Como a curva de mortes da gripe espanhola cresceu no Rio de Janeiro, em 1918?
Hoje, 4 de abril, atingimos 10 mil casos de COVID-19, ainda nos encontramos no início. A curva está começando a subir e este é um momento crítico. A análise desses números em pandemias anteriores podem nos ajudar a compreender melhor o que nos espera. Como foi essa ascensão em 1918?
Dados estatísticos sobre a gripe espanhola são dispersos e muito complicados. Mas analisando alguns dados dos relatórios ministeriais e notícias de jornais do Rio de Janeiro, podemos ver alguns dados interessantes, que devem ser trabalhados com cuidado.
O primeiro dado que apresentamos é sobre as mortes diagnosticadas no Rio, entre 1915 e 1919. Os dados são da Direção de Saúde Pública e estão nos relatórios ministeriais de 1916 a 1920.
Essa tabela mostra apenas os dados totais. Além dos casos de gripe, tem as duas doenças que mais matavam no Rio: tuberculose pulmonar e problemas no aparelho digestivo.
A partir desses números, podemos observar o gráfico de evolução de mortes no Rio de Janeiro entre 1915 e 1919. Fica fácil perceber que a participação da gripe na elevação da curva do número de mortes em 1918. A linha branca é o total de casos, a laranja os casos de gripe.
Outros dados interessantes são apresentados nos jornais. São dados do total de enterros realizados em cada cemitério da cidade entre 12/10 e 11/11 de 1918. Os dados eram fornecidos pela polícia do Rio e vinham diariamente das administrações dos cemitérios.
Estes dados não são de todo exatos, devido a inúmeros problemas de testes, padronização de parâmetros, entre outros. Diferem ligeiramente, por ex, do relatório apresentado acima. Estes problemas existem ainda hoje, com casos subnotificados e pessoas que morrem sem o diagnóstico.
Eram os dados que as autoridades tinham que lidar com e eram os números passados à imprensa da época para informar à população o que se passava na cidade. Os dados são assustadores, totalizando mais de 13.500 mortes só neste período de 30 dias.
O gráfico do número de enterros por dia durante este período mostra uma curva muito acentuada. O número subiu espantosamente de 12 enterros, em 12/10/1918, para 1.059 enterros em 25/10/1918. Após esse dia, o número de enterros declinou lentamente.
Os casos de gripe foram responsáveis por 36% das mortes na cidade do Rio. Nos anos anteriores, não chegava a 2,5%. E esse aumento se deu em um espaço de pouco mais de 30 dias. E é aí que está o problema.
Quando você ouve alguém dizer: “mas tal doença ou tal fato mata mais que a COVID19 e ninguém fala nada”, esta pessoa não está percebendo um detalhe importante. As pandemias anteriores nos ensinam que este aumento acontece de maneira repentina.
Em um mês, havia centenas, milhares de pessoas internadas nos hospitais, sendo enterradas nos cemitérios. A curva subiu acentuadamente. Não havia medidas de isolamento social nem de resguardo de distância. As pessoas se aglomeravam em filas por comida e remédios.
As autoridades públicas causavam também aglomerações, os enterros eram realizados sem equipamentos de proteção e o contágio foi fulminante. É exatamente isso que não podemos ter agora.
Atualmente, temos falta de EPIs, de testes e ainda autoridades públicas provocando aglomerações. Só nos resta uma saída para evitarmos uma escalada absurda da curva como foi a da espanhola. Isolamento. Fotos de Nelson Almeida e Sérgio Lima (AFP).