Como EU considero que deve ser um processo de desenvolvimento de Software?

LukasTsunami
9 min readAug 31, 2019

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[PARTE 1]
Nós desenvolvedores, desenvolvemos software quase todos os dias. Isso já se tornou uma rotina, e coisas que tínhamos muita dificuldade em fazer acabam se tornando triviais e automáticas. Por outro lado coisas que não dávamos valor ou que nem sequer notamos, acabam entrando em nossas vidas e abrindo um novo mundo, antes jamais explorado.

O que será que está atrás dessa porta? Espero que não seja Wordpress :x

Há alguns anos atrás, mais especificamente em 2014, quando eu estava começando a minha jornada no mundo de programação web, tudo que importava para mim era código. Eu queria fazer coisas e entregar código.
(Mal eu sabia que software vai muito além de programar).

Os anos foram passando e eu fui adquirindo experiência e trabalhando com outros devs. Uns eram muito mais experientes que eu, e outros muito menos experientes que eu, alguns os quais eu ajudo ou sou ajudado até hoje.

A diferença é que com o passar do tempo eu comecei a não trabalhar apenas com desenvolvedores, e sim trabalhar bem próximo a profissionais de Design, Marketing Digital, Publicidade e de Customer Experience.

O que era para ser um simples “me ajuda aqui”, acabou se tornando parte do meu trabalho, e é o que venho expor para você. Espero que essa série te ajude a, pelo menos, abrir um pouquinho a mente para além do desenvolvimento. :)

Sua reação quando eu falo que software vai muito além de programar

Primeiramente vamos começar com um cenário de exemplo: Seu chefe chega para você e te pede para fazer um sistema de buscas de hotéis na sua cidade.

Ele te passa as seguintes informações:

  1. O sistema precisa ter um cadastro de hotéis
  2. O sistema precisa ter uma vitrine em que os usuários possam ver os hotéis
  3. O sistema deve ter pacotes diferentes por temporada e por quarto
  4. O sistema deve se integrar com os sistemas de viagem aérea e/ou viária que contemplem a sua cidade em seu itinerário
  5. O sistema precisa vender passeios turísticos na cidade
  6. O sistema precisa ter um cadastro de guias e de comissão por viagem

É uma segunda feira calma, esses dados chegam para você logo às 11:00 horas da manhã, e você acabou de tomar seu quarto café matinal. Vamos começar?

Éer… Não dava para deixar essa de fora.. :p

(Pule essa seção até depois da imagem se não entende sobre programação)

Deixa eu adivinhar, você faria uma conversa com sua equipe para definir qual o melhor modelo de banco de dados para esquematizar esse sistema, não?

Ou quem sabe um diagrama UML definindo as estruturas do sistema?

Vamos listar todos os componentes que teremos que criar no Front-End?

Vamos usar um modelo MVC padrão ou uma arquitetura orientada a eventos?

Como vamos estruturar o sistema para suprir todas essas features?

Iremos utilizar qual linguagem no Back-End? E no Front? Quem sabe testar aquela linguagem nova que estávamos esperando uma oportunidade?

A resposta é simples:
Nenhuma dessas. Não vamos começar com código.

ÉOQ?!!

Calma, calma. É isso mesmo, não vamos começar com o código. Por mais estranho que isso pareça, aguarde um pouquinho, que aos poucos isso vai começar a fazer sentido, e você vai entender o porquê de recuar um momento.

Se analisarmos o cenário novamente, temos uma lista de afazeres, uma meta estabelecida e um chefe no pé da orelha cobrando “produtividade”.

Porém o que não temos? Informação sobre o cliente.

Não sabemos quem o cliente é, o que faz, e o mais importante: por que e para o quê ele quer o sistema? Aonde ele quer chegar com esse sistema? Ele tem quanto dinheiro para investir no sistema após estar concluído? Quem ele quer atingir com o sistema? Qual a experiência que ele tem com sistemas daquele tipo?

Precisamos falar com o cliente. É a única forma de responder essas perguntas.

Você suando de nervoso só de eu comentar que precisamos falar com o cliente

Existe um tabu ao falar em aproximar o desenvolvedor do cliente. Talvez seja pelo estereótipo que vem herdado dos tempos antigos, de que programadores eram seres obscuros que ficavam sozinhos num cantinho isolado da empresa e que não sabiam falar com ninguém. Para algumas pessoas o programador era, ou ainda é para muitos, um “bicho do mato”.

Porém o mundo mudou, estamos à beira da quarta revolução industrial, e não há mais espaço para esse tipo de pensamento. É nesse momento que a crítica de Edgar Morin, em seu livro: “A via para o futuro da humanidade”, toma forma:

“Mesmo para quem está fora das fábricas, esse arquétipo da era industrial ainda nos persegue. Permanecemos como mais um elemento produtivo. Imbecis autômatos especialistas em bater metas, sem tempo e espaço para desenvolver potencialidades e criar sentido sobre o próprio trabalho.” [1]

Pode parecer conversa motivacional de Coach, porém a importância de se livrar das amarras desse tipo de crença limitante é inigualável.

Brincadeira Coaches, nós amamos vocês ❤️

A dois parágrafos atrás fizemos perguntas sobre nosso cliente; No fim estamos buscando alcançar apenas um objetivo: Entregar VALOR para ele, seu negócio e seus clientes (Sim, precisamos pensar no cliente do cliente!).

Para isso precisamos entender primeiro o que é valor.

Eu defino valor como um retorno para o cliente. Porém, o retorno que ele espera. Pode parecer simples, porém retornar o que o cliente espera nem sempre é fácil, nem simples.

Porque o exemplo da árvore já tá batido né — Haushauhau— Fonte: charge traduzida do endereço https://i.kym-cdn.com/photos/images/newsfeed/000/476/059/dd9.jpg

Isto acontece porque a imagem que existe de retorno na cabeça dele, não existe na nossa, e transpor uma ponte realmente eficaz entre esses mundos, dá trabalho e também existe um grande fator complicante: muitas vezes essa imagem ainda não existe na cabeça dele, e frequentemente ela está num processo contínuo de formação, e precisamos estimulá-lo para minerar de fato, valor.

Vamos abrir um parênteses e deixar a história dos Hotéis de lado um pouquinho, voltaremos com ela no próximo post.

Quem sabe uma analogia não nos ajude a entender melhor essa questão de entrega de valor?:

Senta que lá vem a história 🎼

A história do senhor e do Robalo

“ Imagine um senhor, pai de família, desolado pois não tem o que dar de comer para sua família quando chegar em casa numa certa tarde depois do seu trabalho, o qual faltam muitos dias para receber o salário.

Andando à caminho de casa, ele encontra por um acaso do destino uma vara de pesca à beira de um rio.

Ele olha para esquerda, olha para direita, e não vê nenhum sinal do dono da vara por perto, logo ele vê naquele momento a chance de arrumar um peixe para levar para casa.

Entretanto mesmo sendo um senhor de idade, ele nunca pescou, mas seu querido pai pescava muito, e esporadicamente ele havia acompanhado o mesmo quando criança e também tinha assistido alguns poucos programas de pesca. Porém as iscas são muito profissionais, ele sequer consegue tirá-las de dentro da caixa.

Você está passando perto da cena. Vê ele aflito, chega perto, e pergunta se pode ajudá-lo. Você tem total domínio de iscas de peixe e conhecimento dos peixes daquele rio, mora e pesca ali desde criança.

Ele à priori pensa que você é o dono da vara e se precipita em se desculpar, mas logo percebe que você não é o dono da vara, só está querendo ajudar referente à parte da pesca. Provavelmente viu que ele estava suando frio.
Ele então resolve pedir sua ajuda, e lhe diz:

— Rapaz, eu quero pescar um Robalo! Teria como me ajudar?

Robalo: Peixe Nobre. É uma espécie valorizada na pesca esportiva

Ele ouvira falar que haviam Robalos naquela região, e estava decidido à pescar.

Você vira a importância daquilo em seus olhos, então você prepara a isca e joga ela no rio e senta à beira do rio junto com o tal senhor. Os dois batem papo sobre várias coisas, mas conforme o tempo passa e vai escurecendo, você começa a ver o desespero na cara do senhor. Novamente ele suava frio.

Ele está calado e branco, algo definitivamente está errado. Subitamente lhe vem o incrível impulso de perguntar o porquê daquele senhor querer (PRECISAR, porém você quer ser educado) pescar um Robalo.

O senhor cai em lágrimas e te conta sua história e o fato de não ter o que levar de comer para sua família.

Você começa a sorrir e ele não entende o porquê. Será que você está rindo da cara dele? Da situação em que ele se encontra e que com confiança ele lhe abriu seu coração?

Não. Você logo diz para ele que foi bom ter lhe perguntado. Robalos são peixes nobres, portanto difíceis de pescar. Provavelmente vocês ficariam ali um dia e meio ou dois, até conseguirem pescar algum. Entretanto esse rio é cheio de Anchovas, e com a quantidade de iscas que vocês têm ali dá para pescar várias!

Vocês passam umas duas horas juntos e o velho por fim vai para casa feliz da vida com um balde cheio de anchovas. Ele vai fazer sua família feliz.

— “Minha filha adora peixes e hoje vai ter um montão! Ela adora quando vê um montão de peixes juntos! Vou falar que pesquei um cardume inteiro! Ela vai ter o que comer e o que falar pras amiguinhas no colégio de manhã! Muito obrigado senhor! Muito obrigado!”-

Você vai embora feliz de poder ter ajudado o bom senhor.”

Lucas Caponi da Silva

O que essa história tem haver com entregar valor? Tudo. Aproximando mais do mundo real, o senhor te pediu (leia-se deu a ordem de serviço) de pescar um Robalo. Ele não estava errado, ele lembrou de programas na TV (leia-se pesquisou no mercado de trabalho, os “concorrentes”) se certificando que Robalo era uma boa opção para investir sua ajuda (leia-se tempo,dinheiro), ainda mais com sua lembrança de que comentaram que o rio tinha robalos (leia-se com suas pesquisas e comentários de amigos/conhecimento empírico), ele se sentia confiante. Foi isso que ele te pediu.

Entretanto o que ele queria era ver a alegria na cara da sua esposa e filhinha (leia-se ver o cliente engajado com o seu produto). Ele te pediu Robalo, ele sabia o que queria. Ele queria aquilo com todas as forças e “te solicitou” para aquilo, porém o valor que você entregou foi ainda maior do que se tivesse entregado o Robalo que ele te pediu (leia-se você quer ver o cliente com um BRILHO NOS OLHOS quando falar do seu trabalho)

Você não teria chegado à esse resultado se não tivesse se aproximado do senhor (leia-se do seu cliente), feito uma investigação mais minuciosa (leia-se briefing entrevista e criação de histórias de valor), e muito menos teria atingido a masterização da felicidade da família dele (leia-se entregado valor para o CLIENTE DO SEU CLIENTE)

Por mais extensa que tenha sido a história, ela é uma ótima ferramenta para ilustrar o poder de entender o que é valor

Agora você entendeu o que é focar na entrega de valor?

O valor vai variar de caso para caso? Sim. Terão vezes que será mais difícil chegar ao valor e existem casos que haverão conflitos de valores entre empresa-cliente, ou cliente-stakeholders (leia-se demais pessoas envolvidas no projeto, principalmente se estas forem as que assinam o cheque no final das contas). Porém tentarei abordar um pouco melhor essa parte no próximo post, assim como a criação de personas e a validação de layouts.

Agradeço à todos, espero ter pelo menos “bambeado” esse seu coraçãozinho em prol da busca de valor. :)

[1] — Referência copiada da revista Coragem .03 da ThoughtWorks®, página 9, sessão escrita por Alexey Villas Bôas e Camilla Crispim.

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LukasTsunami

Desenvolvedor Fullstack apaixonado por Arquitetura e Design de Software e Métodos Ágeis