Diversidade étnica e cultural em pauta: qual é a importância da Demarcação de Terras indígenas?

Povos Originários
6 min readNov 19, 2018

--

Conheça os pontos positivos da demarcação e como ela é realizada no Brasil

Kévin Sganzerla*

A realidade do povo indígena vai muito além de pautas decorrentes das tribos na Amazônia, muito conhecidas pela sua expressiva luta e resistência. Percorrendo a BR-470, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, os motoristas se deparam com diversas barracas improvisadas, feitas de lona. Observando mais de perto, as condições insalubres refletem o descaso da etnia indígena no Brasil já inserida à sociedade em geral.

Os Caingangues estão há mais de dois anos esperando que o local se torne, de fato, uma aldeia indígena, porém, o desejo das 18 famílias que ali estão de cultivar suas tradições em condições dignas esbarra na burocracia e parece estar longe de ser concretizado. Os indígenas recebem doações como colchões e agasalhos; as crianças, para irem à aula, precisam se deslocar a pé; os homens trabalham como auxiliares nas plantações da região, principalmente na colheita da uva, enquanto que as mulheres fabricam artesanato para comercializar no centro da cidade. No local, o acampamento possui apenas requisitos básicos de sobrevivência, como água encanada e energia elétrica, nada mais que isso.

Foto: Felipe Nyland/Agencia RBS

Em situação contrária, a poucos quilômetros do acampamento de Bento Gonçalves, na cidade de Farroupilha, há a única aldeia indígena na Serra Gaúcha. São 15 casas construídas, além de uma escola de madeira, dispostas em forma circular no terreno, e uma estrutura de alvenaria, no centro, com banheiros comunitários.

Com a aldeia, o trabalho de ordenamento fundiário é muito mais facilitado, uma vez que o local também abriga índios que passam temporariamente na Serra, principalmente na colheita da uva. A regularização deste espaço próprio para os indígenas contribui para a política de ordenamento fundiário do governo, seja em razão da redução de conflitos pela terra, seja em razão de que os Estados e municípios passam a ter melhores condições de cumprir com suas atribuições constitucionais de atendimento digno aos cidadãos, atendendo as especificidades dos povos indígenas.

As condições na aldeia indígena de Farroupilha são completamente diferentes àquelas encontradas em Bento Gonçalves, mesmo que a falta de matéria-prima para a fabricação de artesanato seja um problema, porém não tão urgente como os observados na cidade vizinha.

Foto: IFRS — Farroupilha

Além do ordenamento, a demarcação garante, sobretudo, a garantia da diversidade étnica e cultural no Brasil. Previsto no Art. 24, inciso VII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é dever da União e das Unidades Federadas a proteção do patrimônio histórico e cultural brasileiro. As terras indígenas são um belo exemplo para a preservação de nossa história. Com a manutenção de seus modos de vida tradicionais, saberes e expressões culturais únicos, as terras indígenas enriquecem o patrimônio cultural brasileiro e contribuem para a construção de uma sociedade pluriétnica e multicultural.

As expressivas discussões na câmera de deputados e no senado quanto à demarcações de terras e a questões de concessões na Amazônia têm se tornado cada vez mais frequentes. Porém, diversas associações lutam pela reflexão da população quanto à importância das terras indígenas nestas localidades, sobretudo na Floresta Amazônica. A sociedade nacional e mundial beneficia-se com a demarcação das terras indígenas, visto que tal medida protetiva contribui para a proteção do meio ambiente e da biodiversidade, bem como o controle climático global. Segundo dados da PPCDAM — Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, as terras indígenas representam as áreas mais protegidas ambientalmente localizadas em todos os biomas brasileiros.

Além disso, a demarcação de terras indígenas é especialmente importante para os povos indígenas isolados, que optam por não manter qualquer relação de contato permanente com a sociedade nacional, vivendo de modo completamente autônomo em ambientes que conhecem em profundidade. Devido à situação de isolamento voluntário, esses povos são especialmente vulneráveis a doenças e epidemias. Desse modo, ao executar uma política de proteção territorial diferenciada voltada a povos isolados, pautada pela premissa do não-contato, o Estado brasileiro evita o genocídio, nos termos da legislação nacional e internacional.

Como funciona o trabalho de demarcação de terras indígenas no Brasil

Terra indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por eles utilizada para suas atividades produtivas, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, e não um conceito civilista de propriedade privada. O procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória, portanto, não é criada por um ato constitutivo. Ela é reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988.

No Brasil, existem 672 terras indígenas em processo de demarcação, representando quase 13% do território nacional, além de 144 áreas em estudo, segundo informações da Fundação Nacional dos Índios (FUNAI). Cabe à FUNAI demarcar, assegurar, fiscalizar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas e estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas. A Fundação também tem o papel de defender as comunidades indígenas, de despertar o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas coisas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras, impedindo as ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos.

Com base na legislação vigente: Lei 6001/73, o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, a Portaria/MJ nº 14/96 e o Decreto 1775/96 que orientam a regularização fundiária indígena, a demarcação ocorre da seguinte forma:

1 — DELIMITAÇÃO: O início do “Processo de Regularização Fundiária” se subdivide nas seguintes fases:

- Classificação de demandas: A definição dos limites de uma terra indígena tem início com o recebimento de reivindicações vindas de comunidades, que são analisadas, classificadas e aprovadas pela FUNAI, sendo nomeado um grupo de trabalho composto de antropólogos e técnicos nas áreas de Cartografia, Agronomia, Ambiental e outros conforme a necessidade.

- Procedimentos cartográficos: A delimitação da terra indígena inicia-se através da definição dos locais de interesse, feita pela comunidade indígena envolvida. Feito isso, é apresentada uma proposta de delimitação.

- Declaração de Posse Indígena: A proposta de delimitação é composta dos Relatórios: Antropológico, Cartográfico, Fundiário e Ambiental. Quando aprovada, é publicada no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado e, após o prazo estabelecido para as contestações, o Ministério da Justiça emite Portaria declarando a posse permanente indígena e determina a execução da demarcação física.

2- DEMARCAÇÃO: A demarcação física é feita apenas nas linhas secas, através de abertura de picadas, implantação de marcos e placas indicativas e medição topográfica e geodésica. Os limites naturais são definidos através de conversão digital das cartas topográficas. Em seguida é elaborado o mapa e o memorial descritivo da demarcação.

3- REGISTROS: A última etapa do processo de regularização fundiária é o encaminhamento do mapa e do memorial descritivo para Homologação do Sr. Presidente da República e posteriormente, para os Registros nos Cartórios das comarcas e na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Pelo fato de ser um ato administrativo, quando a terra é “declarada” pelo Ministério da Justiça, o título da propriedade é considerado nulo. O proprietário, por exemplo, o fazendeiro, perde o direito a terra e tem direito à indenização apenas pelas benfeitorias, sendo um dos casos mais frequentes de conflitos.

  • Estudante de jornalismo

Referências Bibliográficas:

http://www.scielo.br/pdf/his/v35/0101-9074-his-35-00075.pdf

https://ww2.ibge.gov.br/confest_e_confege/pesquisa_trabalhos/CD/palestras/534-4.pdf

http://www.direito.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=255

--

--