Adendo — Arquipélago Gulag
Um resumo histórico
Optei por incluir este adendo para que seja mais fácil situar o momento em que Soljenitsin esteve preso, bem como contextualizar melhor a história da Rússia.
Quando fiz as primeiras pesquisas minha intenção era entender como um país inteiro havia caminhado para um estado de perseguição tão insano.
Construí uma linha do tempo para facilitar. Segue abaixo:
Este resumo obviamente não esgota todos os detalhes e nuances. Caso tenha algum comentário, fique à vontade para enviar uma mensagem.
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No século 19, durante o período imperial russo, começaram a surgir vários protestos contra o império. A Rússia não havia se modernizado como os demais países e o feudalismo persistia.
Houve, após tais protestos, medidas que favoreceram a posse da terra, abolição da servidão e estímulo a modernização via investimentos estrangeiros. Isso acarretou uma migração do campo para as cidades e também uma imigração de pessoas de países próximos para trabalhar nas indústrias. Mas em ambos os locais, campo ou cidade, as pessoas continuavam miseráveis.
A nova classe operária essencialmente inglesa e francesa, passou a se organizar em partidos e reivindicar melhorias, essencialmente por meio da implantação do socialismo na Rússia. Os mencheviques (minoria) acreditavam que essa transição poderia ser pacífica. Os bolcheviques (maioria), liderados por Lenin, queriam a deposição do czar e implantação imediata do socialismo.
O czar (imperador) reagia aos protestos com medidas antiterroristas, restringindo direitos civis e a liberdade de imprensa.
Em 1895, Lenin foi preso e exilado na Sibéria.
Tantos conflitos enfraqueceram o poder imperial, ocasionando a criação do parlamento (duma) e posteriormente a abdicação do trono pela monarquia. Nesse período (1905–1917), a Rússia entrava na primeira guerra mundial, em auxílio a sua aliada Sérvia, e Lenin deixava o exílio.
O parlamento inicialmente tinha a representação de um príncipe, liberais, socialistas democráticos, além de grupos populares (petrogrado). Mas havia dificuldade em governar devido à grande escassez de alimentos e revoltas, lideradas por bolcheviques e soldados, contra a participação da Rússia na guerra.
Para combater as revoltas, o comandante do exército organizou uma repressão, mas a liderança do governo o depôs temendo que na verdade fosse um golpe militar. Isso enfraqueceu ainda mais a imagem do governo.
Em outubro de 1917 os bolcheviques, que já vinham se organizando, conseguem tomar Petrogrado (capital da Rússia nesse período) e instituem vários decretos populares: abolição da propriedade privada, redistribuição de terra, a saída da Rússia da primeira guerra, salário mínimo, jornada de trabalho e abolição da pena de morte.
Nesse período tudo parece que vai dar certo, mas não é bem isso que acontece. A imprensa “burguesa” é censurada, a pena de morte volta a ser autorizada e fica estabelecido o unipartidarismo. Só o Partido Comunista (antes chamado de Partido Operário Social Democrático) poderia existir.
O Conselho de Comissários do Povo forma o Exército Vermelho e várias guerras civis entre pró e contra bolcheviques começam a surgir e duram até 1922.
Em 1918 Lenin foi ferido numa tentativa de assassinato e um período de prisões e execuções se inicia.
Após um intenso período sangrento, Lenin muda seu foco e decide investir no crescimento econômico (1921). A Nova Política Econômica (NEP) é criada para estimular investimentos estrangeiros. Internamente, os kulaks (camponeses ricos) começam a ser perseguidos e mortos.
Em 1922 Stalin é indicado por Lenin para o cargo de secretário-geral do Partido Comunista. Nesse mesmo ano, a URSS é formada unindo Rússia, Ucrânia, Belarus e Transcaucaso.
Em 1924 Lenin morre e Stalin se torna líder. Seu principal rival, Trotksi é afastado do poder e exilado nos anos seguintes. As ideias de Trotski eram de que o objetivo final da revolução e a conciliação em prol desse objetivo deveriam ser maiores que os conflitos partidários. Para Trotski, os intelectuais eram importantes, para Lenin, os operários.
“Todos grupos hostis ao bolchevismo — os liquidadores, os renuncistas, todas as matizes de conciliadores — mostraram-se absolutamente incapazes de lançar raízes na classe operária. Daí Lenin tirou a sua conclusão: ‘Unicamente no curso da luta contra tais grupos pode o verdadeiro Partido Social-Democrata dos operários constituir-se na Rússia’” (TROTSKY, 2012, 425)
Um outro importante intelectual comunista, Antonio Gramsci, neste período está lutando contra o Fascismo italiano. Gramsci familiarizava com as ideias de Trotski.
Foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano e foi eleito deputado em 1924. Em 1926 manifestou, por meio de uma carta, sua indignação contra a perseguição interna entre membros do Partido Comunista na Rússia. Stalin intensificava a perseguição contra os membros de outros partidos socialistas, dissidentes do Partido Comunista ou qualquer um que considerasse inimigo. Essa diferença de posição na forma de dominação geraram, mais tarde, novas análises sobre a melhor maneira de concretizar a revolução do proletariado.
Gramsci, após perseguições de Mussolini, foi detido e condenado a 20 anos de prisão. Durante os quase 10 anos de pena que cumpriu, escreveu os Cadernos do Cárcere. Os escritos Gramsci trouxeram uma nova interpretação das ideias de Marx. Ao contrário de Lenin e Stalin, Gramsci defendia que a revolução do proletariado não poderia ser por meio da força, mas sim pela revolução ideológica. ²
Caso queira fazer um comparativo de que tipo de ação comunista é mais cruel e efetiva (luta ou revolução ideológica), ouça o podcast a seguir:
http://www.portalcafebrasil.com.br/podcasts/629-os-cadernos-do-carcere/
Voltando a nossa linha do tempo:
Em 1928 Stalin abandona a NEP e adota uma nova constituição, baseada na ditadura do proletariado, na propriedade da terra e dos meios de produção pelo Estado.
A partir daí o governo passa a definir metas de produção, confisco de propriedades privadas e morte de kulaks.
De 1932 até 1938, milhares de mortes são atribuídas a fome devido a coletivização forçada e aos expurgos dos conspiradores favoráveis a Trotski, dissidentes do PC, das forças armadas e governo.
Em 1939 começam os conflitos entre a URSS e Alemanha nazista. Soljenitsin, autor do Arquipélago Gulag, serviu como comandante na Segunda Guerra Mundial, num batalhão de artilharia, chegando a receber duas medalhas por sua coragem. Em fevereiro de 1945, foi preso por criticar Stalin em cartas trocadas com um amigo.
Em 1947, a Guerra Fria e tensões com o ocidente.
Stalin morre em 1953 e é sucedido por Nikita Khruschov, secretário-geral do Partido Comunista.
Só em 1962 Soljenitsin é liberto. Em 1970 ele ganhou o prêmio Nobel de literatura, mas não podia sair do país para ir a cerimônia. Quatro anos depois ele foi exilado por ter escrito o Arquipélago e finalmente pôde receber o prêmio.
Em 1990 o escritor deve sua cidadania devolvida, no entanto, só em 1994 volta à Rússia.
Em 1991 a URSS é dissolvida.
Soljenitsin morreu em 2008.
“O meu clamor seria ali ouvido por umas duzentas ou quatrocentas pessoas — e os restantes duzentos milhões?… Eu sonho confusamente em que haverei alguma vez de gritar a duzentos milhões…”
Referências e links interessantes:
https://www.politize.com.br/revolucao-russa-entenda/
https://www.youtube.com/watch?v=fUoPnvUDRZw
² http://www.puggina.org/artigo/convidados/o-pensamento-de-gramsci/1698
³ https://blog.esquerdaonline.com/?p=6578 : TROTSKY, Leon; COGGIOLA, Oswaldo. Stalin: Biografia — Estudo preliminar de Oswaldo Coggiola. Editora Livraria da Fisica, 2012, São Paulo.
