Duas cidades, duas curvas: SP e RJ tomaram medidas diferentes em 1918, qual das medidas salvou mais vidas?

Durante a gripe espanhola, como atualmente, diferentes regiões tomaram diferentes medidas para conter o avanço da doença. Nesse texto analisamos as curvas de mortes de SP e de RJ e comparamos dados sobre medidas de isolamento e restrição de aglomerações nas duas cidades.

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6 min readApr 14, 2020

Lembra daquele estudo que citamos, no nosso último texto, disponível aqui, sobre a comparação das morte nas cidades dos EUA? Os autores relacionaram a curva às medidas de isolamento tomadas em cada cidade. Hoje, vamos mostrar um exercício semelhante, comparando as cidades do Rio e de São Paulo.

Em 1918, SP tinha cerca de metade da população do Rio. Essa tabela mostra dados relacionados aos óbitos nas duas cidades. A população total foi retirada do censo de 1920. Os dados da população total foram obtidos nos relatórios do governos estaduais do RJ e SP para o governo federal, de 1918.

O Rio de Janeiro teve as taxas de mortalidade geral e de gripe 25% superior às de São Paulo. O que pode ter causado estes números?

O modelo do estudo dos EUA nos ajuda a pensar. O que São Paulo fez de diferente do Rio foi uma combinação de antecipação de medidas de isolamento, a permanência e abrangência das mesmas.

Em SP, os óbitos começaram depois do RJ. Mas as medidas de isolamento foram tomadas mais cedo. A seta no início da curva indica a data do 1º óbito por gripe. As barras abaixo da linha do tempo indicam a duração das medidas de isolamento.

No RJ, as escolas fecharam quando se anunciavam 85 vítimas. Quase todos os teatros fecharam por 20 dias. Quase todos os cinemas, com poucos funcionários, seguiam funcionando. O esporte seguia seu calendário normal. Note a diferença de escala no eixo vertical, o número de mortes.

Em São Paulo, no dia seguinte às primeiras mortes todas as escolas públicas foram fechadas. Dois dias depois, cinemas e teatros fecharam. Muitos jogos de futebol foram suspensos pela polícia.

Outra diferença: apesar de, nas duas cidades, as escolas paralisarem e encerrarem o ano letivo que se aproximava do fim, no Rio, as atividades de entretenimento não pararam. Até mesmo no caso dos teatros, que decidiram fechar, houve quem abrisse.

Lembram das procissões no Rio de Janeiro do post anterior? Pois é. Em São Paulo, o arcebispo da Cúria Metropolitana Paulista proibiu as procissões pela cidade. Ou seja, com poucos óbitos notificados, São Paulo já tinha parado escola, cinema, teatro, futebol, turfe e procissões.

Os gráficos abaixo, inspirados no artigo que citamos, ilustram bem esses dados. A curva no Rio de Janeiro sobe e desce muito rápido (um mês). A curva de São Paulo, devido à menor circulação do vírus, achatou: subiu e desceu em dois meses.

Este fato trouxe maior superlotação dos hospitais cariocas, o que diminuiu as condições de tratar os doentes, qualquer doente, aumentando a taxa de mortalidade geral também.

Vamos comparar os números apresentados de duas cidades norte-americanas que tomaram atitudes semelhantes a cada uma das cidades brasileiras. Pittsburgh agiu como o Rio de Janeiro. Já São Paulo, tomou medidas como as de Nova Iorque.

Como os casos aconteceram antes nos EUA, o tempo de resposta aqui foi menor. Mas as condições das cidades brasileiras geraram taxas de mortalidade maiores. Os gráficos das cidades americanas sobrepostos mostram como as medidas de isolamento impactaram nas curvas de mortalidade.

Comparando as cidades por país, vemos que, assim como Pittsburgh, o Rio demorou mais do que São Paulo a tomar medidas. E as duas cidades tiveram medidas mais brandas de isolamento, o que resultou em serem aquelas com maior taxa de mortalidade.

Já SP e NY responderam mais rápido que Pittsburgh e Rio, respectivamente. Nova Iorque adotou uma quarentena de 73 dias, gerando uma taxa de mortalidade muito menor que a Pittsburgh. Em SP, foram 51 dias sem cinema, teatro e futebol.

Como tem sido explicado insistentemente na atualidade, quanto antes se toma medidas de isolamento, menores serão as taxas de mortalidade no final. Quanto mais isolados ficamos, menos gente vai para o hospital, mais vidas são salvas.

Uma das vantagens que temos no Brasil é que alguns governadores estaduais tomaram muito cedo medidas de isolamento. Apenas para termos uma ideia, este é o gráfico total de mortes no Brasil até 9.4.2020 relacionado às primeiras intervenções.

Compare os gráficos de Brasil e Espanha em relação ao primeiro óbito e momento da tomada de medidas de isolamento. De novo, a seta no início da curva indica a data do 1º óbito por gripe. Dá para perceber que tomamos medidas bem antes.

O problema é que ficar em isolamento muito tempo pode nos trazer uma falsa sensação de que os números não crescem tão rápido como em outros lugares que não tomaram medidas cedo, como a Espanha. Ledo engano.

A tabela com os números da atual pandemia está longe de se completar. Mas os números que temos inicialmente para o Brasil, mostram que, ao contrário da Espanha, iniciamos com bons indicadores.

Quanto maior a distância entre a primeira morte e o pico de mortes, menor é a taxa de mortalidade. E para isso são necessárias, entre outras coisas, que as medidas de isolamento durem bastante tempo.

Se estamos nos resguardando e os números não crescerem rapidamente é justamente porque este é o caminho certo a seguir. Nossas medidas e atitudes modulam todos os dias os números dessa curva. Temos que ter força para continuar.

Este texto foi produzido com dados de diversos jornais do Rio, dos jornais Correio Paulistano e O Combate e dados dos relatórios do governo de 1918. Colaboraram Amanda Schirmer de Andrade e Eduardo Bordinhao (discentes da graduação em História da UFSM).

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Divulgação científica em história. Uma produção da Universidade Federal de Santa Maria.