Como a gripe espanhola afetou os esportes em 1918

Está acompanhando as discussões e opiniões do “volta” ou “não volta” do futebol? Na época da pandemia de gripe espanhola, o futebol e o turfe (corrida de cavalos) eram os esportes que atraíam multidões. Qual foi o impacto da pandemia nesses esportes em 1918?

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7 min readMay 8, 2020

Essa pesquisa foi realizada com apoio do pessoal do Stadium UFSM, com pesquisas de Edu Costa, João Malaia, Matheus Donay, Tai Lima e Tassiane Freitas.

Em 1918, jogos, provas e campeonatos foram cancelados. Realizamos aqui um panorama em seis cidades brasileiras: Recife/PE, Rio de Janeiro/DF, São Paulo/SP, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS e Santa Maria/RS.

Um dado pra ter em mente durante a leitura: os dirigentes dos clubes de corridas de cavalo das elites urbanas, diferente dos dirigentes do futebol, tinham grande espaço na política. Por exemplo, Paulo de Frontin, que foi presidente do Derby Club (RJ), prefeito do RJ e senador.

Em Recife, o Jockey Clube cancelou as corridas de cavalos a partir de 9/10/1918, quando o número de mortes começou a aumentar. O jogo de futebol Torre x Sport do dia 6/10 foi adiado. Vários jogadores do Sport tinham a “hespanhola” e o campeonato foi suspenso dias depois.

O Jockey voltou a organizar corridas dia 3/11 com arquibancadas ditas “bem frequentadas por famílias da boa sociedade recifense” 🤦. A Liga Suburbana de Futebol voltou dia 10/11. O diretor da Higiene de PE solicitou que os grandes clubes voltassem apenas em dezembro.

Cartas chegam aos jornais criticando o tratamento diferente dado ao futebol e aos outros espetáculos públicos. O campeonato voltou apenas dia 8/12 e se encerrou apenas em 1919. Enquanto o futebol parou 60 dias, o turfe parou apenas 25.

No RJ, a principal liga de futebol da cidade decidiu suspender o campeonato dia 21/10. O último jogo antes da paralização ocorreu 13/10. O campeonato só voltou dia 8/12, um mês e meio depois, mas no dia 1/12, uma multidão foi ver o amistoso Flamengo x Corinthians.

Os dois principais clubes de corrida do Rio, o Jockey e o Derby, realizavam corridas em domingos alternados. O Derby cancelou apenas três corridas, nos dias 27/10, 15/11 e 24/11. Já o Jockey cancelou só uma, 3/11.

Em SP, o principal campeonato de futebol da cidade foi suspenso 6/10. Em 12/10, um jogo entre as seleções paulista e carioca levou multidões ao estádio em SP e às praças no Rio. Os paulistas venceram. As multidões ajudaram a espalhar o vírus nas duas cidades.

Em 21/10, O Combate publicou 2 notícias em sequência: o Jockey Paulistano organizava a corrida com “regular concorrência”. Já no futebol, o tratamento foi diferente: a polícia impediu torcedores de entrarem nos estádios, cancelando a rodada, e a Liga de futebol decidiu adiá-la.

As corridas no Jockey foram suspensas no final de semana seguinte e só voltaram dia 1/12. Já o futebol da Liga só voltou dia 15/12.

Em Curitiba, no dia 21/10 a partida de futebol América Paraná X Água Verde foi a última, muitas reuniões discutiam pedidos para que os jogos voltassem apenas em meados de dezembro.

A última das Grandes Corridas no Jockey Club acontece dia 26/10 e só voltam a aparecer, ao menos no jornal, em abril de 1919. A cobertura do jornal A República sobre a suspensão do turfe em 1918 não foi muito completa.

Em Porto Alegre, o campeonato de futebol da cidade já havia terminado. Já a Sociedade Protetora do Turf Portoalegrense suspendeu as provas entre os dias 7/11 e 8/12, deixando os porto alegrenses um mês sem corridas de cavalo.

No interior do RS, em Santa Maria, importante entrocamento ferroviário do estado, a gripe chegou no final de outubro, e com ela somem dos jornais partidas de futebol e provas de turfe. Esse recorte é do Diário do Interior.

As provas de turfe tentam voltar no início de dezembro, mas por falta de competidores não acontecem, provavelmente um rescaldo da pandemia. Só na metade do mês de dezembro ressurgem notícias sobre atividades de clubes de futebol.

Se compararmos os dados de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, que interromperam seus campeonatos durante a pandemia, veremos que o tempo que os clubes de corrida ficaram parados foi bem menor comparado com as principais ligas de futebol.

Além desses jogos, a primeira competição de futebol internacional oficial no país, o Campeonato Sul Americano de Futebol, seria disputada em novembro de 1918, no RJ. Só aconteceu em maio de 1919. Essa história é longa e ainda vamos publicar mais sobre ela, então aperta follow aí.

Durante estes períodos de paralisação dos eventos esportivos, um acontecimento chama a atenção nas notícias da imprensa. Iniciativas de clubes cedendo seus prédios para instalação dos “hospitais de campanha”.

Em SP, além do hospital provisório do Club Athletico Paulistano, a principal iniciativa coube ao Palestra Itália. A sede do clube, na Rua Libero Badaró, n. 81, transformou-se em um hospital da Cruz Vermelha, com 81 leitos, todos lotados em 2 dias.

Diretoras da Cruz Vermelha foram à redação do Correio Paulistano agradecer o jornal e “fazer um apelo a todas as sociedades esportivas e de outros generos constituídas nesta capital para que, a exemplo do que fez o Palestra Italia, auxiliem também a ação da CV”.

Outras iniciativas foram tomadas por diversas associações esportivas. Encontramos exemplos de doações em dinheiro do Fluminense/RJ, Corínthians/SP, Derby Club/RJ.

Atualmente, os clubes de futebol profissional vêm protagonizando capítulos da história da nova pandemia. Desde doações de clubes e torcidas organizadas, até reduções de salários de jogadores e funcionários e a discussão sobre voltar ou não às competições e de que maneira.

Na Espanhola também foi assim. Os clubes voltaram primeiro aos treinos, depois aos jogos amistosos e depois oficiais. Já as corridas de cavalo mal pararam e voltaram logo depois.

Muitos atletas adoeceram e faleceram, como foi o caso do jogador João Cantuária (RJ) e do jockey Joaquim Coutinho (RJ).

O tratamento foi diferente não apenas em 1918. As provas de turfe hoje, apesar de não despertarem mais a paixão de multidões, seguem acontecendo sem público presente. Tem transmissão ao vivo no Youtube e apostas virtuais.

Nos próximos dias, assistiremos intensas discussões sobre a volta dos esportes, principalmente do futebol. Esta discussão está inserida em uma discussão maior, de saúde pública e isolamento social.

Durante a pandemia, temos publicado diversas threads sobre questões como essa. Se chegou agora, dá uma olhada nas outras publicações.

Esperamos que os que detém o poder no futebol usem a ciência para balizar suas decisões, e não as planilhas de valores de anunciantes. Enquanto isso, pela proteção de todos nós, ficamos em casa.

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Divulgação científica em história. Uma produção da Universidade Federal de Santa Maria.