O que eu penso sobre o processo de impeachment de Augusto Melo

Pensando em Preto e Branco
8 min readNov 22, 2024

--

Augusto Melo, presidente do Corinthians (Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians)

Há mais ou menos 24 horas, veio aí a notícia que todos esperavam, mas não sabiam bem quando chegaria de fato: a data da votação do impeachment do presidente Augusto Melo. Será na próxima quinta-feira, 28 de novembro. E desde então, o Corinthians ferve não só internamente, como também entre a torcida, com reações diversas — mas nem tanto assim.

Num geral, vejo a torcida se preocupar principalmente com o timing da coisa toda. A preocupação óbvia é que os bastidores do clube prejudiquem o Corinthians dentro de campo e atrapalhem as chances que a equipe ainda tem de conquistar uma vaga na Copa Libertadores — cerca de 16% segundo o Departamento de Matemática da UFMG.

Outros, ainda, protestam contra a votação, dizendo que a investigação policial sobre o caso VaideBet ainda está em andamento e sua conclusão seria fundamental para que a análise de um impeachment acontecesse. Por fim, há os que alegam que Augusto Melo teria o direito de terminar seu mandato garantido pelo fato de os presidentes da era R&T terem também concluído os seus.

Penso serem preocupações legítimas, mas escrevo esse texto pois não acho esses argumentos tão absolutos assim. Então, vou tentar fazer alguns contrapontos e ressalvas, com pragmatismo e tranquilidade, pra tentar explicar por que vejo o pedido de impeachment de Augusto Melo como legítimo, mesmo no momento atual. É claro, esse será um texto para quem estiver aberto a debater o assunto. Por isso mesmo não é para todos, e eu consigo lidar com isso sem problemas.

Um impeachment sempre será traumático

Primeiro quero tratar do tal timing que muitos dizem ter faltado a essa votação. É uma ideia que vejo com problemas, para ser sincero, pois penso que minimiza um pouco a carga que um impeachment tem. Mas, entendo quem pensa assim, ao mesmo tempo.

Não existe timing para um impeachment, pois é um processo que nunca vai ser bem vindo, desejado — mesmo quando necessário. Trata-se um processo que corta o clube na carne e mexe em algo que devia ser sagrado: o “estado democrático de direito” da instituição. Abala as estruturas do clube de maneira irremediável e traumatiza instituição, funcionários e torcida, independente de quando ocorra.

É ruim que essa votação ocorra agora? Sim. Seria ruim que ocorresse em dezembro? Também. E em janeiro? Igualmente. Pois um impeachment sempre vai ser ruim! E eu tenho a impressão de que falta essa compreensão em parte da torcida, talvez por ser algo bastante alheio ao nosso dia a dia. Não sabemos como reagir, e acaba sendo natural que se pense que deixar pra depois melhoraria algo. Mas não vai.

Um processo de destituição é como um remédio muito amargo, uma última medida, que tem o único objetivo de estancar uma ferida antes que ela siga ferindo o paciente. E o paciente nesse caso é o Corinthians, que hoje está ruim, mas ainda tem muita margem para piorar.

O artigo 106

Outro argumento que vejo como problemático é o que diz que as investigações do caso VaideBet deveriam ser concluídas para, só então, ocorrer a votação do impeachment. É outra ideia que entendo porque existe, mas também penso que é, no mínimo, incompleta e com pouco contexto sobre a lei que rege o Corinthians: o estatuto social.

O estatuto social é o documento que faz a instituição Corinthians deixar de ser uma ideia para ser um clube de fato, é o que lhe confere ordem e capacidade de ser funcional. E ele é claro sobre uma coisa: nem todo motivo para impeachment está atrelado a um crime, conforme mostra seu texto na íntegra:

Art. 106 — São motivos para requerer a destituição dos administradores (Presidente da Diretoria ou de seus Vice-Presidentes):
a) ter ele praticado crime infamante, com trânsito em julgado da sentença condenatória;
b) ter ele acarretado, por ação ou omissão, prejuízo considerável ao patrimônio ou à imagem do Corinthians;
c) não terem sido aprovadas as contas da sua gestão;
d) ter ele infringido, por ação ou omissão, expressa norma estatutária.
e) prática de ato de gestão irregular ou temerária.
Parágrafo único: O administrador que tenha praticado ato de gestão irregular ou
temerária será imediatamente afastado, após decisão da Assembleia Geral, e ficará inelegível pelo período de dez anos.

Alguns itens, de fato, citam o envolvimento do dirigente-alvo a algum crime cometido. Outros, porém, não, pois guardam maior relação com a forma como o dirigente age na gestão, cumpre com o próprio estatuto do clube e empenha sua palavra ao se comunicar enquanto no cargo. É o caso dos itens “b” e “d”, principalmente.

Não é exatamente necessário que a investigação do caso VaideBet seja concluída para que, por exemplo, se constate que toda a situação causou prejuízo à imagem do Corinthians. Todo torcedor sentiu o quanto foi ruim o clube ter vivido em páginas policiais durante boa parte do ano. É uma análise abstrata? Sim. E é por isso que o impeachment também é um processo político, queiramos ou não, gostemos ou não.

Além do mais, o caso VaideBet não é a única questão que pesa contra a atual gestão. O escândalo envolvendo o uso de empresas clandestinas de segurança pelo clube também é muito problemático, especialmente porque foi uma irregularidade verificada pela Polícia Federal em visita ao clube, e confessada pelo Corinthians em nota, onde contradisse a si próprio, pois anteriormente havia negado a situação perante o Conselho Deliberativo.

O caso das empresas clandestinas de segurança é gravíssimo, primeiro pois deixa os equipamentos do clube sujeitos a interdição. Segundo pois pode fazer o clube ser enquadrado por descumprir a Lei Geral do Esporte. Terceiro pois, ao mentir publicamente sobre o assunto, a diretoria pode ser acusada de descumprir o estatuto, que exige transparência nos atos e pronunciamentos.

Há outras questões, como o esquema de desvio de ingressos para jogos da Neo Química Arena, usando sócios inadimplentes do clube social e pessoas que sequer sócias eram. Mas o ponto aqui era mostrar que nem todo motivo para impeachment é necessariamente um crime.

Um erro não conserta o outro

Já a ideia de que Augusto Melo merece terminar o mandato pois seus antecessores tiveram esse direito me preocupa bastante, em primeiro lugar pois está baseada em um lugar-comum que vejo bastante nas redes: o de que nunca, ninguém, jamais questionou a Renovação & Transparência ou denunciou suas más práticas. E isso é simplesmente mentiroso.

Grupos como o Movimento Corinthians Grande, que depois formou a Chapa 82, passaram anos a fio expondo os erros e possíveis crimes das últimas gestões do clube. O ex-presidente Roberto de Andrade chegou a ter um pedido de impeachment votado em fevereiro de 2017. E o próprio Andres Sanchez teve suas contas de 2019 reprovadas no Conselho Deliberativo, por exemplo, o que culminou em um processo no Conselho de Ética pedindo sua inelegibilidade. Só pra ficar em dois casos.

O que aconteceu em ambos? Os cartolas foram salvos. O processo contra Roberto de Andrade acabou interrompido no Conselho Deliberativo por 183 votos a 81. E a tentativa de tornar Andres Sanches inelegível foi sumariamente engavetada pelo órgão, que era presidido pelo seu aliado André Negão. Agora me digam, porque o fato de as lideranças institucionais do clube terem sido cúmplices da R&T no passado pode nos permitir dizer que TODOS eram cúmplices? Não eram.

Em outras palavras: a Renovação & Transparência tinha sim oposição. Mas infelizmente ela sempre representou uma minoria no clube, e seu barulho nunca foi comprado pelos veículos como, hoje, as críticas ao Augusto Melo são. Até porque boa parte dessa repercussão, hoje, é feita por jornalistas que também trabalham como influenciadores e torcedores que criam conteúdos sobre o clube pras redes sociais — ambos movimentos relativamente recentes.

A impunidade é com certeza muito revoltante. Muito mesmo. Os líderes da R&T deveriam ter sido banidos do Corinthians. Entendo e concordo com isso. Mas um novo erro nesse sentido com Augusto Melo não vai punir a R&T retroativamente. E impedir que ele seja julgado pelos irregularidades que ele já cometeu significa, por tabela, lhe dar carta branca para seguir com as mesmas atitudes, ou pior: agravando-as.

Matando o mensageiro

Outro ponto que me preocupo é com a personalização que muita gente acaba fazendo ao criticar não só o processo mas os bastidores do clube em um geral, e pra exemplificar vou citar o presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians Romeu Tuma Júnior.

Trata-se de figura conhecida no Parque São Jorge e, até mesmo por isso, alguém que já se envolveu em muitos momentos políticos do clube, colecionando desafetos no processo. Sua maneira de se expressar, com poucas papas na língua, com certeza colaborou para isso. Ainda assim, hoje ele é o presidente do CD, apoiado por Augusto Melo quando foi eleito, inclusive.

É um cargo que com certeza guarda muito poder consigo, mas muitas vezes vejo os torcedores transformarem atos seus que são vinculados à função que ele exerce em atos meramente discricionários, tomados por conta de sua vontade. E eu penso ser um erro fazer essa confusão.

Percebo muita influência da mídia nesse processo, ao atribuir a ele, Tuma, algumas das ações onde ele só colabora com a assinatura mesmo. “Tuma faz, Tuma acontece”. Quando a verdade é que qualquer um que estivesse presidente do CD teria que fazer o mesmo, sob o risco de, não fazendo, agir como André Negão agiu ao engavetar o processo de inelegibilidade de Andres Sanchez.

Também penso que, na era atual das redes sociais onde todo mundo quer criar conteúdo e engajar sobre o Corinthians, figuras importantes do clube acabam sendo levadas a se expor e falar demais sobre suas posições a respeito dos mais diversos assuntos. E me preocupo com a integridade da instituição Corinthians quando isso acontece, pois torna as relações republicanas mais difíceis e nebulosas, facilitando essa confusão entre, por exemplo, “o que o Tuma pensa” e “como o presidente do CD age”.

Culpá-lo por marcar a votação do impeachment de Augusto Melo, para mim, não é nada muito diferente de matar o mensageiro e ignorar a mensagem. E isso acaba fazendo pessoas bem intencionadas caírem em narrativas influenciadas por pessoas que não estão, necessariamente, interessadas no clube.

Conclusão

Eu não queria que o Corinthians passasse por isso. E me entristece que tenhamos chegado tão cedo a esse ponto. Eu acreditei no Augusto Melo, depositava esperanças no grupo que ele havia formado. Mas os primeiros meses de gestão foram suficientes para ver que a gestão não estava caminhando bem.

O presidente rifou bons quadros de sua diretoria em nome de uma inexplicável lealdade ao seu diretor administrativo Marcelinho Mariano. Se deixou envolver em algumas situações que apequenaram o Corinthians institucionalmente, e acabou obrigado a entregar o clube nas mãos de Fred Luz, através de um contrato muito preocupante (sim, eu li o contrato), por ser incapaz de tomar decisões.

Eu tenho certeza que o Corinthians sofrerá com a votação acontecendo no dia 28. Mas eu também tenho certeza que esse sofrimento não seria amenizado com a votação acontecendo depois. Até porque, hoje, o elenco já não é nem um pouco blindado dos bastidores do clube, com pessoas ligadas a diretores e conselheiros circulando livremente pelo CT.

A única coisa que eu sei é que este 2024 deixou claro que Augusto Melo não conseguiu se colocar à altura do cargo. E ninguém pode negar que a sensação é de que não há um bom futuro com ele. Infelizmente, a oposição à R&T se cercou em torno do nome errado. E infelizmente, isso foi provado ao longo do ano com suas atitudes.

Responder a um processo de impeachment é a chance de o presidente provar que ainda tem capacidade de reverter essa situação e reconquistar a confiança perdida. Ele terá que se defender e deve utilizar esse direito com sabedoria. Eu só não sei se já não é tarde demais. Talvez seja.

E se for, torcerei para que o Corinthians saiba seguir em frente com um nome de consenso, que não seja ligada aos expoentes da R&T, que consiga manter Fabinho Soldado como diretor-executivo e que consiga sanar a situação nebulosa envolvendo Fred Luz, quem sabe convencendo-o a ser, de fato, o CEO do clube — coisa que hoje ele não é. Mas isso é assunto pra outro texto.

--

--

Pensando em Preto e Branco
Pensando em Preto e Branco

Written by Pensando em Preto e Branco

Um espaço para compartilhar ideias e opiniões sobre o Sport Club Corinthians Paulista. Mantido por Daniel Keppler e Arthur Kartalian

No responses yet