IdentiType — A busca das marcas por uma voz tipográfica.

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7 min readSep 26, 2016

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Qual é o elemento que mais se repete na comunicação visual de uma marca? Logotipo? Cores? Tipografia?

Se você pensou tipografia, resposta certa. O motivo é simples: salvo raríssimas exceções, todas as mensagens e pontos de contato da marca precisam de texto para serem decifradas. E já dizia Paul Watzlawick que é impossível não se comunicar, mesmo as não-decisões comunicam alguma coisa para alguém.

Antes de irmos para a tipografia, vamos falar sobre marcas e pessoas

O psicanalista Carl Jung, seguindo pensamentos semelhantes de pensadores anteriores, notou na psicologia humana a existência de arquétipos, estruturas de personalidade bem definidas que se repetem nos indivíduos e que fazem parte do inconsciente coletivo.

Na imagem abaixo, é possível ver 12 deles representados. Por exemplo: o arquétipo do criador se manifesta em uma busca por inovação, que por sua vez faz parte de um desejo maior de conferir estrutura e alterar o mundo, deixando um legado. E assim se seguem os outros 11 aqui representados.

Os arquétipos de Jung. Infográfico traduzido quase que literalmente da Lauren Smith Brand Research
Arquétipos e suas principais características.

Esses arquétipos são rodeados de imagens e histórias que permitem a conexão entre pessoas por serem representativos de emoções com as quais todos nós podemos facilmente nos identificar.

Pessoas têm personalidade, marcas também.

O mesmo acontece com uma marca, que por definição é o conjunto de percepções que alguém tem sobre uma empresa/produto/serviço.

Para marcas se destacarem, elas devem se conectar e encantar pessoas. Sendo assim, faz sentido compreender seu comportamento e que linha de comunicação pode fazer com que essa conexão aconteça.

Há muito os criadores de marca aplicavam essa ideia, mesmo que por pura intuição. Eventualmente alguém fez essa conexão formal com a psicologia e começou a usar, conscientemente, essas ideias na construção de marcas. Entre os responsáveis estão Margaret Mark e Carol Pearson, que descreveram os arquétipos e os relacionaram à prática do branding em seu livro O Herói e o Fora-da-Lei.

Bingo! Estavam criados os arquétipos de marcas.

Trabalhando com uma imagem clara, histórias verdadeiras, consistentes e inspiradoras, marcas se tornaram ícones de um determinado arquétipo e conquistaram uma legião de seguidores e apaixonados. A Nike domina o arquétipo do herói, a Timberland o do aventureiro, por exemplo. As histórias que elas contam ativam na gente a vontade de vencer e de just do it ou um desejo incontrolável de viver a natureza. Não importa se a realidade é muito diferente do que a nosso coração deseja. Somos seres emocionais, a razão nessas horas passa longe!

Ok, ok. Mas viemos aqui para falar de tipografia certo? Onde ela fica nesse papo?

A reposta está no nome: Arqué-Tipos.

ArquéTipos — Letras também têm personalidade!

Sim! Elas carregam – em suas curvas, formas e contra-formas – adjetivos que facilitam a descrição de sua personalidade, que por sua vez representam com sensibilidade e sutileza os mesmos arquétipos que usamos para criar marcas. Não é pra menos: a escrita (e depois sua manifestação mecânica, a tipografia) surge como um reflexo direto da nossa necessidade de deixar uma história e passá-la para a próxima geração, que por sua vez pode transformá-la e inspirar a seguinte.

Cada uma das letras a rascunhadas como fontes que podem representar cada arquétipo.

Aqui cabe um porém: existe um risco óbvio de confundirmos os ArquéTipos com estereótipos e sermos muito explícitos na nossa intenção: estou de olho em você, Comic Sans para projetos de brinquedos infantis.

Para ilustrar, vou descrever abaixo algumas possibilidades de representação tipográfica de cada um dos arquétipos seguindo a forma arquétipo > motivação > marca representativa > possível estilo tipográfico. Lembrando que, como uma ciência nada exata, vários fatores devem influenciar suas escolhas, entre elas sua própria sensibilidade; a cultura do grupo para o qual deseja se comunicar; entender os clichês de cada indústria e evitá-los sempre que necessário para conseguir conquistar um espaço único na memória afetiva do interlocutor. Vamos nessa:

Inocente > Enxergar sempre a metade cheia do copo > Pampers > Letras feitas à mão, curvas suaves e confortáveis.
Exemplos: Manu, Omnes, quase tudo da Pintassilgo Prints

Sábio > Disseminar conhecimento > Google > Letras racionais, geométricas, mais rigorosas. Por outro lado serifadas que lembram livros, conhecimento e afins.
Exemplos: Silva, Garamond, FF Scala, FS Brabo.

Aventureiro > Explorar tudo que o mundo pode oferecer > Timberland > Letras com acabamento rústico (desgaste por uso intenso!), texturas, formas um pouco mais ousadas e incomuns podem ajudar a passar a mensagem de aventura.
Exemplos: Tudo que parecer ter sido atropelado por um 4x4, Roves. Alerta: não procure por explorer no MyFonts, os resultados que obtive foram desastrosos :).

Rebelde > Meu caminho sou eu que faço > Harley Davidson > Ousar e até mesmo exagerar nas formas. A ideia aqui é subverter o que seria a tradição tipográfica para chamar atenção pra si. Silêncio tipográfico aqui não tem vez.
Exemplos: Brother, Cera Brush

Mago > Transformar sonhos em realidade > Disney > Formas inusitadas, efeitos óticos, desafiar a legibilidade. O intuito é fazer o leitor se perguntar: como é que isso foi feito?
Exemplos: Karol, Fontes em camadas como a Bungee ou a Paintlay, formas inusitadas como a Lancelot Pro (trocadilho do nome puramente acidental!), Suttura

Herói > Salvar o mundo com coragem > Nike > Velocidade, impacto, presença. Condensadas bold, oblíquas (falsas itálicas), oblíquas invertidas e afins são escolhas que ajudam a compor um visual com o senso de urgência que só heróis compreendem.
Exemplos: Tungsten, Geogrotesque, Nitro.

Amante > Sensualidade à flor da pele > Victoria's Secret > Curvas sinuosas, caligráficas, alto contraste (vide revistas de moda como a Vogue), fontes display com hastes delicadas, finèsse. Perfumes, revistas de moda são boas referências para o universo visual de marcas com o arquétipo do amante.
Exemplos: Didot, Bodoni, Ninfa, Tenez

Comediante > Perco o amigo mas não perco a piada! > Pepsi > Letras que não se levam a sério, formas exageradas, linhas de base onduladas (tipo lettering de publicidade americana dos anos 50) podem trazer uma necessária leveza para mensagens do arquétipo comediante.
Exemplos: Quase todas as fontes divertidas da House Industries, Sorvettero, qualquer uma da OhNoTypeCo.

Comum > Tamo junto, conta comigo para o que der e vier > Obama > Fontes "pau para toda obra", que não chamam atenção demais para si mesmas, capazes de conviver bem com tipos de todas as espécies e sem preconceito.
Exemplos: Gotham, Myriad, Motiva Sans.

Prestativo > Aqui para o seu bem e conforto > Sempre Livre > Letras script, formas arredondadas. Pense em embalagens de produtos de higiene pessoal, comidas e afins. A palavra chave aqui é conforto e expressão pessoal.
Exemplos: Quase todas as scripts do Alejandro Paul.

Soberano > Quem manda nessa p***a sou eu > Mercedes Benz > Capitulares Romanas, Trajans (vide todos os cartazes de filme do planeta), Garamonds e famílias tipográficas históricas. Proporções clássicas (vide Trajan, de novo e de novo e de novo)
Exemplos: Trajan, Garamond, Sabon, Ardina.

Criador > Mudar o mundo por meio de inovação > Apple > Fontes simples com toque humanizado (vide Myriad e sans humanistas), que denotam clareza, conhecimento, criatividade.
Exemplos: FF Scala Sans e qualquer uma do Martin Majoor, qualquer coisa que o Peter Biľak fez ou endossou.

Pra resumir

A associação da personalidade de letras/fontes/famílias tipográficas com os arquétipos de marca é mais uma das inúmeras maneiras que existem de fazermos uma escolha deliberada sobre qual voz tipográfica uma marca pode carregar. A parte positiva é se associar diretamente com a própria personalidade/arquétipo-chave da marca, o que ajuda a reforçá-la nos diversos pontos de contato com o consumidor.

Criadores de marca podem se beneficiar claramente dessa ferramenta em seus projetos. E, como acontece com toda boa regra, conhecê-la faz com que a gente ganhe a liberdade para subvertê-la criativamente.

Marcas em construção estão sempre procurando por seu DNA. Para isso as ferramentas de Branding ajudam muito. Para a expressão visual deste DNA, a tipografia é sua célula-tronco, capaz de se transformar em mensagens verdadeiras, relevantes e instigantes. Para a reação acontecer é simples mas não é fácil: basta adicionar mensagens bem pensadas!

Quer saber mais: os slides da nossa palestra Identitype tem mais exemplos e uma referência de posicionamento tipográfico assunto que prometo falar em um próximo texto.

Quer achar uma voz tipográfica para sua marca, tem uma opinião diferente sobre o assunto ou quer compartilhar ideias sobre isso? Sou todo ouvidos!

Coloque esses conceitos em prática no workshop Identitype. A primeira edição é em Campinas! As vagas são limitadas e as inscrições estão abertas!

Rodrigo Saiani é type designer, fundador e diretor de criação da Plau, estúdio de identidade tipográfica que trabalha na interseção entre branding, tipografia e empreendedorismo.

As fontes da Plau podem ser licenciadas direto no site ou pelos distribuidores MyFonts, Fontspring e YouWorkForThem

Agradecimentos: ilustrações e valiosas opiniões de Daniel Rocha, Flora de Carvalho, Lucas Campoi, Carlos Mignot e Edmour Saiani

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