A gestão dos resíduos sólidos no combate à mudança climática

PNUD Brasil
8 min readJun 29, 2022

--

Você sabe como o lixo que produzimos está relacionado com a atual crise climática? E o que pode ser feito para melhorar seu manejo? Para impulsionar a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), realizou-se a 1ª Conferência Internacional de Resíduos Sólidos (CIRSOL) em Recife, Pernambuco, entre os dias 16 e 18 de março de 2022.

A Conferência promoveu um debate amplo entre a academia, instituições públicas e privadas, e governos. Como trata-se de um tema de alta relevância para organizações locais­, municípios e estados, houve participação ativa desses atores na CIRSOL, destacando-se os desafios enfrentados pelo Estado de Pernambuco, frente à expansão da desertificação devido à crise climática, e pela cidade do Recife, considerada a 16ª capital mais ameaçada do mundo pela elevação dos níveis dos mares e que, em abril e maio de 2022, sofreu graves perdas após fortes chuvas.

Cerimônia de abertura CIRSOL / Foto: CIRSOL

Diante desse cenário, o Governo de Pernambuco e a Prefeitura do Recife atuam pela redução da emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE), ao mesmo tempo que cooperam com entidades nacionais e internacionais para intensificação dos esforços de mitigação. Durante a cerimônia de abertura da CIRSOL, Paulo Câmara, governador de Pernambuco, destacou que “os governos subnacionais têm um papel estratégico, oferecendo capilaridade e senso de urgência [na mitigação e combate à crise climática], fazendo com que a pauta climática atinja mais segmentos e pessoas”.

A atuação dos governos locais na pauta é relevante não apenas por sua capilaridade, mas também pela sua responsabilidade no manejo e descarte dos resíduos sólidos, conforme estipulado pela PNRS. De acordo com a Política, governos locais devem definir diretrizes e operacionalizar o descarte dos resíduos sólidos por meio do Planos Estaduais de Resíduos Sólidos e dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, respectivamente.

Entretanto, é fundamental ressaltar que o descarte e manejo adequados passam por todos os setores de nossa sociedade, incluindo também a sociedade civil e entes privados, além do trabalho essencial de cooperativas e catadores. Neste sentido, o evento reuniu diferentes atores como o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

O PNUD Brasil apoiou a integração e troca de conhecimentos entre os atores nacionais e internacionais, aglutinando múltiplas parcerias para um trabalho conjunto . Para Maristela Baioni, representante-residente assistente para o programa do PNUD Brasil, “[a CIRSOL] é a chance de estados e municípios compartilharem experiências, bem como propiciar um intercâmbio com as boas práticas internacionais”.

Stand no centro do Recife/ Foto: Chico Porto — CIRSOL

Os desafios e oportunidades da gestão de resíduos sólidos

O descarte e manejo de quantidades crescentes de resíduos sólidos se tornou um grande desafio, principalmente para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Consequentemente, o estabelecimento de práticas de gestão de resíduos é um dos pilares para o desenvolvimento sustentável, principalmente ao considerar a crise climática.

Os resíduos sólidos contribuem diretamente para as emissões de GEEs por meio da geração de metano (CH4) em aterros sanitários e da emissão de óxido nitroso (N2O) em locais de incineração. Ambos os gases possuem alto potencial de aquecimento global: o metano tem potencial de aquecimento 28 vezes maior que o dióxido de carbono (CO²), enquanto o óxido nitroso possui potencial de aquecimento cerca de 300 vezes maior.

Somando à rápida e intensa urbanização do país, os resíduos sólidos urbanos também contribuem ao desafio apresentado. Sua disposição irregular causa contaminação dos solos e da água, além de promover a disseminação de doenças como dengue, leptospirose e outros. Dados de 2018 da Abrelpe evidenciaram que 40,5% do total de lixo coletado foi despejado inadequadamente em lixões ou aterros controlados.

Neste contexto, observamos que o Brasil ainda possui um grande desafio pela frente. De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, o país produz cerca de 79,1 milhões de toneladas de resíduos por ano. Ao considerarmos os demais países da América Latina, somos o maior gerador de lixo, representando cerca de 40% dos resíduos totais gerados na região. Somando aos desafios, apenas 13% dos resíduos são encaminhados para a reciclagem, de acordo com o IPEA.

Porém, os resíduos sólidos também apresentam oportunidades econômicas. A utilização de materiais recicláveis como matéria-prima para produção pode auxiliar na redução de custos, além do setor ter grande potencial de inovação e estar em expansão, devido a necessidade de converter e erradicar locais de destinação inapropriados, como os mais de 2 mil lixões a céu aberto ainda presentes no Brasil.

Simultaneamente, a gestão de resíduos sólidos eficaz impulsiona a conquista de múltiplas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 6 (Água limpa e saneamento) e o ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis). Ao ter consequências para as dimensões ambiental, econômica e social, a pauta é um acelerador chave para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, além de apoiar na redução das desigualdades.

Uma oportunidade de diálogo e ação

Durante a cerimônia de abertura da CIRSOL, Katyna Argueta, representante residente do PNUD Brasil, destacou como “a gestão do lixo é um dos maiores desafios para o desenvolvimento sustentável da América Latina e do Caribe. A CIRSOL é uma grande oportunidade para inovar e elaborar propostas que mostrem ao mundo que a conciliação das preocupações sociais, econômicas e ambientais são completamente possíveis”.

Para abarcar os múltiplos desafios e oportunidades, a CIRSOL contou com uma programação extensa: foram mais de 175 palestrantes e cerca de 50 mesas realizadas em 3 dias de evento. Toda a programação atraiu cerca de 17.500 pessoas, sendo que 13.500 acompanharam o evento pelos canais virtuais e 4.000 presencialmente em Recife.

Considerando o foco do evento e suas proporções, um item não poderia passar em branco: a geração e compensação de carbono do evento. Durante a Conferência foram mais de 7.252 kg de carbono gerados, projetando a necessidade do plantio de 52 árvores para compensação ambiental. Para mitigar tais impactos, os organizadores da Conferência distribuíram 330 mudas e enviaram 350 kg de resíduos para a Biorrefinaria Experimental de Resíduos Sólidos Orgânicos da UFPE, além de 200m2 de material reciclável para cooperativas.

Compensação da emissão de CO2 / Foto: CIRSOL

Entre os debates promovidos pela CIRSOL, uma das mesas de destaque foi “Resíduos e clima: emergência socio-ambiental e emissões de GEE a partir do resíduo”. Com participantes da sociedade civil, iniciativa privada e academia, o painel introduziu como os resíduos sólidos contribuem para a emergência climática. Apesar dos resíduos serem responsáveis por apenas 4% das emissões de GEE à nível nacional, foi destacado como a perspectiva muda de acordo com a localidade: os resíduos urbanos podem ser responsáveis, por exemplo, por 30% das emissões de um município, como é o caso de Recife. De tal forma, é essencial que a sensibilização seja local e focando em um principal ponto: a redução da produção dos resíduos.

Completando a programação, discussões sobre o papel dos catadores e exemplos de boas práticas de municípios trouxeram experiências presentes em nosso dia-a-dia. Enquanto o debate sobre a necessidade de reciclagem frente à crise climática cresce, Sebastião Carlos dos Santos, dirigente do Movimento Eu Sou Catador, destacou como a atividade de catadores surgiu não a partir de uma perspectiva ambiental ou econômica, mas sim a partir de uma esfera social ante a pobreza e desigualdade existentes no país. Assim, é essencial incluir a categoria na discussão, inclusive para garantir condições de trabalho dignas e remuneração justa, afinal 90% do material reciclado no Brasil passa pelas mãos de catadores em algum momento da destinação dos resíduos.

Isabella de Roldão, vice-prefeita de Recife, destacou como “a junção do científico com a vivência é que vai fazer com que a gente consiga dar os passos certos para transformar o caminho com o qual a humanidade vem lidando”. Para a vice-prefeita também é necessário repensar o consumo e que já não é mais possível continuar vivendo como se existisse planeta B.

Mesa de debate / Foto: Pedro Caldas — SEMAS/PE

A Conferência tornou-se um marco não só por ser inédita, mas também por lançar diferentes mecanismos de comprometimento para manejo dos resíduos sólidos. Lançada no evento, a Carta de Pernambuco reafirma o compromisso dos signatários em promover a consciência da sustentabilidade ambiental, criar mecanismos de cooperação e facilitar a colaboração para implementação de boas práticas na área de resíduos sólidos. Com assinatura dos 21 correalizadores, a carta pode ser acessada em sua íntegra aqui.

A CIRSOL também lançou o primeiro Observatório Brasileiro de Resíduos Sólidos, para fortalecer o legado da conferência e contribuir com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ana Paula Rodrigues, Presidente do Instituto de Cooperação Internacional para o Meio Ambiente (ICIMA), destacou como “a CIRSOL já nasceu grande, com envolvimento de 21 correalizadores e muitos parceiros com o desejo de contribuir. Percebemos que ela se encerra ainda maior. O Observatório já acompanhará a Carta de Pernambuco”.

O futuro é agora

Com ampla participação, a CIRSOL teve como objetivo construir um legado, promovendo ações que permitam que leis e marcos regulatórios sejam melhorados e aperfeiçoados. Por meio da Carta de Pernambuco e do lançamento do Observatório de Resíduos Sólidos, a perspectiva é que o Brasil passe a ter ferramentas efetivas para realizar o monitoramento e planejamento eficaz da gestão dos resíduos sólidos a partir dos próximos anos.

O futuro que se deseja é que diferentes entidades consigam promover o desenvolvimento sustentável, incluindo a prática de políticas descentralizadas, educação ambiental e modelos de negócios sustentáveis que são essenciais para alcançarmos os resultados da Agenda 2030. O PNUD Brasil se orgulha em fazer parte dessa trajetória, facilitando a cooperação entre diferentes entes federativos e organizações, além de impulsionar a capacidade técnica nacional.

--

--

PNUD Brasil

A página do PNUD Brasil no Medium mudou. Siga e acompanhe nossos novos materiais em https://medium.com/@pnudbrasil.