Qual é a sua definição da vida privada ?

Pierre Guillou
6 min readApr 30, 2018

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Fonte da imagem : “A proteção de dados pessoais do candidato a emprego

Este post faz parte de uma série de publicações relacionadas à palestra de Pierre Guillou do 26/04/2018 em Brasília sobre a Inteligência Artificial, sua realidade e seu impacte na democracia (slides, post precedente : “Quais são os impactos da inteligência artificial (IA) no mundo do trabalho ?”).

Definir a vida privada é mais difícil do que parece, porque há várias respostas dependendo do contexto : há uma variedade e também, uma elasticidade da definição de privacidade. Além disso, o escândalo Cambridge Analytica / Facebook mostrou que não tem transparência no uso de dados pessoais, e pior do que isso, que as regras são falsas.

Um direito humano fundamental

Fonte da imagem : “Direitos Humanos, você sabe o que são?

No direito internacional, o direito ao respeito pela vida privada está contido no Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948…

Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

… e no Artigo 17 do seu Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos :

1. Ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação.

2. Toda e qualquer pessoa tem direito à proteção da lei contra tais intervenções ou tais atentados.

Na Europa, ele está contido também no Artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos :

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.

Um direito na maioria das leis nacionais

Fonte da imagem : “Palestra sobre ‘Os 30 Anos da Constituição’ abre semestre letivo de Especialização em Direito Tributário

A maioria dos países no mundo integrou este direito fundamental num artigo da lei nacional. No Brasil por exemplo, há o Artigo 5 (inciso X) da Constituição Federal que tratou de proteger a privacidade assim assegurando:

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Na França, a principal disposição sobre a vida privada em direito civil é o Artigo 9 do Código Civil francês, resultante da Lei de 17 de Julho 1970:

Toda pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada.

Além disso, obter o consentimento sobre o uso dos dados pessoais é a regra absoluta na França. Ele tem de ser explícito e de preferência escrito. Em um formulário online, pode ocorrer, por exemplo, por uma caixa de seleção desmarcada por padrão (fonte CNIL : “Respecter les droits des personnes”).

Estados Unidos e China : quando a cultura e a vigilância superam o direito à vida privada

Fonte da imagem : “My 2003 Oped on Patriot Act Lies — Baltimore Sun

No entanto, nos Estados Unidos (EUA), o Bill of Rights (nome coletivo das dez primeiras emendas na Constituição dos EUA) não garante explicitamente o direito à privacidade. A palavra “privacidade” nem sequer existe na Constituição dos EUA (fonte : “Pourquoi les USA et l’Europe n’ont pas la même vision de la vie privée ?”). Além disso, a diferença de ponto de vista com a Europa aumentou ainda desde o 11 de setembro de 2001 : enquanto a União Europeia tentia de fortalecer as liberdades individuais, os Estados Unidos estavam se armando com o Patriot Act.

No que diz respeito à China, a lei do 1º de junho de 2017 proíbe o anonimato na Internet e exige que as empresas, inclusive as estrangeiras, identifiquem seus usuários (fonte : “China aprova leis de vigilância na internet e censura cinematográfica”). Além disso, “muitos chineses têm atitudes ambivalentes (…) O direito à privacidade é frágil na China, principalmente por causa de um estado constitucional de direito deficiente. Alias, a expressão yinsi (“vida privada”, em chinês) evoca mais o segredo e a clandestinidade do que um espaço individual sacrossanto” (trecho do artigo “En Chine, le fichage high-tech des citoyens” (11/04/2018) do jornal Le Monde).

Uma definição mais aberta da geração redes sociais mas sem conhecimento real das consequências

Fonte da imagem : “Adolescentes, prevenção, safer Internet

Há também uma definição geracional. De fato, a geração nascida com as redes sociais e o smartphone compartilham mais sua imagem e sua vida pessoal. É como se a gente existisse porque deixa rastros que os outros comentam e amam.

No entanto, o fato que essa geração compartilha dentro de seus círculos sociais não significa que ela concorda com o uso de seus dados pessoais fora do seu controle (“Ex-boyfriend arrested for sharing nude photos of Texas teen who killed self after cyberbullying”) e que ela conhece realmente o funcionamento das redes sociais.

Uma definição pessoal com o uso de aplicações seguradas

Fonte da imagem : “WhatsApp vs Telegram — Best Messaging App for iOS & Android?

Há também uma resposta individual a essa questão de privacidade, fora do que é definido por lei ou cultura. Na verdade, é possível não publicar informações pessoais na Internet ou usar aplicativos mais protegidos, como o Telegram.

No entanto, independentemente da nossa escolha de aplicativos ou redes sociais, a questão é se eles respeitam as regras de confidencialidade apresentadas nos termos e condições no momento da criação de sua conta e se essas regras são legais.

Escândalo Cambridge Analytica / Facebook : regras falsas no que diz respeito à vida privada

Fonte da imagem : “Facebook stops funding campaign against US consumers’ privacy

Regras de confidencialidade apresentadas nos termos e condições no momento da criação da sua conta estão respeitadas ? Essas regras são legais ?

O escândalo Cambridge Analytica / Facebook, no qual uma empresa inglesa conseguiu sugar 90 milhões de perfis no Facebook com todos os seus dados pessoais para ajudar Donald Trump em sua campanha para a presidência dos EUA, mostra que esse não é o caso. O Facebook não respeitou as regras de confidencialidade que declara em seus termos e condições.

Além disso, essas regras serão ilegais a partir do 25 de maio de 2018, pelo menos na Europa, onde um novo regulamento (RGPDP) dissociará o fato de abrir uma conta em um site da autorização dada a este site para ele usar os dados pessoais.

A resposta do Facebook ? Além dos 500 milhões de europeus, todos os outros usuários do Facebook em todo o mundo (1.5 bilhão) estarão sujeitos à lei dos EUA que não faz essa distinção … por enquanto.

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