A força do capital humano na cadeia sustentável do algodão
Abapa investe em capacitação e faz a diferença no oeste baiano
Reportagem e Fotos: Gleyce Nascimento
Produzir de maneira sustentável e integrada. Esse modo de trabalho está entre as megatendências do agronegócio brasileiro e é a base, há mais de duas décadas, do cultivo do algodão na Bahia. Nesse sentido, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) é literalmente “Master Chef” no assunto. Localizada no município de Barreiras, ela investe no recurso essencial dessa cadeia produtiva: o capital humano.
Diferente da colheitadeira que chega pronta para ser usada na lavoura, a mão-de -obra humana precisa ser aprimorada. “Temos pessoas bem treinadas, essa é uma vantagem que nos confere ganho e evolução maior ao longo do tempo”, explicou o cotonicultor e presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi. Além do rendimento para a associação, o presidente destacou outros benefícios: “As pessoas capacitadas são melhor remuneradas, conseguem expressar seu potencial e ter as vidas transformadas”.
Mais de 2.800 treinamentos realizados
Para fazer o diferencial ao longo do processo produtivo e na sociedade, a Abapa em parceria com a Agrosul-John Deere, criou, em 2010, o Centro de Treinamento (CT) Parceiros da Tecnologia. Com dois pavilhões, a unidade conta com auditório; salas de aula; laboratórios de eletro hidráulica de motores e transmissão de máquinas agrícolas, de aeronaves agrícolas, entre outros. Além do aporte físico, são disponibilizados cursos em mais de 15 áreas de competência: Mecanização Agrícola; Educação Continuada; Informática; Rodoviário; Controle, Redução e Monitoramento de Poluentes para Veículos a Diesel etc.
No decorrer desses dez anos promovendo educação e capacitação profissional, a unidade alcançou números bastantes expressivos: 2.801 treinamentos; 1.228 fazendas atendidas; 66.471 participantes e uma carga horária de 43.670 horas. Ao todo, R$ 17 milhões foram investidos em capacitação e na estrutura do CT.
Para o coordenador da unidade, Eduardo Fernandes, o Centro atua transformando as pessoas. “A única forma de mudarmos comportamento é permitindo às pessoas conhecimento. Elas precisam dessa ferramenta para adquirir propriedade naquilo que fazem, desde a operação de uma máquina até o manuseio dos inúmeros insumos trabalhados nas propriedades rurais”, explica. Além do CT em LEM, a Abapa também possui uma unidade em Rosário, distrito de Correntina, na Bahia.
Reflexos no cenário nacional e internacional
O estado da Bahia é o segundo maior produtor de algodão do Brasil e campeão mundial em regime de sequeiro — lavoura sem irrigação. Na safra de 2018/2019 a Bahia brilhou. Foram 626.268,56 toneladas de pluma e 300,3 arrobas por hectares, e na posterior, 603.599 toneladas e 310,15 arrobas. Considerando os dez estados produtores, a Bahia, que detém 25% da produção nacional, está atrás apenas do Mato Grosso e precede, nesta ordem, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí, São Paulo, Tocantins e Paraná.
Com estruturas fincadas na sustentabilidade, a imagem e o desempenho da Abapa não poderiam ser diferentes. Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Busato, a Bahia produz a “Melhor pluma do Brasil”. O algodão, principal matéria-prima desse sistema, é uma fibra de semente vegetal e é composta por mais de 80% de celulose — ideal para a produção de roupas confortáveis e duradouras.
A qualidade da fibra baiana, comprovada pelo Centro de Análise de Fibras da Abapa, alcançou índices excelentes na safra 2020/2021. Mais de 80% do material analisado teve comprimento maior ou igual a 28,10mm, acima do mínimo exigido pela indústria, que é 28 mm. A “resistência”, importante especialmente para a fiação, teve significativo desempenho: 92,83%, apresentou índice maior ou igual a 27gf/tex. O resultado seguiu o mesmo ritmo quanto ao diâmetro da fibra: 97,95% do algodão possui micronaire entre 3,50 e 4,90, atendendo aos padrões comercialmente exigidos.
Com qualidade “Premium”, a fibra produzida no estado da Bahia tem destaque internacional. É reconhecida dentro e fora do Brasil por meio de certificações de peso: ABR — Algodão Brasileiro Responsável e o BCI — Better Cotton Initiative. O Brasil é o quarto maior produtor da fibra e tem como principais mercados consumidores China, Vietnã, Indonésia e Bangladesh.
Fazendo a diferença
Mesmo com o processo produtivo do algodão sendo altamente tecnificado — o conhecimento humano faz a diferença. Da sala de aula às indústrias de beneficiamento e processamento, a sustentabilidade acontece na prática e coletivamente. Para o Coordenador do Programa Fitossanitário da Abapa, Antônio Carlos, trabalhar com colaboradores capacitados é imprescindível. “A tecnologia avança e a gente precisa acompanhar. A capacitação faz diferença na cadeia produtiva do algodão e no mercado”, ressalta. Antônio possui uma equipe de 12 engenheiros agrônomos treinados pelo CT. Eles monitoram o desenvolvimento do plantio nas fazendas dos cotonicultores da região.
Na lavoura do produtor Regis Ceolin, o agrônomo Marcelo Andrade está sempre atento para combater o bicudo do algodoeiro, uma das principais pragas capazes de arruinar a plantação. “Quando o algodão solta o primeiro botão floral, ele já se torna atrativo para o bicudo. Então, a gente começa o monitoramento e coloca armadilhas em locais estratégicos da fazenda”, explica. O ciclo dessa cultura dura cerca de 180 dias. Após a colheita, é hora de destruir a soqueira, roçar a terra e prepará-la para a próxima cultura. A fibra envelopada é transportada para a usina de beneficiamento.
“Por mais transformações que possam ocorrer no mundo, a mão de obra humana nunca será substituída” — Alessandra Zanotto
Produtora de algodão e vice-presidente da Abapa, Alessandra responde pela direção da usina Zanotto Cotton e acompanha o trabalho dos 45 integrantes da sua equipe. Recebidos os rolinhos, o colaborador retira o plástico de proteção, que segue para reciclagem. As “piranhas”, máquinas de grande porte, desfazem o envelopamento. É o começo do beneficiamento. O algodão é limpo; seco, se necessário; e descaroçado — etapa que separa a semente da fibra. O caroço segue para a empresa parceira da Abapa, Icofort — onde será aproveitado em toda a sua extensão.
Dessa cadeia onde nada se perde, tudo se aproveita, serão produzidos óleo, sementes, ração, adubo, línter. Esse último é usado na produção da tela da televisão, pólvora, papel para fazer dinheiro.
O algodão beneficiado é prensado em fardos. De cada um, são retiradas três amostras de 150 gramas. Uma permanece na algodoeira para fins de precaução. As outras são classificadas visual e intrinsicamente. A primeira, feita na própria usina, é realizada por um profissional habilitado e avaliará a cor, brilho, amarelamento do algodão. A segunda classificação é a avaliação laboratorial da fibra. Feita pelo Centro de Análise de Fibras.
Laboratório mais bem ranqueado do Brasil no programa SBRHVI, ele tem capacidade para analisar de 25 a 30 mil amostras/dia. Nessa etapa, aspectos como resistência, espessura, comprimento da fibra — decisivos para comercialização e industrialização do algodão — são determinados, por meio dos equipamentos High Volume Instruments e, claro, por meio do trabalho, zelo e sensibilidade dos colaboradores.
Na sala de Condicionamento das Amostras, Charlene Gonçalves prepara o material para análise. Cuidadosa, ela registra os dois lados do lote, mede a umidade de cada um; insere a informação no sistema. Quem observa a jovem, nem imagina. Baiana de Riachão das Neves, ela perdeu o emprego na cidade onde morava e encontrou no Centro de Análise de Fibras de Algodão o caminho para se inserir em um novo mercado. “É muito gratificante trabalhar aqui. Foi uma oportunidade diferente porque sou da área de saúde. Então, passei na seletiva e mudei totalmente de rumo”, destaca.
Quem também faz parte da cadeia sustentável é Benedito Andrade, conhecido carinhosamente pelos amigos como “Bené”. Ele integra a Patrulha Mecanizada da Abapa — responsável pela condução de pessoas, transporte de cargas e insumos pelas estradas vicinais do oeste baiano. “Na Abapa, todo mundo se ajuda”, conta o paraibano de Coremas, sobre o início dessa relação. “Antes de decidir morar no oeste da Bahia, eu trabalhava para uma empresa de transportes. Viajando, conheci minha esposa que é daqui de Barreiras. Decidi mudar para cá. Eu já sabia da seriedade do trabalho desenvolvido pela Abapa, agarrei a oportunidade e entrei para o time”.
Como bem lembrou Bené, nada se faz sozinho. A força da Abapa resulta, entre outros, do investimento em seus 278 colaboradores e do fazer coletivo com amigos parceiros: Agrosul-John Deere, Oeste Pneus- Pirelli, SENAR/SPRB/SPRLEM, SESI, SENAI, IEL, Veneza Equipamentos — John Deere, PIVÔDRIPP — Valley, Gutemburgo — Volvo e ABA — Manutenções de Aeronaves. O Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro) e o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) também integram a equipe.