Minha experiência como Líder Técnica — parte 2

Bruna Pereira
Creditas Tech
Published in
8 min readNov 3, 2019

Versão em inglês aqui.

Há pouco mais de um ano publiquei um artigo sobre a minha experiência como líder técnica. Hoje, depois de diversas experiências diferentes que se somaram, eu escrevo esse artigo sobre liderança de modo geral.

Daniel Goleman, estudioso das ciências comportamentais, diz que o que faz um líder ser bem sucedido é a sua inteligência emocional. Eu consigo pensar em alguns exemplos de profissionais tecnicamente competentes que falharam na tarefa de serem bons líderes justamente porque não tinham boas habilidades de inteligência emocional.

Passei então a observar as minhas atitudes enquanto líder e guiar meu comportamento e minhas tomadas de decisão baseada nessas habilidades que, segundo o Goleman, são:

  1. Autoconhecimento — autocrítica para melhoria contínua
  2. Autocontrole — gerenciamento das emoções
  3. Motivação — disposição para melhorar
  4. Empatia — entender a perspectiva de outras pessoas
  5. Destreza Social — construir relações de confiança

Para cada uma delas irei compartilhar uma experiência que me deu a possibilidade de praticá-las.

Autoconhecimento

Para mim, particularmente, essa foi uma habilidade que eu sempre tive uma certa destreza. Me entendo como uma pessoa muito ciente das minhas fraquezas e fortalezas, mas sempre usei a cultura de feedback como um termômetro para garantir que a minha percepção era a mesma, ou ao menos parecida, com a de pessoas ao redor.

No último time no qual eu fui líder técnica, as pessoas fizeram uma espécie de entrevista comigo. Elas queriam me conhecer melhor e garantir que as minhas capacidades técnicas eram compatíveis com as necessidades do time. Eu não senti em nenhum momento que deveria dizer que sabia algo além do que eu realmente sabia.

Um passo importante para o autoconhecimento é ficar confortável quando você não sabe. Se não saber de algo te deixa desconfortável, você pode cair na armadilha de tentar saber tudo e burlar o seu cérebro até você acreditar que sabe algo que, no fundo, sabe bem superficialmente. Se eu sei que não sei, eu vou delegar tarefas ou pedir ajuda, sem medo de parecer vulnerável ou incapaz.

Outra característica do autoconhecimento é a capacidade de assumir riscos. Certa vez, nos juntamos (eu, líderes de outros dois times e os nossos líderes) para decidir o desenho organizacional desses três times. Era um momento chave para essa mudança e, na minha opinião, aquele não era o momento de tomar uma decisão segura, mas arriscar na opção que caso funcionasse, nos traria mais benefícios. Eram 3 times de desenvolvimento separados trabalhando para o mesmo produto. O tempo gasto em comunicação e sincronia com os três times era gigantesco e isso estava atrapalhando a entrega. O meu ponto era que se diminuíssemos o total de pessoas em 30% e tivéssemos apenas um time, o tempo que economizaríamos por ter esse trabalho paralelo seria equivalente à diminuição que fizemos. Era um movimento super arriscado, mas eu estava muito segura de que aquilo era o melhor a ser feito. Eu sabia que se o plano desse errado, a culpa cairia sobre mim, mas isso não me impediu de proseguir com o que eu achava que era certo, mesmo que o restante das pessoas estivessem dividas em 2 grupos: os que não se opunham a mim mas também não compraram a briga, e os que achavam que essa ideia era insana e que ela não tinha a menor chance de dar certo.
No final, colocamos o plano em prática e não poderíamos ter sido melhor sucedidos. A nossa velocidade de entrega não diminuiu mesmo com menos gente, aumentamos a qualidade, diminuímos os conflitos causados por informações mal compartilhadas e as pessoas estavam mais felizes. Confiei nos meus conhecimentos de processos ágeis e desenvolvimento de software lean para colocar a ideia em prática, com segurança de que ia dar certo.

Autocontrole

Certa vez, em um formulário anônimo enviado pela pessoa que era o meu par como líder técnico de um time, uma pessoa escreveu que o time se beneficiaria da minha saída. Acontece que essa pessoa não sabia que eu também teria acesso aos resultados desse formulário, e por isso ela foi honesta a esse ponto. No momento que eu li eu me senti muito abalada com aquela informação. Não foi difícil saber de quem se tratava e eu resolvi que deveria conversar com ela.

Logo eu que me orgulho do meu autoconhecimento; como eu pude deixar passar tamanha insatisfação? Eu queria entender o que havia feito de errado para causar uma reação tão extrema. Lembrei, então, dessa característica da inteligência emocional e guiei o meu comportamento a partir daí para abordar o tema.

Esperei alguns dias para ter essa conversa, para que eu pudesse estar o mais afastada possível dos sentimentos compulsivos. Enquanto isso, eu tentava não fazer julgamentos precipitados. Pensei em diferentes maneiras de começar esse diálogo e usei da ajuda de uma pessoa de confiança para praticar uma abordagem que seria a mais adequada. Assim, quando eu finalmente tive a conversa com a pessoa, eu consegui mais do que simplesmente ir “tirar satisfação”; Consegui não demonstrar nenhum sentimento que pudesse atrapalhar a conversa e ser bem objetiva e focada em entender o que tinha engatilhado aquele sentimento. Fui direta e perguntei o que eu poderia fazer diferente para que não fosse necessária a minha saída, uma vez que uma decisão como essa requer que outros fatores estejam presentes. A pessoa expôs alguns pontos, mas também me explicou que aquela mensagem foi passada de forma errada, pois ela agiu por impulso ao escrever e sabia que a sugestão não cabia. Se eu tivesse me deixado levar pelas minhas emoções, eu poderia ter agido de forma rude e talvez até reforçado a opinião escrita a princípio, mas pensar sobre isso, controlar as emoções e pedir ajuda para abordar o problema e treinar antes a minha abordagem me ajudou bastante e os resultados foram ótimos.

Motivação

Eu considero muito difícil fazer o meu trabalho se eu não estiver motivada. E digo isso para trabalhos em geral. Quando se trata de liderança, a dificuldade aumenta. Se eu não gostaria de estar fazendo aquele trabalho, como haveria de garantir que as pessoas o façam de maneira eficiente? O que eu faço geralmente é sempre ter em mente os meus objetivos, e lutar para alcançá-los. Esse objetivo pode ser um aumento de salário, uma mudança de cargo, um aprendizado novo ou até mesmo a gana de cumprir uma tarefa.

Algo que me motiva muito é a ideia de deixar processos mais eficientes. Eu faço isso para tudo, até na minha casa. Às vezes tenho que parar e respirar, porque senão peso a mão na busca pela eficiência. No trabalho esse é um objetivo que me motiva.

Quando eu entrei nesse time novo como líder técnica, um ponto de reclamação que era unânime entre todos os membros do time era de que o processo de desenvolvimento sempre ia levar mais tempo que o previsto, e existiam diversas razões para isso: a base de código era complexa, as user stories eram grandes demais, mudanças aconteciam no meio do desenvolvimento, faltavam alguns conhecimentos técnicos no time e por aí vai. Eram tantos pontos de melhoria que me vi motivada a resolvê-los, um a um.

Depois de alguns meses, nos vimos em uma situação bem melhor do que a do início. Era hora de procurar uma nova motivação para guiar os meus esforços.

Empatia

Essa habilidade da inteligência emocional diz muito sobre como líderes são vistos. Na posição de líder, é muito fácil ser atribuído com uma imagem de alguém que só está agindo pelo interesse da empresa e não dos indivíduos. Isso se deve à empatia que às vezes não demonstramos ter pelas pessoas.

O maior aprendizado que eu tive ultimamente no tema não foi sobre como empatizar com as pessoas do meu time, mas fazer com que as pessoas empatizem comigo. Neste time que eu estava como líder, por diversas vezes eu tinha de tomar decisões difíceis, que muitas vezes não ia nos levar para o caminho desejado, mas as alternativas eram ainda piores. Às vezes eu me sentia no dever de fazer com que essas decisões fossem menos disruptivas possível para o time, e por isso nem sempre eu compartilhava as alternativas, seja porque eu estava evitando expor outras pessoas, ou porque informações que ainda não eram públicas influenciavam aquela tomada de decisão.

Então uma pessoa que era do meu time uma vez me disse que ela tinha muita dificuldade de entender alguns posicionamentos meus, e que outras pessoas também poderiam sentir o mesmo. Ela me disse que ela conseguia ver que provavelmente eu tinha razões para estar fazendo daquele jeito, mas como eu não compartilho com ninguém, fica difícil as pessoas empatizarem comigo e talvez isso crie até uma distância de mim para pessoas do time. Depois disso, ao abordar temas mais delicados, eu me esforcei para ser o mais transparente possível, permitindo assim um maior entendimento geral sobre o porquê de alguns direcionamentos.

Destreza social

Houve um tempo em que eu achei que destreza social era ter um bom relacionamento com todas as pessoas, mesmo que isto tivesse um preço algumas vezes. Felizmente aprendi que não se trata disso, mas sim de como eu posso usar o poder do bom relacionamento em prol de fazer as pessoas seguirem um caminho em comum.

Eu considero esta habilidade uma das mais eficientes para mim como líder. Eu tenho a consciência de que uma líder sozinha não consegue executar nada se ela é a única a favor de uma ideia, então uma ótima ferramenta é conquistar as pessoas para atingir esse objetivo em conjunto.

Eu trabalhava nesse time que estava sofrendo muito por falta de padrões no código. Cada pessoa desenvolvia uma funcionalidade nova de uma maneira diferente, e isso estava gerando diversas dificuldades para o time de desenvolvimento. Eu sabia que aquilo precisava ser resolvido, mas já tinham sido feitas algumas tentativas e nenhuma obteve tração suficiente para acabar com o problema. A solução era clara, bastava a gente escolher um padrão e seguir com ele, mas o caminho não era tão claro assim.

Eu conversei com pessoas diferentes, em momentos diferentes, explicando as dores que eu via no modelo atual, e como eu achava que poderíamos pensar em resolvê-lo. Eu não acho que eu estava distribuindo conhecimento para essas pessoas. Em meio a essas conversas, eu aprendia mais com cada uma delas e usava esses aprendizados para aperfeiçoar minhas opiniões nas próximas conversas. Depois de algum tempo eu sabia que eu estava de acordo com essas pessoas de áreas diferentes, logo, pudemos colocar algumas das nossas ideias em prática.

O ponto é que eu sozinha não teria ideias técnicas tão boas quanto a daquelas pessoas, e se fosse só eu apresentando e suportando uma ideia tão disruptiva quanto a que foi apresentada por esse grupo, eu provavelmente teria muitas dificuldades para colocar tantas pessoas a bordo com essa ideia. O bom relacionamento que eu tinha com essas pessoas e a nossa capacidade de diálogo foi essencial para que, como líder, eu pudesse ajudar a resolver esse problema que o time tinha.

Conclusão

Observar com cautela as minhas ações e reações me fez tomar ações mais inteligentes no papel de líder. Claro que algumas vezes eu fui levada pela emoção, mas nas vezes em que eu consegui vencer o comportamento automático, eu obtive resultados melhores. Por isso eu gosto bastante de ler sobre o assunto e aprender com experiências similares, porque não é só sobre ser bem sucedida. Estando numa posição de líder, eu devo isso às pessoas que trabalham comigo.

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