfrentar estrangeiros era em turnês — seja recebendo esses clubes no Brasil, seja viajando ao exterior. E o Corinthians, que antes de 1929 só havia feito três jogos contra times de fora, passou a tomar cada vez mais gosto por esses confrontos.
Entre 1929 e 1949, os “mosqueteiros do futebol” se tornaram anfitriões desejados para equipes estrangeiras. E difíceis de bater: em 24 jogos no período, apenas seis derrotas. Entre as vitórias, algumas como um 6x1 no Bologna (1929), 2x0 no Boca Juniors (1935), 2x1 no River Plate (1948) e 2x1 no Torino (1948).
Seis anos de brilho absoluto
Então, veio a década de 1950, e com ela explodiu no exterior o brilho de um Corinthians intenso e vencedor. Primeiro ao golear por 4x1 o Combinado Uruguaio no Quadrangular de Montevidéu, torneio organizado por eles para celebrar a Copa do Mundo conquistada com o Maracanazzo. E em seguida, na excursão à Europa, logo após o título paulista de 1951 — aquele, do Ataque dos 100 gols, que foram na verdade 103!
Em dois meses, o Corinthians fez 16 partidas na Turquia, Suécia, Dinamarca e Finlândia, perdendo apenas o jogo de estreia e vencendo outros 12 jogos, sendo alguns memoráveis: 6x1 no Fenerbahçe, 1x0 na Seleção da Turquia, 4x2 no Galatasaray e 5x1 na Seleção da Finlândia — em jogo onde foi inaugurado o Estádio Olímpico de Helsinki. Foi por esse tour que o clube foi premiado com a Fita Azul, a maior honraria que podia ser concedida na época para quem representasse bem o Brasil no exterior.
Em seguida, veio a Copa Rio, disputada por oito equipes da América do Sul e Europa, tratada pela imprensa da época como um torneio mundial, mas que não tem esse reconhecimento da FIFA. O Corinthians fez ótima campanha no torneio, sendo vice-campeão ao perder para o Fluminense na final, prejudicado pelo desfalque de importantes titulares devido à violência do Peñarol na semifinal.
Os anos que se seguiram simbolizam o que o Corinthians passou a representar no exterior. Em 1953, o clube disputa o Octogonal Rivadávia Correa Meyer, torneio sucessor da Copa Rio, indo até as semifinais. E um mês depois, viaja à Venezuela, onde conquista a Pequena Taça do Mundo após vencer a Seleção de Caracas, a Roma-ITA e o poderoso Barcelona-ESP, campeão espanhol e da Copa Latina (torneio precursor da Copa dos Campeões) e time do craque húngaro László Kubala. Foram seis jogos e seis vitórias corinthianas!
Em 1955, a CBD organiza o Torneio Internacional Charles Miller, o último da série que se iniciou com a Copa Rio, e novamente o Corinthians é campeão ao vencer quatro dos seus cinco jogos. E na temporada seguinte, ocorre a disputa da Copa do Atlântico, um torneio entre 15 equipes do Brasil, Uruguai e Argentina. Após passar por Danubio-URU (2x2 e 4x2 nos pênaltis), Santos (4x3) e São Paulo (2x0), o Corinthians decidiria o título com o Boca Juniors — o que nunca ocorreu, por motivos de calendário.
Amistosos, em meio a uma incômoda ausência
A década de 1950 se encerra com o Corinthians fazendo outra boa excursão à Europa, fazendo 10 jogos e vencendo sete, entre eles um 3x2 no Bayern de Munique, 1x0 no Porto, 4x3 no Sevilla e 5x3 no Barcelona. Mas a organização do futebol estava começando a mudar, lá e cá.
Lá, porque a Copa dos Campeões já chegava à sua sexta edição, cada vez mais consolidada. E cá, porque 1959 foi o ano onde a Taça Brasil começou a ser disputada, para que no ano seguinte a Copa Libertadores fosse inaugurada. Mas aqueles eram os anos do início da “fila” de 23 anos do Corinthians, e por isso ele ficou longe desse torneio, ao mesmo tempo em que seus rivais começavam a construir lá um novo capítulo de suas histórias.
Enquanto isso, o clube seguiu com as excursões: Colômbia (1963), Equador (1966), Suíça/Itália/Espanha (1966), Chile (1969), Uruguai (1970), Marrocos/França/Bélgica/Iugoslávia/Espanha (1970), além de receber equipes no Brasil. Conquistou alguns torneios amistosos, sim, mas isso não consolava a torcida. Além disso, pouco preparava o time para o que viria a partir de 1977.
29 disputas continentais, 2 títulos: é pouco
Foi naquele ano que o Corinthians estreou na competição, após o vice-campeonato brasileiro de 1976. Era o início da trajetória do clube em torneios da Conmebol, que em última análise, tem sido preenchida por mais decepções que alegrias — iniciando pela queda na fase de grupos em 1977.
Foram mais 14 anos até a segunda participação, em 1991, caindo para o Boca Juniors nas oitavas. E outros cinco para a terceira, em 1996, quando a eliminação foi para o Grêmio nas quartas. Antes, duas participações na Copa Conmebol, com uma dura derrota nas semifinais para o time reserva do São Paulo, o Expressinho.
Surgiu a Copa Mercosul, e cada vez mais o Corinthians passou a se fazer presente nas competições sulamericanas — mas com poucas alegrias. Entre 1998 e 2012, foram 16 torneios disputados, com a grande conquista do Mundial de Clubes da FIFA em 2000, mas apenas duas semifinais no continente (Libertadores de 2000, perdendo para o Palmeiras, e Mercosul de 2001, perdendo para o San Lorenzo). Somente no último torneio desses 16 aconteceu o tão esperado título sulamericano: a Libertadores invicta, passando por equipes como Vasco, Santos e Boca Juniors.
Com o bi do Mundial de Clubes em 2012 e a conquista da Recopa Sulamericana, no ano seguinte, pensou-se que o passado de frustrações internacionais tinha ficado para trás. Mas não foi bem assim. De lá para cá, foram mais sete competições disputada, sendo o melhor resultado a semifinal da Copa Sulamericana de 2019. Na Libertadores, nunca mais o Corinthians chegou sequer às quartas-de-final.
Mirar o futuro olhando para o passado
Nas últimas décadas, o Corinthians viveu um drama nas competições continentais. Parecia existir um script: na Libertadores, o clube faria uma 1ª fase exemplar, para no mata-mata mudar a postura e tropeçar em si próprio, cometendo erros bobos nos piores momentos e sendo eliminado. Já nos outros torneios (Copa Conmebol, Mercosul e Sulamericana), a sensação era de que quase nunca eles eram prioridade, e algumas eliminações acabavam sendo apenas inexplicáveis, mesmo.
É uma perigosa “tradição”, especialmente para um clube tão grande, e que almejou tanto após a Tríplice Coroa Internacional vencida em 2012–13. Depois de se consolidar como maior vencedor estadual e vencer 11 títulos nacionais entre 1990 e 2017, o próximo passo seria ampliar os horizontes para além do Brasil. Mas, como fazer isso sem resultados?
Os reforços contratados nessa temporada (dos quais ainda não falamos aqui, mas falaremos) exibem um quê de ambição da diretoria. E isso é bom. Mas para que ela se traduza em um legado, o Brasil não basta para o Corinthians. Não apenas por questão financeira, mas porque é isso que clube e torcida precisam e merecem!
E para conquistar esse futuro vitorioso, basta olhar para o passado: na década de 1950, o Corinthians foi um dos clubes-símbolo do Brasil tanto no continente quanto na Europa. Disputou (e venceu) torneios importantes contra grandes adversários, marcando época como uma das maiores equipes brasileiras de todos os tempos — e isso não é um exagero.
Foi, talvez, a equipe que na nossa história melhor encarnou aquele espírito dos “mosqueteiros do futebol”, que se fez presente naquele 1º de maio de 1929. E é a referência que precisamos resgatar para recolocar o Corinthians na única esfera de conquistas que ainda não conseguimos dominar: a internacional. É necessário, e é urgente!