Qual é a sua definição da vida privada ?
Este post faz parte de uma série de publicações relacionadas à palestra de Pierre Guillou do 26/04/2018 em Brasília sobre a Inteligência Artificial, sua realidade e seu impacte na democracia (slides, post precedente : “Quais são os impactos da inteligência artificial (IA) no mundo do trabalho ?”).
Definir a vida privada é mais difícil do que parece, porque há várias respostas dependendo do contexto : há uma variedade e também, uma elasticidade da definição de privacidade. Além disso, o escândalo Cambridge Analytica / Facebook mostrou que não tem transparência no uso de dados pessoais, e pior do que isso, que as regras são falsas.
Um direito humano fundamental
No direito internacional, o direito ao respeito pela vida privada está contido no Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948…
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
… e no Artigo 17 do seu Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos :
1. Ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação.
2. Toda e qualquer pessoa tem direito à proteção da lei contra tais intervenções ou tais atentados.
Na Europa, ele está contido também no Artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos :
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.
Um direito na maioria das leis nacionais
A maioria dos países no mundo integrou este direito fundamental num artigo da lei nacional. No Brasil por exemplo, há o Artigo 5 (inciso X) da Constituição Federal que tratou de proteger a privacidade assim assegurando:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Na França, a principal disposição sobre a vida privada em direito civil é o Artigo 9 do Código Civil francês, resultante da Lei de 17 de Julho 1970:
Toda pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada.
Além disso, obter o consentimento sobre o uso dos dados pessoais é a regra absoluta na França. Ele tem de ser explícito e de preferência escrito. Em um formulário online, pode ocorrer, por exemplo, por uma caixa de seleção desmarcada por padrão (fonte CNIL : “Respecter les droits des personnes”).
Estados Unidos e China : quando a cultura e a vigilância superam o direito à vida privada
No entanto, nos Estados Unidos (EUA), o Bill of Rights (nome coletivo das dez primeiras emendas na Constituição dos EUA) não garante explicitamente o direito à privacidade. A palavra “privacidade” nem sequer existe na Constituição dos EUA (fonte : “Pourquoi les USA et l’Europe n’ont pas la même vision de la vie privée ?”). Além disso, a diferença de ponto de vista com a Europa aumentou ainda desde o 11 de setembro de 2001 : enquanto a União Europeia tentia de fortalecer as liberdades individuais, os Estados Unidos estavam se armando com o Patriot Act.
No que diz respeito à China, a lei do 1º de junho de 2017 proíbe o anonimato na Internet e exige que as empresas, inclusive as estrangeiras, identifiquem seus usuários (fonte : “China aprova leis de vigilância na internet e censura cinematográfica”). Além disso, “muitos chineses têm atitudes ambivalentes (…) O direito à privacidade é frágil na China, principalmente por causa de um estado constitucional de direito deficiente. Alias, a expressão yinsi (“vida privada”, em chinês) evoca mais o segredo e a clandestinidade do que um espaço individual sacrossanto” (trecho do artigo “En Chine, le fichage high-tech des citoyens” (11/04/2018) do jornal Le Monde).
Uma definição mais aberta da geração redes sociais mas sem conhecimento real das consequências
Há também uma definição geracional. De fato, a geração nascida com as redes sociais e o smartphone compartilham mais sua imagem e sua vida pessoal. É como se a gente existisse porque deixa rastros que os outros comentam e amam.
No entanto, o fato que essa geração compartilha dentro de seus círculos sociais não significa que ela concorda com o uso de seus dados pessoais fora do seu controle (“Ex-boyfriend arrested for sharing nude photos of Texas teen who killed self after cyberbullying”) e que ela conhece realmente o funcionamento das redes sociais.
Uma definição pessoal com o uso de aplicações seguradas
Há também uma resposta individual a essa questão de privacidade, fora do que é definido por lei ou cultura. Na verdade, é possível não publicar informações pessoais na Internet ou usar aplicativos mais protegidos, como o Telegram.
No entanto, independentemente da nossa escolha de aplicativos ou redes sociais, a questão é se eles respeitam as regras de confidencialidade apresentadas nos termos e condições no momento da criação de sua conta e se essas regras são legais.
Escândalo Cambridge Analytica / Facebook : regras falsas no que diz respeito à vida privada
Regras de confidencialidade apresentadas nos termos e condições no momento da criação da sua conta estão respeitadas ? Essas regras são legais ?
O escândalo Cambridge Analytica / Facebook, no qual uma empresa inglesa conseguiu sugar 90 milhões de perfis no Facebook com todos os seus dados pessoais para ajudar Donald Trump em sua campanha para a presidência dos EUA, mostra que esse não é o caso. O Facebook não respeitou as regras de confidencialidade que declara em seus termos e condições.
Além disso, essas regras serão ilegais a partir do 25 de maio de 2018, pelo menos na Europa, onde um novo regulamento (RGPDP) dissociará o fato de abrir uma conta em um site da autorização dada a este site para ele usar os dados pessoais.
A resposta do Facebook ? Além dos 500 milhões de europeus, todos os outros usuários do Facebook em todo o mundo (1.5 bilhão) estarão sujeitos à lei dos EUA que não faz essa distinção … por enquanto.