Reflexão sobre nomenclaturas relacionais

Pelo olhar de quem pratica Anarquia Relacional

Ana Paula Fernandes
5 min readOct 10, 2019

Faz mais de um ano que escrevi o texto Nuances emocionais dicotomizadas, aonde eu comecei essa reflexão sobre nomenclaturas na não monogamia. Lá, eu escrevi:

Quando a gente entra na não monogamia, percebemos logo de cara a dificuldade que é sair das nomenclaturas monogâmicas. A gente ainda precisa da definição de relações e sentimentos, porque isso gera segurança (que é falsa).

Eu digo que é falsa porque quando a gente começa o processo de desconstrução do amor romântico, a gente percebe a pluralidade dos sentimentos. E isso gera uma insegurança enorme porque “que caralha é essa que eu estou sentindo e que não tem nome no dicionário emocional monogâmico patriarcal?!!!”.

Nesse momento a gente geralmente tenta identificar o que sentimos pelo que já conhecemos. Mas o que a gente conhece vem da estrutura monogâmica patriarcal.

Depois de mais um ano estudando não monogamia e monogamia (porque para ser contra norma temos que entender a norma), lendo posts nos grupos não mono, conversando com pessoas que praticam a não monogamia há anos, percebi que nomes ainda é uma coluna muito pouco elaborada no rolê não mono (não monogamia na prática) porque quase ninguém ainda pensa nisso. E isso acontece porque para pensar em outras nomenclaturas tem que se pensar fora da caixa monogâmica. Só que as pessoas, dentro do rolê não mono, estão satisfeitas com namoro, amizade, marido, esposa, ficante… E isso acontece porque tem gente querendo ressignificar essas palavras.

O que para mim é muito problemático

já que a norma, o status quo social, é a monogamia. A força dessas palavras é outra dentro da nossa sociedade. É querer pegar um palavra que para 99,9% das pessoas, dentro daquela sociedade, tem um sentido, e pegar pra si um outro sentido e fingir que essas outras formas de entendimento da palavra não existem.

É criar um sentido próprio para uma palavra e ignorar todo mundo. Ignorar a linguística.

Um exemplo de como isso poderia ser diferente

é a linguagem neutra. A linguagem neutra recria uma forma real de deixar a língua fora da cisnormatividade e do machismo. Amigue, elu, delu… Essas palavras não existiam, e sendo cada vez mais usadas, fazem uma outra forma de entendimento. Amigo/amiga já existia. A letra “e” também já existia. Mas aí foi feito uma forma totalmente diferente para se adequar a uma outra forma de pensar sobre relacionamento. Sim, relacionamento, porque linguagem neutra é sim sobre relações.

Só que no rolê não mono as palavras ainda são as mesmas

não se está pensando sobre outras formas de linguagem, como no exemplo da linguagem neutra. Esta se querendo ressignificar uma linguagem normativa monogâmica, e não pensar em algo novo.

E isso não é à toa. Porque na real, as pessoas estão querendo fazer mais do mesmo, não pensando em criar outras formas de pensar relacionamento, mas sim de ficar com mais pessoas.

Sobre isso, em uma entrevista, Brigitte Vasallo disse:

… o erro básico de como estamos levantando a questão do poliamor se dá porque não estamos entendendo o que é monogamia e colocamos a questão da exclusividade no centro e, portanto, estamos reduzindo tudo à quantidade. Isso é produto do capitalismo neoliberal. Não é a quantidade, é a dinâmica, é o caminho. Isso é o que vai quebrar o sistema monogâmico, se quisermos quebrá-lo. Todo o resto é fazer monogamias simultâneas e continuar a alimentar o mesmo: a Disney ama, mas em vez de um, três.

As pessoas estão pegando algo que já existe e fazendo um pouco só diferente.

Não estão mudando a forma de fato de viver e entender relações como um todo.

Como o feminismo liberal por exemplo, que está ok com o capitalismo. Ele não quer refletir sobre as coisas além do sistema, ele só quer fingir que está fazendo mulheres cis mais empoderadas, quando na verdade o que o feminismo liberal está fazendo é mulheres cis se sentirem contempladas pelo capitalismo. ¯\_(ツ)_/¯

Eu não sei de tudo

e nem tenho domínio da língua para pensar em outros nomes.

Porém, eu não estou esperando o dicionário novo para viver novas formas de relacionamentos. Eu estou praticando, dentro das minhas possibilidades, outras formas de fazer relações, e não uso nomenclaturas monogâmicas nas minhas relações. Às vezes uso crush para me referir as pessoas com quem me relaciono, mas ainda não me contempla 100%, então, ainda prefiro usar pessoa que me relaciono.

Indicação de leitura:

Textos de Dandara Abreu, Geni Núñez, eu e o livro “O desafio poliamoroso: por uma nova política dos afetos” de Brigitte Vasallo.

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