Antes que a Amazônia inflame

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5 min readOct 24, 2019

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Por Airton Paiva

Figura 1: Incêndio na Amazônia próximo a Porto Velho, Rondônia. (Ueslei Marcelino/Reuters)

A Amazônia, nos últimos meses, tornou-se manchete nos jornais do Brasil e do mundo por conta do alto índice de queimadas na região. Segundo dados do sistema de alerta em tempo real Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os incêndios atingiram estados do Norte, se estendendo pelo Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, atingindo ainda a Bolívia e o Paraguai. Foram contabilizados 66.750 focos de incêndio florestal na Amazônia entre janeiro e setembro de 2019, um aumento de 42% se comparado ao mesmo período de 2018.

O tema gerou comoção e foi amplamente discutido em todas as esferas da sociedade. Países como a Noruega e Alemanha suspenderam, em agosto, repasses financeiros para o Fundo Amazônia, principal instrumento nacional para defesa da floresta e que necessita do custeio para ações de prevenção, monitoramento e combate aos incêndios e desmatamento na região. Os cortes dos recursos se deram por conta da negligência dos principais líderes do governo no país, como do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em maio anunciou a intenção de usar dinheiro do fundo para indenizar proprietários rurais que foram desapropriados por estarem localizados dentro das unidades de conservação. A Noruega e a Alemanha foram contrárias à mudança de regras do Fundo, que atualmente não permitem o uso do dinheiro para o pagamento de indenização por desapropriação. Os governadores da Amazônia Legal se reuniram, em setembro, com representantes das embaixadas de Noruega e Alemanha, para discutir a manutenção dos repasses. Do lado norueguês, as divergências com o governo brasileiro que levaram a suspensão dos recursos do Fundo ainda não foram sanadas. O ministério do desenvolvimento alemão, após reunião com o ministro do Meio Ambiente, em outubro, confirmou que ainda pretende manter o investimento ao Fundo Amazônia.

O que chamou a atenção foram ainda as falas do presidente Jair Bolsonaro, como por exemplo, alegar que o Brasil não necessita da ajuda desses países para preservar a Amazônia e que o interesses deles é se apropriar da floresta. “Investir? Ela não vai comprar a Amazônia. Vai deixar de comprar a prestação a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”. Falou ainda que os incêndios podem estar ligados a ações criminosas, de fazendeiros e grileiros, além de acusar, sem provas, ONGs de defesa ambiental.

“O crime existe. Isso temos que fazer o possível para que não aumente, mas nós tiramos dinheiro de ONGs, 40% ia para ONGs. Não tem mais. De modo que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro. Então pode, não estou afirmando, ter ação criminosa desses ongueiros para chamar atenção contra minha pessoa, contra o governo do Brasil”, disse o presidente em entrevista ao sair do Palácio da Alvorada.

Após as declarações, diversas ONGs contraporam o discurso do presidente, como a Associação Alternativa Terrazul. Com apoio de pelo menos 18 redes e grupos da sociedade civil, a organização acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para cobrar esclarecimentos a Bolsonaro. Em outubro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, notificou o presidente a prestar esclarecimentos a questionamentos das ONGs como: a quais ONGs o mandatário se referia, e se a declaração foi baseada em alguma prova ou indício. O presidente, em resposta, disse apenas que levantou uma hipótese: “Em verdade, fui genérico. Isso porque, a referida declaração não teve destinatário certo e específico, isto é, não se referiu a alguma ONG determinada ou concretamente determinável.”

Nas redes sociais, acompanhados por apelos de diversos artistas, atletas e entidades, populares se posicionam com as famosas hashtags- um meio de interação das pessoas sobre uma mesma temática. As hashtags #PrayForAmazonia e #AmazonRainForest alcançaram números incríveis, com 3,65 milhões e 980 mil menções, respectivamente, e chegaram a ser tuitadas em mais de 150 países, de acordo com dados da DAPP-FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas). Assim, a mobilização em prol da causa atingiu uma grande audiência e ações puderam ser tomadas.

Artistas, organizações, governos dos Estados afetados se disponibilizaram com apoio financeiro para ajudar bombeiros e brigadistas a arcarem com despesas contra os incêndios. Após inúmeras críticas e pressão de opositores e até dentro do próprio partido, o presidente autorizou o uso das forças armadas para o combate aos focos para que os prejuízos nas áreas fossem amenizados.

Antes de mais nada, cobrar da figura pública do presidente, que como representante do país não pode simplesmente atacar nações e governantes de países e ainda afirmar que não necessita de ajuda com os problemas da floresta. Na situação em que se encontra a Amazônia, nossos líderes não deveriam tornar esse cenário apenas instrumento de negociações ou disputas políticas. A quebra de braço para denominar a quem pertence a Amazônia somente abre espaço para mais destruição, enquanto discussões sem sentido entram em evidência.

Antes de mais nada, reconhecer que a floresta não é apenas estatística. Deve-se trabalhar para minimizar os danos aos locais afetados e os impactos ao meio ambiente. Decerto, compreender que a Amazônia tem cultura, espiritualidade, economia, povos, ciência e tecnologia, e uma biodiversidade gigante.

Antes de mais nada, entender que a floresta é muito sensível ao fogo. O bioma amazônico é rico e abriga um sistema de vida fértil, complexo e frágil, mas nosso sentimento por ele é forte, por ser daqui, por ser nosso e, ao mesmo tempo, do mundo inteiro. Não podemos fechar os olhos. É preciso mostrar para o governo que não aceitaremos negligência e iremos sempre manifestar e cobrar por providências de conservação da Amazônia.

Antes que não sobre mais nada.

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Blog do Programa de Educação Tutorial de Comunicação da Universidade Federal do Amazonas.