A força do capital humano na cadeia sustentável do algodão

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Abapa investe em capacitação e faz a diferença no oeste baiano

Reportagem e Fotos: Gleyce Nascimento

Jovens sendo capacitados no Centro de Treinamento da Abapa em Luís Eduardo Magalhães
Jovens sendo capacitados no Centro de Treinamento da Abapa em Luís Eduardo Magalhães

Produzir de maneira sustentável e integrada. Esse modo de trabalho está entre as megatendências do agronegócio brasileiro e é a base, há mais de duas décadas, do cultivo do algodão na Bahia. Nesse sentido, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) é literalmente “Master Chef” no assunto. Localizada no município de Barreiras, ela investe no recurso essencial dessa cadeia produtiva: o capital humano.

Diferente da colheitadeira que chega pronta para ser usada na lavoura, a mão-de -obra humana precisa ser aprimorada. “Temos pessoas bem treinadas, essa é uma vantagem que nos confere ganho e evolução maior ao longo do tempo”, explicou o cotonicultor e presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi. Além do rendimento para a associação, o presidente destacou outros benefícios: “As pessoas capacitadas são melhor remuneradas, conseguem expressar seu potencial e ter as vidas transformadas”.

Mais de 2.800 treinamentos realizados

Para fazer o diferencial ao longo do processo produtivo e na sociedade, a Abapa em parceria com a Agrosul-John Deere, criou, em 2010, o Centro de Treinamento (CT) Parceiros da Tecnologia. Com dois pavilhões, a unidade conta com auditório; salas de aula; laboratórios de eletro hidráulica de motores e transmissão de máquinas agrícolas, de aeronaves agrícolas, entre outros. Além do aporte físico, são disponibilizados cursos em mais de 15 áreas de competência: Mecanização Agrícola; Educação Continuada; Informática; Rodoviário; Controle, Redução e Monitoramento de Poluentes para Veículos a Diesel etc.

Ao todo, R$ 17 milhões foram investidos em capacitação e na estrutura do CT
Ao todo, R$ 17 milhões foram investidos em capacitação e na estrutura do CT

No decorrer desses dez anos promovendo educação e capacitação profissional, a unidade alcançou números bastantes expressivos: 2.801 treinamentos; 1.228 fazendas atendidas; 66.471 participantes e uma carga horária de 43.670 horas. Ao todo, R$ 17 milhões foram investidos em capacitação e na estrutura do CT.

Para o coordenador da unidade, Eduardo Fernandes, o Centro atua transformando as pessoas. “A única forma de mudarmos comportamento é permitindo às pessoas conhecimento. Elas precisam dessa ferramenta para adquirir propriedade naquilo que fazem, desde a operação de uma máquina até o manuseio dos inúmeros insumos trabalhados nas propriedades rurais”, explica. Além do CT em LEM, a Abapa também possui uma unidade em Rosário, distrito de Correntina, na Bahia.

Para Eduardo, coordenador do CT, a capacitação transforma as pessoas
Para Eduardo, coordenador do CT, a capacitação transforma as pessoas

Reflexos no cenário nacional e internacional

O estado da Bahia é o segundo maior produtor de algodão do Brasil e campeão mundial em regime de sequeiro — lavoura sem irrigação. Na safra de 2018/2019 a Bahia brilhou. Foram 626.268,56 toneladas de pluma e 300,3 arrobas por hectares, e na posterior, 603.599 toneladas e 310,15 arrobas. Considerando os dez estados produtores, a Bahia, que detém 25% da produção nacional, está atrás apenas do Mato Grosso e precede, nesta ordem, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí, São Paulo, Tocantins e Paraná.

A Bahia detém 25% da produção nacional do algodão
A Bahia detém 25% da produção nacional do algodão

Com estruturas fincadas na sustentabilidade, a imagem e o desempenho da Abapa não poderiam ser diferentes. Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Busato, a Bahia produz a “Melhor pluma do Brasil”. O algodão, principal matéria-prima desse sistema, é uma fibra de semente vegetal e é composta por mais de 80% de celulose — ideal para a produção de roupas confortáveis e duradouras.

A qualidade da fibra baiana, comprovada pelo Centro de Análise de Fibras da Abapa, alcançou índices excelentes na safra 2020/2021. Mais de 80% do material analisado teve comprimento maior ou igual a 28,10mm, acima do mínimo exigido pela indústria, que é 28 mm. A “resistência”, importante especialmente para a fiação, teve significativo desempenho: 92,83%, apresentou índice maior ou igual a 27gf/tex. O resultado seguiu o mesmo ritmo quanto ao diâmetro da fibra: 97,95% do algodão possui micronaire entre 3,50 e 4,90, atendendo aos padrões comercialmente exigidos.

Com qualidade “Premium”, a fibra produzida no estado da Bahia tem destaque internacional. É reconhecida dentro e fora do Brasil por meio de certificações de peso: ABR — Algodão Brasileiro Responsável e o BCI — Better Cotton Initiative. O Brasil é o quarto maior produtor da fibra e tem como principais mercados consumidores China, Vietnã, Indonésia e Bangladesh.

Fazendo a diferença

Mesmo com o processo produtivo do algodão sendo altamente tecnificado — o conhecimento humano faz a diferença. Da sala de aula às indústrias de beneficiamento e processamento, a sustentabilidade acontece na prática e coletivamente. Para o Coordenador do Programa Fitossanitário da Abapa, Antônio Carlos, trabalhar com colaboradores capacitados é imprescindível. “A tecnologia avança e a gente precisa acompanhar. A capacitação faz diferença na cadeia produtiva do algodão e no mercado”, ressalta. Antônio possui uma equipe de 12 engenheiros agrônomos treinados pelo CT. Eles monitoram o desenvolvimento do plantio nas fazendas dos cotonicultores da região.

Engenheiros agrônomos na lavoura do produtor Regis Ceolin
Engenheiros agrônomos na lavoura do produtor Regis Ceolin

Na lavoura do produtor Regis Ceolin, o agrônomo Marcelo Andrade está sempre atento para combater o bicudo do algodoeiro, uma das principais pragas capazes de arruinar a plantação. “Quando o algodão solta o primeiro botão floral, ele já se torna atrativo para o bicudo. Então, a gente começa o monitoramento e coloca armadilhas em locais estratégicos da fazenda”, explica. O ciclo dessa cultura dura cerca de 180 dias. Após a colheita, é hora de destruir a soqueira, roçar a terra e prepará-la para a próxima cultura. A fibra envelopada é transportada para a usina de beneficiamento.

“Por mais transformações que possam ocorrer no mundo, a mão de obra humana nunca será substituída” — Alessandra Zanotto

Produtora de algodão e vice-presidente da Abapa, Alessandra responde pela direção da usina Zanotto Cotton e acompanha o trabalho dos 45 integrantes da sua equipe. Recebidos os rolinhos, o colaborador retira o plástico de proteção, que segue para reciclagem. As “piranhas”, máquinas de grande porte, desfazem o envelopamento. É o começo do beneficiamento. O algodão é limpo; seco, se necessário; e descaroçado — etapa que separa a semente da fibra. O caroço segue para a empresa parceira da Abapa, Icofort — onde será aproveitado em toda a sua extensão.

À esquerda, a ração; e à direita, a fibra da qual se produz o línter
À esquerda, a ração; e à direita, a fibra da qual se produz o línter

Dessa cadeia onde nada se perde, tudo se aproveita, serão produzidos óleo, sementes, ração, adubo, línter. Esse último é usado na produção da tela da televisão, pólvora, papel para fazer dinheiro.

Trabalhadores retiram os fardos prensados do processo de beneficiamento
Trabalhadores retiram os fardos prensados do processo de beneficiamento

O algodão beneficiado é prensado em fardos. De cada um, são retiradas três amostras de 150 gramas. Uma permanece na algodoeira para fins de precaução. As outras são classificadas visual e intrinsicamente. A primeira, feita na própria usina, é realizada por um profissional habilitado e avaliará a cor, brilho, amarelamento do algodão. A segunda classificação é a avaliação laboratorial da fibra. Feita pelo Centro de Análise de Fibras.

Laboratório mais bem ranqueado do Brasil no programa SBRHVI, ele tem capacidade para analisar de 25 a 30 mil amostras/dia. Nessa etapa, aspectos como resistência, espessura, comprimento da fibra — decisivos para comercialização e industrialização do algodão — são determinados, por meio dos equipamentos High Volume Instruments e, claro, por meio do trabalho, zelo e sensibilidade dos colaboradores.

Charlene encontrou, no Centro, o caminho para se inserir em um novo mercado
Charlene encontrou, no Centro, o caminho para se inserir em um novo mercado

Na sala de Condicionamento das Amostras, Charlene Gonçalves prepara o material para análise. Cuidadosa, ela registra os dois lados do lote, mede a umidade de cada um; insere a informação no sistema. Quem observa a jovem, nem imagina. Baiana de Riachão das Neves, ela perdeu o emprego na cidade onde morava e encontrou no Centro de Análise de Fibras de Algodão o caminho para se inserir em um novo mercado. “É muito gratificante trabalhar aqui. Foi uma oportunidade diferente porque sou da área de saúde. Então, passei na seletiva e mudei totalmente de rumo”, destaca.

Bené conduzindo pessoas para a Fazenda Santo Antônio
Bené conduzindo pessoas para a Fazenda Santo Antônio

Quem também faz parte da cadeia sustentável é Benedito Andrade, conhecido carinhosamente pelos amigos como “Bené”. Ele integra a Patrulha Mecanizada da Abapa — responsável pela condução de pessoas, transporte de cargas e insumos pelas estradas vicinais do oeste baiano. “Na Abapa, todo mundo se ajuda”, conta o paraibano de Coremas, sobre o início dessa relação. “Antes de decidir morar no oeste da Bahia, eu trabalhava para uma empresa de transportes. Viajando, conheci minha esposa que é daqui de Barreiras. Decidi mudar para cá. Eu já sabia da seriedade do trabalho desenvolvido pela Abapa, agarrei a oportunidade e entrei para o time”.

Como bem lembrou Bené, nada se faz sozinho. A força da Abapa resulta, entre outros, do investimento em seus 278 colaboradores e do fazer coletivo com amigos parceiros: Agrosul-John Deere, Oeste Pneus- Pirelli, SENAR/SPRB/SPRLEM, SESI, SENAI, IEL, Veneza Equipamentos — John Deere, PIVÔDRIPP — Valley, Gutemburgo — Volvo e ABA — Manutenções de Aeronaves. O Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro) e o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) também integram a equipe.

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UFBA — Prêmio Abapa de Jornalismo

Matérias produzidas pelos alunos de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA para o Prêmio Abapa de Jornalismo