Terço de Prata (poesia)

Arthur Louzada
3 min readFeb 2, 2024

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‘The Rosary’ (detalhe) por Beatrice Offor, c. 1890.

Juradas as flamas santas do argento
No silêncio de um nume sem Verdade,
Procura vitória na castidade
Em sacerdócio puro, mas sedento

No desespero do desgosto a glória
É muito buscada sem paga ofensa.
Funda d’alma pura a empírea sentença
Que do sepulcro não se faz simplória

Mas o Céu não desiste da vitória,
Em faíscas, amor é proferido
Embora exaurido, nunca é partido,
Tácito voto não foge à memória

E retumba o lume do sumo Rei
E espelha no objeto a sapiência
Um vago murmúrio de Sua Ciência
Guia a obra do metal de Sua lei

Como poderia haver outro guia
Além daquilo que é a Verdade?…
Complete com teu louvor a Trindade
Que o tecido da mentira desfia

Contudo por que argênteo e não áureo?
Quando a Santidade é Tudo e maior?
O ouro não seria assim melhor?
Digo que Nada seria mais sábio

Divino Poder é áureo e obscuro
É mosaico que não se pode ler
Em lampejo manifesto sem ver
Um guia oculto e sério, porém puro

Já seu louvor ditoso em sacro rito
Gera uma Luz fria como a noite
E em seu adorno não produz açoite
Mas a aguda humildade do Infinito

Um vínculo sagrado assim é feito
De espada santa, crucifixo e prata
De lascívia, sacrilégio e sonata
Onde o desígnio é mais que um conceito

A oração não é feita no discurso,
Constitui ainda mais vastidão,
Não necessita de voz ou de mão
Nem de caminho p’ra fazer percurso

A Verdade não é caminho ou vida
Não é arbusto em chamas ou a Morte
Nem p’ra falta de sentido um suporte
Não é resposta, solução, medida…

A Verdade é ligar e separar
No modo como Tudo se organiza.
Verdade não decreta nem batiza,
Mas da Ordem e do Caos faz o amar

E no âmago do Universo o nexo
‘Inda inerte em coro celestial
Rende música e clangor sem final
No lascivo sobe o vulto perplexo

Entrega e abre a alma na promessa.
E a maior de todas as criações
Enfrenta todos os dias dragões
Num sofrimento que não há quem meça

A alma não carece de valentia
Dá Tudo ao vate sem Nada pedir
Não há desate que a faça franzir
Nem males que lhe quebrem a rebeldia

Porém o alfanje seria leal?
Assim como a vaidade é retilínea,
Majestosa mas atroz é a insígnia.
Quem atém cada ponto cardeal?

A alma resigna no terço o pecado
Conhece o falso da fátua madeira
Que com fogo do Real faz fogueira
Em placidez e joelho dobrado

Mas inda perdida no pravo abismo
Arcabouço vil por anjos guardado
O trabalho sacro por furor forjado
Não derrama na taça de cinismo

De tão atilada peça a feitura
Derrama do Céu rubro como Sangue
Mas a certeza não há quem balance
Pois nela até desordem se faz pura

Nunca dantes houve mais leal luta
Que não exige pecúnia ou dor
Além de uma gratidão sem temor
E de minúcias sutis a prescruta

E esse solene objeto sem forma
É imune a todo engano de falsário
E mais divino que qualquer rosário,
Derrota qualquer arrogante horda.

Brada em estrondo que o mundo comove
Grita o sangue sincero da sua prece
Sorve, inspira o fogo que te aquece
E reza p’ra cada gota que chove

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