Em 1850, uma epidemia de febre amarela atingiu o Brasil

Essa epidemia ficou conhecida como “febre califórnia”, pois os primeiros infectados chegaram dos Estados Unidos. Antes da microbiologia, o entendimento médico sobre contágio era diferente, se acreditava que as doenças eram transmitidas pelo “miasma”.

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5 min readMay 8, 2020

Essa thread foi produzida pelo professor André Fertig, professor de Brasil Império e Teoria da História no departamento de História da UFSM.

O contágio iniciou em setembro/1849 quando tripulantes de um navio de Nova Orleans (EUA) desembarcaram em Salvador com sintomas. Daí o nome “Febre califórnia”. A primeira imagem é uma charge estado-unidense, a outra é a lista de doentes de febre amarela da Santa Casa da Bahia.

No final de 1849, um navio vindo da Bahia desembarcou pessoas contaminadas pela doença no Rio de Janeiro. Na imagem, a Academia Imperial de Medicina, nos “Annaes Brasilienses de Medicina” fazia um balanço dos infectados.

A resposta do governo imperial foi muito lenta, somente depois da pior fase da epidemia. Em setembro de 1850, criou-se a Junta de Higiene Pública para implementar políticas públicas de combate à epidemia.

90 pessoas faleceram da doença em um único dia (15/03) na cidade do RJ. No total, 90 mil contaminados e 4 mil mortos.

Tal qual hoje, adotou-se a quarentena, para os navios vindos do norte do Brasil, e destinaram-se hospitais para os doentes como o Lazareto da Ilha Bom Jesus na Baía de Guanabara, na foto.

Formou-se uma comissão de autoridades e médicos para estabelecer medidas. Entre os médicos dessa comissão estava José Pereira Rego que, depois da epidemia, em 1851, publicou a “História e descrição da febre amarela epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em 1850

Entre “as curas para o mal”, a quinina! Muitos anúncios de supostos remédios. Um dos remédios ditos “milagrosos” foi o sulfato de quinina, substância de composição próxima a atual polêmica cloroquina. Falamos sobre ela em outro texto, sobre curas.

Nos “Annaes de Medicina Brasiliense”, da Academia Imperial de Medicina, comentava-se sobre o uso de quinina.

O conhecimento médico da época acreditava que as doenças eram transmitidas pelo ar, os “miasmas”, “ares pútridos e fétidos”. No desordenado espaço urbano do Rio de Janeiro, os cortiços insalubres e condições precárias de higiene eram considerados causadores da doença.

O médico Paula Cândido, na Câmara dos Deputados, em 23/08/1843, alertava para o perigo dos miasmas:

as pessoas que vivem constantemente mergulhadas nesse oceano miasmático têm suas funções orgânicas sujeitas a moléstias próprias e peculiares a tais circunstâncias. Ajuntai a isto a circunstância imprevista de se acumular um grande número de cadáveres nas igrejas nas crises epidêmicas, e tereis redobrado a ação da causa.

A teoria dos miasmas fundamentou políticas higienistas, as reformas urbanas e intervenções na saúde pública defendiam o afastamento dos pobres — denominados de “classes perigosas” — do centro da cidade. Na imagem, a rua do morro do Castelo, que desapareceu depois das reformas.

O jornal “O Despertador Municipal”, em 21/08/1850, dizia: “A tal febre não se importa que tenham dinheiro ou não, que sejam grandes ou pequenos”, para salientar que a doença não fazia distinção social. Mas, quem tinha “pernas robustas” fugia, por exemplo, para Petrópolis.

Em 1850, a causa e transmissão da doença eram ignoradas. Havia pouco conhecimento acerca de microrganismos como vírus e bactérias, não se sabia que mosquitos como o Aedes Aegypti eram e são os principais vetores de transmissão da doença.

Mas, na década de 1870, no jornal O Mosquito, já se desconfiava que o inseto era o culpado: “está descoberto o bicho”.

Como a Covid-19, a febre amarela começa como uma gripe: dores de cabeça, febre, dores musculares, náusea e vômitos. Depois provoca febre alta, sangramentos internos, convulsões, choque anafilático, icterícia (pele e olhos amarelados), falência de órgãos e pode levar à morte.

A vacina, principal prevenção, foi desenvolvida apenas em 1937. É importante para prevenir surtos e obrigatória para viagens à zonas endêmicas.

Mesmo que tenha sido considerada erradicada do Brasil na 15ª Conferência Pan-Americana de 1958, a febre amarela teve significativa reincidência no Brasil atual, conforme dados do Ministério da Saúde.

Como sugestão de leitura sobre as epidemias no Rio de Janeiro do século XIX indicamos o livro do historiador Sidney Chalhoub, “Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial”.

Inclusive, o Sidney estava com o Átila Iamarino em live no dia 28 de abril. Dá pra assistir aqui:

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Divulgação científica em história. Uma produção da Universidade Federal de Santa Maria.