Congresso Futurista — para qual direção caminham as democracias?

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA GENERATIVA

Paula M Hashimoto
12 min readAug 17, 2022

Esse texto é registro de todo processo criativo do experimento Congresso Futurista, idealizado por Anderson Penha com apoio de Billy Garcia, Luca Lima Pereira e Lucas Nicolov para a disciplina Design Experimental do curso Design Estratégico e Inovação — IED São Paulo.

A partir do questionamento sobre possibilidades de projeção do futuro, o projeto inicia com a reflexão sobre a atuação do design em suas diversas escalas relacionada ao comportamento da sociedade com as novas ferramentas e dinâmicas que surgem a cada ano.

Considerando que o design estratégico tem como premissa o olhar adiante com as possibilidades criativas, a especulação sobre cenários futuros não é linear e direta, de forma que pode ser idealizada dentro de um espectro de realidades possíveis, plausíveis, prováveis e preferíveis.

Imagem do livro Speculative Everything — design, fiction, and social dreaming, de Anthony Dune e Fiona Raby

Considerando o cenário político nacional e mundial dos últimos anos, em conjunto a popularização de discussões sobre avanços tecnológicos como inteligências artificiais, realidade aumentada, metaverso, entre outros, levantam-se questionamentos sobre como será essa relação nas próximas décadas.

Seguindo essas premissas, o projeto é constituído por ensaios especulativos sobre o futuro da Democracia como conhecemos hoje com o desenvolvimento tecnológico e suas implicações.

DE ONDE VIEMOS

Uma provocação em uma simples frase deu origem a uma profundidade latente: quão livres de qualquer preceito, pré-conceito, concepção ou contexto são nossas escolhas? Quanta originalidade e liberdade criativa de fato conseguimos imprimir ao criar?

Com essa pergunta em mente e o desafio de criar um cenário político futuro em que a inteligência artificial fosse uma realidade ativa e participativa, olhamos para o passado, um passado de milhões de anos atrás, a fim de pesquisar, entender e, por que não, imaginar o que era a organização social dos primórdios da humanidade, onde o conceito de classes estava longe de existir.

A política se origina do social, dando vida a uma democracia de (im)possibilidades e desdobramentos que, conduzida pelo homem, vem incorporando a tecnologia. Foi nesse balanço que se fez o tecer do trabalho de design experimental.

Em primeiro momento, buscamos compreender como a interface tecnológica pode ser aplicada à projeções futurísticas no cenário político. A partir do estudo de referências, entramos em contato com a utilização de inteligências artificiais para diferentes finalidades, formas como a coleta de dados pode ser utilizada, como a tecnologia pode auxiliar na transparência e acesso à informações e como isso é refletido na democracia do Brasil.

Mr. Congressman | Sr. Deputado — mapeamento a partir de inteligência artificial (4 anos de dados e 513 faces e vozes para gerar a média da realidade do Congresso)
LABHacker | Projeto Câmara 360 graus — projeto experimental de transparência e imersão na Câmara dos Deputados

ONDE ESTAMOS

Extrapolamos o limite do tempo buscando superar as amarras do que conhecemos como organização social hoje, seja dentro do que vivemos, seja dentro do que aprendemos nos modelos ‘tradicionais’ de educação.

Isso nos levou aos três pilares da nossa narrativa: democracia, futuro e tecnologia e utopia. Dentro de cada um, recorremos a nuvens de palavras, por meio de um processo de taxonomia e painéis semânticos, a fim de começar a tatear melhor o que queríamos. Apesar de termos conseguido nos aprofundar um pouco, ainda nos sentíamos distantes do que buscávamos para um futuro. Nossos pés ainda não tinham deixado a superfície.

PARA ONDE VAMOS

Foi então que começamos a pesquisar sobre o futuro da política — o que já havia sido estudado, o que estava em curso, o que estava sendo especulado ou, por que não, criado, quais são e quais seriam as possibilidades e os desafios. Nos deparamos com uma série de referências e possíveis pontos a partir dos quais podíamos impulsionar nossa pesquisa.

Coletivo Delibera

“O Coletivo Delibera Brasil é uma organização sem fins lucrativos e suprapartidária que objetiva contribuir para o fortalecimento e aprofundamento da democracia brasileira, promovendo a Deliberação Cidadã, principalmente a partir de uma metodologia de ação conhecida como Minipúblico”.

“Uma vez que um aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia enfrenta um segundo teste crucial: irá ele subverter as instituições democráticas ou ser constrangido por elas? As instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. (…) As instituições se tornam armas armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia — aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia — gradual, sutil e mesmo legalmente — para matá-la”. (LEVITSKY, ZIBLATT, 2018, p.19)

ENSAIOS FUTURÍSTICOS

Com tudo isso em mãos, pegamos uma carona no design especulativo, vertente que se baseia em preceitos objetivos e lógicos para chegar em hipóteses, previsões e versões alternativas de como as coisas poderão ser amanhã ou, retrospectivamente, como poderiam ser hoje.

Essa jornada, direcionada por um modelo de mapa mental, nos permitiu passar e aprofundar no que seria um futuro político tangível — sensível, tocável — e o que seria um futuro político intangível — incorpóreo, impalpável — , aliados às possibilidades ou limitações trazidas pela inteligência artificial.

Direcionados pela utopia, começamos a desenhar o que seria um político em meio a esse contexto para, então, nos aprofundarmos no que seria o contexto político. Iniciamos o processo a partir de moodboards de personagem.

Nesse processo, nos deparamos com a necessidade de ter uma figura híbrida, que representasse toda a diversidade da sociedade brasileira, o que nos aproximou da ideia de Ibejis, divindades infantis e gêmeas associadas ao princípio da dualidade, ligados à ideia de princípio e pureza.

A criança (ou erê) simboliza renovação, esperança, sensibilidade, autenticidade e espontaneidade. Quando gêmeos, traz a ideia de interligação e unificação de opostos como frágil e poderoso, pueril e sábio, passado e futuro. Essas figuras seriam, então, a simbologia da liberdade do começo e abertura para o futuro.

“Um aspecto fundamental do motivo da criança é o seu caráter de futuro. A criança é o futuro em potencial. Por isso, a ocorrência do motivo da criança na psicologia do indivíduo significa em regra geral uma antecipação de desenvolvimentos futuros (…) É, portanto, um símbolo de unificação dos opostos, um mediador, ou um portador da salvação, um propiciador da completude”
Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo (JUNG, p. 165, parágr. 278)

Em um contexto político tão polarizado quanto o atual, o simbolismo dos Ibejis carrega principalmente o significado da dualidade, no qual os lados opostos se complementam e se policiam de forma que haja diálogo e todas as visões sejam consideradas.

Com esse ideário em mãos, recorremos ao Metahuman para personificar essas figuras binárias e complementares:

Certos de que queríamos duas imagens representativas daqueles que representariam nossa democracia futura, nos deparamos com uma dúvida que norteou nosso próximo passo: como adaptar o contexto para que duas pessoas passassem a sentar na única cadeira hoje disponível?

Revisitando o levantamento que fizemos de diversos conteúdos produzidos sobre o momento político, social e econômico do Brasil, e guiados pela certeza da necessidade de uma figura dupla, concluímos que a democracia no formato que exercemos hoje talvez não atenda nossa necessidade. Guiados por isso, fomos entender quão funcional esse modelo tem sido e nos deparamos com um evidente cenário desconfortante em que as instituições políticas da democracia representativa têm mostrado limitações para abarcar parte das demandas da sociedade.

A escancarada polarização que vivemos, proveniente do evidente distanciamento entre representantes e representados na política brasileira, potencializado pelos ataques à autonomia de instituições democráticas básicas, unida aos últimos acontecimentos políticos no país, colocaram o Brasil em um cenário de profunda instabilidade política.

O sistema presidencialista nacional convive com sistemas partidários frágeis, fragmentados e cada vez mais desacreditados, o que compromete o princípio de representação política, afeta as condições de governabilidade e fragiliza a legitimidade do regime.

“Há uma tendência de repensar a democracia dado o mal-estar político e econômico no mundo. As pessoas estão cada vez mais descontentes e querem chacoalhar o sistema, mudar tudo”.
(Riordan Roett, cientista político)

Se, por um lado, o diagnóstico envolve a quebra de confiança em governos e elites políticas tradicionais, por outro, confirma a profunda insatisfação dos cidadãos com o desempenho de instituições fundamentais do regime democrático, como os partidos e os parlamentos, apontando para sintomas de colapso do sistema representativo.

De acordo com uma pesquisa da Latinobarômetro de 2018, de todos os países latino-americanos, o Brasil é o segundo país do continente que tem os mais altos índices de desconfiança dos cidadãos dos partidos políticos, atrás apenas de El Salvador.

Com esse diagnóstico em mãos, direcionados pelo fato de que, em um contexto democrático, pessoas com diferentes crenças e visões devem não só conviver entre si, como dialogar e exercer uma função social, ousamos projetar, para 2050, um modelo que propõe e proporciona uma participação mais próxima e efetiva das pessoas, cujo funcionamento acontece por meio da co-gestão da coisa pública entre governo e povo.

Nesta democracia participativa, cidadãos são educados e empoderados a participar ativamente da vida política, os representantes, em si, são facilitadores, o que traz a queda do poder executivo hoje conhecido, e a tecnologia, mais precisamente a inteligência artificial, tem um papel central na operacionalização desse sistema.

Fruto de uma co-criação do grupo baseada em toda pesquisa feita e projeção utópica desenhada, a timeline acima tenta sintetizar a evolução que será vivenciada de hoje até 2050 a partir de em uma atualização sequencial do modelo democrático, acompanhada da evolução e aprimoramento da tecnologia.

Daqui a 30 anos, esperamos (e desejamos) estar vivendo em um contexto mais igualitário e transparente a partir de uma estrutura social mais horizontal, baseada na confiança e compartilhamento, em que a segurança e saúde pública são uma realidade, direcionadas por uma economia circular proveniente de um sistema sustentável e acessível.

No modelo proposto, que nomeamos democracia participativa generativa, o poder de pleitear e argumentar em prol de ideias e propostas que fazem sentido para o povo é encabeçado por mini públicos, escolhidos de forma randômica, com a ajuda da inteligência artificial, formando microcosmos da sociedade no que hoje seria a câmara.

Vale mencionar aqui que nos inspiramos no modelo proposto pelo Coletivo Delibera. Além disso, esse TED do autor e ativista Brett Henning passa pelo que imaginamos ser esse processo e traz exemplos de iniciativas similares que estão sendo implementadas em todo o mundo.

O caminho percorrido por essa ideia é ilustrada pelo fluxograma abaixo:

É importante mencionar que a inteligência artificial, participante onipresente em todas as etapas do nosso processo político futuro, se dá em forma de GAN: uma classe de IA constituída de dois componentes principais, o discriminador e o gerador.

Para ilustrar, ainda que de forma breve o funcionamento dessa configuração, podemos dizer que uma delas é treinada para mentir (como o bandido de um filme hollywoodiano) e a outra para descobrir (papel exercido pelos policiais), em um jogo que permite que elas se desenvolvam e aprimorem juntas.

Esse conceito de dualidade se conecta com o imaginário de figura híbrida e dupla com a qual flertamos no início do nosso processo criativo e, ao mesmo tempo, nos trouxe a liberdade de desapegarmos do formato ou aparência humana que achamos ser necessário para nossos personagens.

OS EXPERIMENTOS

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL — MIDJOURNEY

Com o desenvolvimento do processo criativo, nos deparamos com o desafio de materializar o contexto que projetamos e as figuras dos facilitadores da nova democracia participativa generativa.

Contamos com a orientação e auxílio de Billy Garcia para nos introduzir ao universo da inteligência artificial na geração de imagens em alta qualidade, através do Midjourney. A ferramenta funciona como um tradutor de inputs de palavras-chave ou frases para geração de imagens conforme seus algoritmos, explicando de forma bem sintética.

Sendo assim, o Midjourney foi imprescindível para a visualização do futuro dentro da realidade que prospectamos, pois possui a capacidade de sintetizar conceitos não relacionados de maneiras plausíveis e transformá-los em imagens existentes. Nosso próximo desafio seria elaborar inputs precisos para que essa tradução correspondesse à projeção futurista criada em nosso imaginário.

Para estruturar a linha do tempo que idealizamos até o ano de 2052, imaginamos marcos históricos no cenário político e tecnológico brasileiro durante a evolução da nova democracia facilitada por inteligência artificial e então, utilizamos a ferramenta para ilustrar cada acontecimento.

Como a proposta de governo da democracia participativa generativa questiona sobre como são tomadas as decisões, consequentemente questiona-se o local no qual residem tais debates atualmente. Novas dinâmicas refletem na configuração e características dos espaços, sendo assim utilizamos diferentes prompts para materializar esse novo local que abrigará as sessões de deliberação dos mini públicos:

Enfim, após ensaios e elucubrações sobre a forma que os facilitadores digitais deveriam se manifestar nessas sessões para as pessoas, concluímos que não deveria ser estática ou permanente, mas sim ilustrar entre os dois extremos do objeto de discussão e traduzir esteticamente conforme o consenso/decisão seja atingido, similar ao funcionamento de um gráfico.

“Muitas formas de governo foram tentadas, e serão testadas neste mundo de pecado e aflição. Ninguém finge que a democracia é perfeita ou onisciente. De fato, diz-se que a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras formas que foram testadas de tempos em tempos”.

Winston Churchill (1874–1965), estadista, militar e historiador britânico

Alinhados à afirmação de Reinhold Niebuhr, filósofo americano de 1892, de que “a capacidade do homem para a justiça faz a democracia possível, mas a inclinação do homem para a injustiça faz a democracia necessária”, percorrer toda essa jornada nos deu a oportunidade de aprender, nos desenvolver e, por que não, emancipar, principalmente por todo o conteúdo que consumimos sobre política e tecnologia, mas, ao mesmo tempo, nos deixou com uma inquietação: a tecnologia é uma via possível e segura para garantirmos mais diversidade de ideias e ideais quando olhamos para aqueles que são responsáveis pelas regras que regem o modelo político que reproduzimos há mais de 40 anos?

Trabalho realizado por: Amanda Bolzoni, Gabriel Pereira, Paula Hashimoto, Renata Saback e Thiago Cruz

Turma: EST2021.2A | Pós-Graduação em Design Estratégico e Inovação

--

--