Os primeiros a sofrer serão os índios — novamente

Peterson Fernandes
Revista Subjetiva
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6 min readOct 23, 2018
Registro do fotógrafo Ricardo Stuckert de crianças Kaxinawá, na aldeia Água Viva, no Acre.

Submissão. Escravização. Aniquilação. Extermínio.

Assim podemos resumir o que os livros de história chamam de “O descobrimento do Brasil”, fato histórico em que os portugueses desembarcaram no “Novo Mundo”, tomaram posse das terras, tiveram os primeiros contatos com os indígenas (definidos por eles de “selvagens”) e iniciaram seu processo de exploração.

Índios Yawanawá, na aldeia Mutum, no Acre. Foto: Ricardo Stuckert

Atualmente, em 2018, após 500 anos de matança e invisibilidade social, ainda existem mais de 225 etnias ou sociedades indígenas no Brasil, com 180 línguas e dialetos distintos. Como os índios Yawanawá, da Aldeia Mutum, no Acre, que contam com cerca de 1.250 pessoas divididas em 8 comunidades que compartilham o mesmo território com o povo Katukina, com o qual mantêm uma estreita relação de amizade e afinidade.

Grupos assim— e bem distintos entre si — estão espalhados em praticamente todo o território nacional. Algumas tribos (aproximadamente 55) são isoladas, não havendo muitas informações sobre elas.

Imagem feita por Ricardo Stuckert, em 2016, de uma comunicada indígena nunca antes contactada. A foto foi realizada quando o fotógrafo sobrevoava uma região do Acre, a caminho da aldeia Caxinauá, onde faria uma sessão de fotos para o livro Índios Brasileiros. Disponível em matéria na BBC.

O Brasil é líder disparado no genocídio de índios na América Latina, e é também o país mais perigoso do mundo para quem defende índios.

Jair Bolsonaro, candidato ligado ao agronegócio, já deixou claro que considera que os indígenas são “privilegiados” e desfrutam de direitos em excesso.

Em todas as ocasiões que pode, repete e transmite esse posicionamento.

“Pode ter certeza que se eu chegar lá (na presidência) não vai ter dinheiro pra ONG. (…) Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí”. — Jair Bolsonaro

O povo indígena foi massacrado pelos portugueses para que estes se alimentassem de sua terra e depois pelo estado, que nunca aprendeu a lidar de maneira digna com o assunto. Somando o período ditatorial e democrático, o governo, fechando os olhos para algumas atitudes mas também de olhos bem abertos para outras, vem acabando com as reservas, entregando-as à Mineração, acabando com rios, matas e com toda a espiritualidade ligada a cultura indígena, construindo obras faraônicas como Belo Monte, por exemplo.

E esse povo sofrido, que já é invisibilizado, num governo Bolsonaro vai desaparecer de vez.

“Quilombola não serve nem pra procriar.” — Jair Bolsonaro

Em palestra para uma comunidade judaica, Bolsonaro disparou contra indígenas, homossexuais, mulheres, refugiados e também contra os quilombolas.

A título de informação, os quilombolas, historicamente, eram ex-escravos fugidos de fazendas e engenhos, que buscavam moradias em locais afastados para sobreviver, os chamados “Quilombos”. Eram espécies de comunidades que tinha uma organização parecida com as aldeias africanas, em que viviam principalmente da agricultura de subsistência e da pesca.¹

Até hoje, principalmente em regiões do interior do Brasil, existem quilombos que são habitados por descendentes de ex-escravos.

Mas essa história, assim como tantas outras que percorrem as veias do povo brasileiros, Bolsonaro não conhece — ou finge não conhecer.

Além de fingir não conhecer a história, ele torna a história que existe irrelevante, enterra qualquer resquício do passado e faz da sua opinião a verdade absoluta sobre o assunto. Assim, o que passou, passou, e o que importa é que, extraindo o suco de desinformação e ignorância bolsonarista, podemos chegar num conceito básico que seria mais ou menos assim: esses índios aí têm privilégios que nós não temos, mas não merecem nem estes (supostos) privilégios, nem nosso respeito.

“Se eu assumir, índio não terá mais 1 cm de terra”

Essa afirmação do presidenciável aconteceu em uma entrevista na cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul, logo antes de dar uma palestra a produtores rurais.

E se grande parte da retórica bolsonarista consiste em alegar que uma fala pode estar descontextualizada, e que tal frase “não foi bem o que ele quis dizer”, a verdade é que, no fim do dia isso não significa nada. O que importa, falando em comunicação, é o que o seu público alvo compreendeu.

E os bolsonaristas entendem e reproduzem as coisas dessa maneira.

É por isso que a gente alerta sobre a ameaça fascista.
É por isso que lembramos do movimento nazista.

Porque olhando a história, só podemos sentir medo.

Sabemos que é exatamente esse o método de legitimação das coisas.

A aura que foi se formando em volta de Hitler, por exemplo, lhe permitia ganhar votos mesmo entre o público pouco disposto a aceitar suas ideias. Ele construiu a imagem de ser o escolhido, no sentido bíblico da palavra. Obteve poder absoluto e apoio popular em pouquíssimo tempo. Apesar de matar oponentes em uma escala nunca antes vista na Alemanha, agiu da maneira que muitos alemães esperavam de um dirigente. A classe média, os industriais e os proprietários rurais saíram ilesos de sua ação.¹

Atacando as minorias, os inimigos comuns, Hitler conseguiu dar à população que o apoiava a impressão da unidade nacional que eles tanto sonhavam.²

E o processo é simples. Você seleciona um grupo, amedronta o povo para crer que este grupo representa perigo — ou que é um grupo privilegiado — , e aí ganha a aceitação necessária para que seja aceitável extermina-lo.

Afinal, se pagamos nossos impostos, adquirimos nossa propriedade e somos pessoas de bem, porque é que tem pessoas aí que querem ter “terra sem pagar”, direitos “a mais” e “privilégios” que eu não tenho?

Talvez você esteja achando absurdo, mas não é.

Eu não estou sugerindo que a partir de 2019 as tropas militares de Jair Bolsonaro avançarão sobre as terras indígenas atirando e matando todo mundo. Não estou prevendo que a população irá levantar cartazes dizendo “matem os índios porque eles merecem”.

Estou dizendo que o extermínio que já acontece silenciosamente, por meio de grilagem, expansionismo territorial e diversas outras ações cruéis, isto sim será cada vez mais naturalizado, afinal, o desprezo que o presidenciável têm pelos índios como indivíduos e como movimento é 100% declarado como nunca antes vimos.

Aí sim, finalmente, vai sobrar terra no Brasil, como gostaria Cabral.
E você sabe pra quem essas terras vão?

Eu admito que não sei, mas tenho uma certeza:

Não vai para o povo.

Confira mais trabalhos do renomado fotógrafo Ricardo Stuckert, grande disseminador da cultura indígena por meio de imagens únicas.

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Peterson Fernandes
Revista Subjetiva

@petcafer — Publicitário, antropólogo, escritor e peladeiro.