Regulação de serviços públicos como oportunidade para reduzir desigualdades

PNUD Brasil
7 min readAug 25, 2023

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Momento de entrega da Tarifa 10— Crédito: Crédito: Arquivo/Água de Manaus

Você já pensou que o fortalecimento das agências reguladoras pode apoiar diretamente na promoção dos direitos das mulheres e da população negra? Ao atuarem em prol do interesse público, as decisões regulatórias impactam em nosso dia a dia e, ao incorporarem novos olhares, têm potencial para melhorar o acesso de grupos sociais vulneráveis a direitos como saneamento, transporte e eletricidade.

Criadas a partir da segunda metade da década de 1990, tais agências possuem o papel de fiscalização, regulamentação e controle de produtos e serviços prestados aos usuários. Em situações como a pandemia de COVID-19, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) realizou um papel central na aprovação de vacinas para a população brasileira.

Nesse sentido, o PNUD, em parceria com a Controladoria Geral da União (CGU) e o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), apoia o programa QualiREG por meio do projeto de Cooperação Técnica Internacional “Ampliação da Capacidade Institucional para a Regulação no Brasil”, que acabou de passar por Revisão Substantiva tendo a sua vigência ampliada até dezembro de 2025. A iniciativa possui como objetivo sensibilizar os governos e os reguladores sobre a importância da adoção de boas práticas regulatórias, além de fortalecer a capacidade institucional regulatória dos órgãos nacionais e subnacionais por meio de estudos comparativos, capacitações, intercâmbios e eventos.

Como destaca Moema Freire, Coordenadora da Unidade de Governança e Justiça para o Desenvolvimento do PNUD, o projeto possui grande relevância uma vez que “um sistema de regulação efetivo e inclusivo é essencial para o contínuo crescimento e desenvolvimento sustentável do país, o que se relaciona diretamente com o mandato do PNUD”.

Essa cooperação técnica inédita no país também reforça o vínculo com a justiça social e o esforço em não deixar ninguém para trás. Ao considerar o impacto da regulação na vida de brasileiras e brasileiros, o projeto de cooperação também procura definir novos parâmetros para a transversalização de gênero e raça para a qualidade regulatória

Crédito: PNUD Brasil

Regulação para todas e todos: transversalizando gênero e raça

O Brasil conta com acúmulo importante sobre a transversalização de gênero e raça nas políticas públicas em áreas que vão desde o planejamento, passando pela formulação e implementação de programas até a avaliação. O campo da regulação dos serviços públicos, todavia, tem se mantido distante dessa realidade.

“Identificamos na parceria com a CGU uma oportunidade de inovação. Tínhamos clareza de que trazer as perspectivas de gênero e raça para a regulação gera serviços públicos mais adequados aos direitos da população, uma vez que os dois aspectos são estruturantes das desigualdades no Brasil”, explica a oficial nacional para os temas de Gênero e Raça do PNUD Brasil, Ismália Afonso. O objetivo dessa parceria — de acordo com ela — foi apoiar o Estado para que consiga ampliar sua entrega em termos de igualdade de gênero e raça.

De acordo com Janaína Penalva, consultora responsável por apoiar a elaboração da estratégia de transversalização de gênero e raça, “a adoção de lentes que tornam visíveis as diferenças entre as pessoas é um movimento que transforma todo o funcionamento e as relações entre as pessoas e as instituições”. Assim, as lentes de gênero e raça se tornam essenciais para mensurar como mulheres e a população negra são impactadas diretamente no desenvolvimento de normas, programas e contratos, e como marcadores sociais podem dificultar o acesso aos serviços públicos.

Para começar a trilhar este caminho, que envolve uma mudança profunda de mentalidades e de como realizar a prática regulatória, foram desenvolvidos estudos sobre raça, gênero e regulação — seus conceitos, normativas, práticas e iniciativas nacionais e internacionais. Com base nestes estudos, foram propostas estratégias de comunicação, sensibilização e um Plano de Ação (Roadmap), com o intuito de trazer a perspectiva de gênero e raça especialmente à regulação de infraestrutura, destacando a relevância da transversalização nas políticas públicas.

Durante a IV Semana de Discussões Técnicas sobre Regulação, realizada de 14 a 18 de agosto, Carlos Roberto Ruchiga, coordenador do Programa, observou que “ao falarmos sobre os [cidadãos] regulados, não estamos falando apenas em números, mas em pessoas que requerem nossa atenção”.

Durante o evento, enfatizou-se como as estratégias e Plano desenvolvidos no marco do projeto partem do princípio que as estruturas sociais são desiguais, realizando uma reflexão crítica necessária sobre a governança regulatória e a promoção da participação da sociedade civil neste âmbito.

Visita da equipe do projeto de cooperação técnica internacional, Carlos Roberto Ruchiga (coordenador) e Janaína Penalva (consultora), à Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados e Contratados do Amazonas (Arsepam)

Dividido em três eixos, a proposta de Plano de Ação define objetivos, ações e responsabilidades na promoção da igualdade de gênero e raça no ambiente regulatório. Posteriormente, será desmembrado em um roteiro com ações passo a passo para apoiar na atuação das agências e outras entidades governamentais (seja a nível nacional ou subnacional).

Conforme destacado por Janaína Penalva, a ideia é que todos estes passos criem condições “para que os reguladores da atividade econômica no Brasil, seja qual for o setor, incorporem a seguinte indagação em todas as suas atividades: qual realidade social importa para governança regulatória? Quem são as pessoas que estão recebendo os benefícios de uma boa regulação e quais são as comunidades, grupos e populações que estão sofrendo consequências inapropriadas (ambientalmente, por exemplo) ou que não têm acesso à serviços públicos de qualidade?” [1]

Ainda que o Plano esteja em fase de desenvolvimento, tais perguntas já começaram a ser feitas e respondidas em Manaus, por meio de parceria com a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman).

Tarifa social de água em Manaus beneficia mulheres chefes de família e vítimas de violência doméstica

Com objetivo de promover o acesso de todas e todos a serviços essenciais, a Prefeitura de Manaus, a concessionária Águas de Manaus e a Ageman, instituíram a Tarifa Manauara, que concede 50% de desconto às famílias em situação de vulnerabilidade. Em 2023, uma nova etapa foi iniciada: a implementação da Tarifa 10, uma cobrança unificada de R$10 nas contas de água e de esgoto para certos segmentos populacionais.

Desenhada para contemplar famílias em situação de extrema pobreza cadastradas no CadÚnico, a Tarifa 10 também contempla os seguintes grupos: (i) mulheres no exercício do poder familiar ou mulheres vítimas de violência doméstica; (ii) famílias com pessoas com 60 anos ou mais; (iii) famílias com crianças de até 12 anos incompletos; (iv) família em que a principal fonte de renda é constituída pelo BPC; (v) famílias que vivem em áreas precárias. Entretanto, foi por meio do QualiREG e atuação direta do PNUD e CGU que mulheres foram incluídas entre os grupos beneficiários.

Dona Ronilde Soares, participante da Tarifa 10 — Crédito: Arquivo/Água de Manaus

Durante visita técnica à Ageman para acompanhar o desenho da Tarifa 10, o PNUD e a CGU recomendaram a inclusão da perspectiva de gênero e de raça como critério na definição dos grupos beneficiários, já que as mulheres enfrentam maiores desafios no acesso à água e à renda. Assim, após vinte dias, a Tarifa foi lançada também incluindo requisitos que considerassem as diferenças de gênero. A concessionária Água de Manaus estima que 28 mil famílias serão incluídas na Tarifa 10.

A inclusão de mulheres vítimas de violência entre o grupo de beneficiárias e beneficiários ocorre em um contexto em que a violência possui relação direta com a redução da capacidade de geração de renda da mulher. De acordo com o Relatório Executivo II da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF), [2] ser vítima de violência doméstica possui impacto negativo em atividades como a capacidade laboral, a produtividade e o salário-hora da mulher, além de contribuir para a instabilidade das vítimas no mercado de trabalho.

Assim, espera-se que a medida contribua na promoção dos direitos de um grupo constantemente marginalizado e, por muitas vezes, composto por mulheres negras. Sendo importante destacar que tais efeitos custam caro não apenas para as mulheres vitimizadas, mas também para a economia do país e fornecimento de serviços públicos.

Assim, o QualiREG, projeto de cooperação técnica internacional entre CGU, PNUD e UNOPS, se torna mais um importante pilar na promoção de mudanças estruturais para combate à desigualdade de gênero no Brasil. Para alcançar uma sociedade mais igualitária e inclusiva, o PNUD Brasil também apoia governos nacionais e subnacionais no empoderamento econômico e fortalecimento de liderança de mulheres e meninas em todo território nacional. Saiba mais sobre nosso trabalho em: www.undp.org/pt/brazil

[1] Fonte: “Produto III: Estratégia de comunicação, formação e sensibilização dos atores envolvidos no QualiREG para a promoção da perspectiva de raça e gênero em projetos de regulação de infraestrutura” desenvolvido por Janaína Penalva para o QualiREG.

[2]CARVALHO, J. R.; OLIVEIRA, V. G.; Violência Doméstica e seu Impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres. Fortaleza, 2017. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2017/11/violencia_domestica_trabalho_ago_17.pdf

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