Sylvinho, corinthianismo e os perigos da unanimidade

Pensando em Preto e Branco
6 min readOct 16, 2021

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Sylvinho já acumula 28 jogos à frente do Corinthians, clube onde jogou entre 1990 e 1999 (Reprodução)

Por Daniel Keppler

Nessa quinta, dia 14, o Corinthians TV, canal do clube no YouTube, publicou o vídeo contando os bastidores da vitória por 1x0 sobre o Fluminense. Mas esse era um “Bastidores” diferente dos outros, pois terminava de uma maneira especial: ele mostrava, nos seus minutos finais, um trecho da preleção de Sylvinho, feita no CT Dr. Joaquim Grava no dia 13:

Nele, o treinador do Corinthians lembra o elenco de que, naquela data, era celebrado o aniversário de 44 anos do título paulista de 1977, que colocava fim a um jejum de 23 anos sem um título oficial (com exceção do Rio-São Paulo de 1966, dividido com outros três clubes). Ele mostra o vídeo do gol do título, de Basílio, e exorta os atletas a seguirem esse exemplo de raça e nunca desistirem do jogo, disputando toda bola. “Competir, competir e seguir competindo”, disse, encerrando o discurso.

O vídeo caiu muito bem entre os corinthianos. Em apenas um dia, já é o quarto mais visto da semana no canal, acumulando 86 mil views. Nas redes sociais, o impacto foi semelhante. O trecho da preleção, compartilhado pelas contas do Corinthians, recebeu reações extremamente positivas, que acabaram “transferidas” para a pessoa do treinador, com alguns comentários muito frequentes, partindo tanto de torcedores quanto de membros da imprensa, como:

“Sylvinho é Corinthians demais!”

“Dr. Sylvio é muito Corinthians e ama demais isso aqui”

“E os ‘entendidos’ dizem que Sylvinho é despreparado…”

“Sylvinho entende como o Corinthians é gigantesco”

“Ele sabe o que é ser Corinthians”

Não é a primeira vez que Sylvinho usa uma data importante do Corinthians para motivar os jogadores. Em setembro, já havia feito algo parecido com o dia 1º, aniversário do clube. Para alguns, isso mostrava seu “respeito com a história do clube”. Para outros, era um “símbolo do seu corinthianismo”.

É bem possível mesmo que isso seja verdade. Sylvinho tem uma longa história no Corinthians como jogador, iniciando no futsal e, ao migrar para o campo, atuando pela base e profissional do clube entre 1990 e 1999. Disputou 269 jogos e conquistou seis títulos, incluindo uma Copa do Brasil inédita em 1995 e um Brasileiro em 1998. Acabou vendido em junho de 1999 ao Arsenal-ING, por US$ 6 milhões (R$ 10,8 milhões na época), onde iniciou sua carreira pela Europa que terminou em 2010.

Sylvinho (4º esq. p/ dir.) no Corinthians vice-campeão da Copinha em 1993 (Edu Garcia/Estadão Conteúdo)

Mas o ponto desse texto não é questionar o corinthianismo do Sylvinho. Minha ideia aqui é refletir sobre como nós reagimos a esse corinthianismo (e aqui me coloco como torcedor e jornalista), e até onde esse corinthianismo afeta (ou não) a avaliação que se faz do treinador, enquanto profissional.

Muito se diz sobre a importância de ter corinthianos em cargos-chave no Corinthians. Pois, em tese, só torcedores seriam capazes de entender as necessidades do clube e, assim, fazer o seu trabalho da melhor maneira possível. Mas temos um exemplo recente de que isso nem sempre se reflete de maneira positiva no profissional: o meio-campo Luan.

Ele foi apresentado como um genuíno corinthiano, torcedor desde criança, que enfim estava realizando o sonho de vestir a camisa do time de coração. Era o que, em parte, justificava o investimento do BMG (que foi altíssimo) e o que fazia a Fiel acreditar em um renascimento do atleta, após duas temporadas de baixo rendimento daquele que fora o “Rey de America” em 2017, pelo Grêmio. Bom, não foi bem o que aconteceu.

Por motivos que desconhecemos, Luan nunca deslanchou. Oportunidades não faltaram. Mas sempre faltou algo. E hoje, o jogador amarga a reserva, praticamente sem perspectivas de assumir uma posição como titular. Estaria seu corinthianismo se tornando, ao invés de um motivo de motivação, uma pressão extra a superar? Fracassar no time de coração representa uma camada a mais de culpa, quando o atleta faz sua autocrítica?

Luan, um verdadeiro jogador-torcedor do Corinthians, não conseguiu engrenar no clube (Reprodução)

Eu sei, o texto não é sobre o Luan. Mas a reflexão sobre ele cabe aqui, pois durante muito tempo concedeu-se a ele uma tolerância e paciência que outros atletas talvez não teriam, se passassem tanto tempo rendendo tão pouco. Sim, hoje já há os que rezam pelo dia de sua saída, mas muitos na Fiel ainda se questionam se Luan tem condições de se reerguer — mesmo não dando qualquer sinal disso. Seria isso uma certa “empatia corinthiana” sendo exercida, mesmo que inconscientemente?

Eu acredito que sim. E penso que o mesmo está ocorrendo com nosso treinador. O cara “pilhadão”, com história no Corinthians, que “sabe o que o clube representa” e que por isso, uma hora ou outra, vai justificar o cargo e a confiança depositada. Afinal, “Sylvinho é Corinthians”.

Isso ajudaria a explicar a quase unanimidade de pensamento que se encontra, hoje, na mídia corinthiana em relação ao treinador. Salvo dissonâncias que conseguimos contar nos dedos de uma mão, setoristas, comentaristas e afins são enfáticos em conceder a Sylvinho todo o tempo necessário para se firmar. Mesmo nos piores momentos, como quando o treinador tinha uma vitória em oito jogos na Arena e acumulava 37% de aproveitamento após 15 jogos e três meses de trabalho, nada abalou a fé no trabalho do treinador. Qual era sua origem? O que a explicava?

Sylvinho possui respaldo absoluto da diretoria do Corinthians (Reprodução)

Eu não estou afirmando que há um conluio da imprensa corinthiana em favor do Sylvinho. Nem que o clube paga jornalistas para protegê-lo. Estou, sim, afirmando que nunca um treinador recebeu tanto apoio, vindo de tantos lados diferentes, mesmo de formadores de opinião que, em um passado recente, tinham visões opostas sobre outros trabalhos. Mas algo ocorre com Sylvinho, consciente ou não, que o faz receber todo o respaldo. Seria a “empatia corinthiana” em ação novamente?

Parece ser o caso. Nada mais explica a uniformidade de opiniões. E nesse caso, me preocupo. Pois a empatia, apesar de ser um sentimento nobre, não combina com a razão. Muitas vezes, ela compromete o julgamento. E ter em mente o Sylvinho corinthiano, mais do que o Sylvinho treinador, é um risco de avaliação imenso.

Quando pensamos mais no Sylvinho que lembra de 1977 na preleção do que no Sylvinho que insiste em pensar que Jô pode ser simplesmente substituído por Roger Guedes, sem um ajuste tático que potencialize as habilidades deste, é um risco. Quando pensamos mais no Sylvinho que grita “aqui é Corinthians” no vestiário e menos no Sylvinho que só sacou Gabriel do time porque foi obrigado, é um risco. Quando falamos que Sylvinho é identificado com o Corinthians e, por isso, vai dar certo, não é só um risco: é uma irresponsabilidade.

Como já afirmei em outros textos: nada tenho contra a pessoa Sylvio Mendes Campos Júnior. Eu realmente acredito nas suas intenções e sentimento para com o Corinthians. Mas temo que ele, e as pessoas à sua volta, estejam dando mais valor ao seu corinthianismo do que ele deveria ter. E temo que, quando a “empatia corinthiana” acabar, e seu trabalho for julgando somente com a razão, seja tarde demais para o Corinthians.

Espero (muito) estar errado.

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Um espaço para compartilhar ideias e opiniões sobre o Sport Club Corinthians Paulista. Mantido por Daniel Keppler e Arthur Kartalian

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