Lucas de Oliveira — Cervejaria Kauai

Manual da produção de cerveja artesanal para leigos

Com o homebrewer Lucas de Oliveira

Projeto Experimente
6 min readFeb 15, 2016

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Começaremos hoje, uma série mensal de entrevistas com “homebrewers”, pessoas que produzem a sua própria cerveja artesanal em casa. Nesta primeira visita fomos até a casa do Lucas de Oliveira, responsável pela pequena cervejaria caseira Kauai. A conversa foi tão boa que decidimos dividir o conteúdo em duas partes: na primeira fizemos um “manual da produção de cerveja artesanal para leigos” com uma série de perguntas e respostas; na segunda vamos contar um pouco da história do Lucas. Vamos lá:

Passo 1 — Aquisição dos ingredientes

Experimente: Lucas, como funciona essa aquisição dos ingredientes? São fáceis de encontrar?

Lucas de Oliveira: Sim, muito fácil! Hoje em dia nós temos duas casas especializadas aqui em Belo Horizonte e na internet também tem muita coisa. É claro que para ingredientes específicos temos uma certa dificuldade, mas quem quer começar tem que estar envolvido em grupos de homebrewers. Existem grupos de nível nacional, onde a gente troca muita experiência e muitas coisas são construídas em conjunto.

Ainda sobre os ingredientes, no começo eu trabalhava com água mineral, hoje eu tenho uma miniestação de tratamento de água, uma água bem limpa, própria para fazer cerveja e eventualmente a gente faz alguns ajustes, coloca algum ingrediente que ajusta o PH, ajusta a composição química da água.

Passo 2 — A receita

Lucas: Neste segundo momento, a gente define a receita, então tem um estudo dos tipos de maltes, tipos de lúpulo, tipos de água para cada tipo de brassagem.

Passo 3 — Dia da Produção — A brassagem

Lucas: No dia da produção normalmente eu gosto de acordar cedo, preparar os ingredientes sem pretensão de tempo, isso é o que difere da produção de uma fábrica, nela o tempo de produção onera muito, mas para mim como é um hobby eu consigo fazer isso de uma forma mais lúdica sem pretensão de finalizar num determinado momento.

Este dia é muito agradável, a gente reúne os amigos, gasta um tempo produzindo a cerveja, hoje eu tenho algumas bombas e consigo automatizar o processo. Mas cada estilo de cerveja, tem um perfil de produção diferenciado, cada estilo você pode adequar seu equipamento de acordo com seus interesses e objetivos.

Aí no dia da brassagem, eu fico focado no controle dos processos, medir a temperatura.

Experimente: Muita coisa pode dar errado?

Lucas: Sim, tem que ficar bem atento, afinal de contas você tem duas chamas ligadas no gás, preocupação com a contaminação, que é muito sério, tudo tem que ser bem limpo, bem esterilizado. Fazemos vários testes ao longo do processo e o tempo de produção de cada processo é muito necessário.

Inicialmente se esquenta a água, adiciona os grãos de malte e são feitas rampas de temperatura que tem objetivos bio, físico, químicos específicos e vão modificar todo o resultado final. O tempo é importante, por exemplo: Aqueça a cerveja a 52° por 20 min, não pode ser mais nem menos que altera a produção. O desafio é fazer isso no fogão, o tempo das rampas sofre interferências externas, nos dias mais frios demora um pouco mais. Essas técnicas exigem muita leitura, muita dedicação.

Malte: Grão que passa por processo de malteação. Neste processo, a sementinha, quando ela se prepara para germinar (como se ela tivesse grávida), acumula um monte de açucares dentro dela em forma de amido. Este processo, estimula o germén a acumular esse açúcar, a chave do processo é parar no momento exato. No momento que ele tem o máximo de açúcar dentro dele, sob forma de amido, não serve de comida para a levedura. Todo esse processo das rampas de temperatura é para quebrar o amido e fazer com que as cadeias de açúcar sejam fermentáveis. Vários cereais podem ser maltáveis, a cevada, trigo, milho, arroz…

Passo 4 — Mostura

Lucas: Depois que esquenta a água, tem a “mostura” que é uma espécie de chá para extrair dos grãos todos os açúcares necessários.

Passo 5 — Clarificação

Lucas: Após as rampas de temperatura é feito um processo de clarificação, que é um processo de circulação deste mosto para limpar de fato a cerveja, limpar os resíduos. As próprias casquinhas dos maltes utilizados ajudam a filtrar.

Parte 6 — Fervura

Lucas: A fervura esteriliza a cerveja e faz a redução de diversos componentes biológicos e químicos. Logo depois, adicionamos os outros ingredientes, entra o lúpulo, de acordo com o perfil desejado.

Lúpulo: Planta, bactericida, tem propriedades de conservação da cerveja e fornece o aroma e o amargor, ele é o tempero da cerveja. Existem uma variedade e uma complexidade gigante de lúpulo, onde é possível conseguir diferentes sabores e aromas.

Passo 7 — Whirlpool

Lucas: O “whirlpool” é a sedimentação dos lipídios, aminoácidos, das impurezas, do próprio lúpulo que a gente adicionou.

Passo 8 — Resfriamento

Lucas: O próximo passo é resfriar o mais rápido possível, para manter a conservação de aromas, clarificar e não contaminar. É necessário resfriar para adicionar a levedura, que trabalha até 30°, mais que isso ela é inativa.

Levedura: Uma espécie de fungo que vem desidratada. É necessário hidratá-la, ativá-la e colocar no fermentador. Assim como o lúpulo, existem diversos tipos de leveduras.

Passo 9 — Fermentação

Lucas: A fermentação dura de 5 a 7 dias, as leveduras ficam consumindo todos aqueles açúcares e então ela transforma o açúcar em gás carbônico e álcool.

Experimente: Aí que vem o teor alcoólico?

Lucas: Na verdade, ele começa lá atrás, através da densidade medida e da quantidade de açúcares fermentado no mosto, quanto maior a densidade do mosto, maior a conversão de açúcar, álcool e gás carbônico. É preciso fazer várias contas, hoje existem sofwtares que ajudam a desenvolver esse processo.

Passo 10 — Purga

Lucas: Na “purga” nós tiramos toda a levedura que ativou os açúcares, ficou inativa e decantou. Usamos a torneira de baixo para tirar todo esse fermento.

Normalmente numa ALE a fermentação deve ser feita em torno de 16° a 20° , eu faço em 18°. Mas isso depende da sua receita, fermentar a 17º é diferente de fermentar a 18º, usamos o termostato para controlar.

Passo 11 — Maturação

Lucas: Na maturação, você joga a temperatura para 0°, tira a levedura e pode ativar outros processos. O mais famoso deles chama “dry hopping”, que é a adição do lúpulo no processo de maturação, na parte fria.

Geralmente o lúpulo é adicionado na fervura, o calor extrai dele diversas características. Mas para aroma, a adição do lúpulo na infusão fria (claro que são lúpulos específicos), traz mais aroma. Neste processo temos infinitas possibilidades, como a adição de madeira, frutas…

Experimente: Então é nesse momento que gente coloca esses outros ingredientes?

Lucas: Depende, da característica. Eu posso adicionar nibis de cacau tanto na fervura, quanto na parte fria que a gente consegue mais aroma.

Experimente: E você já tentou fazer algo diferente?

Lucas: Sempre faço.

Experimente: O que você fez de diferente?

Lucas: Um vez eu fiz uma cerveja belga com manjericão, mas demorou uns 5 meses para ficar pronta, mas ficou super refrescante, de se tomar e pensar: quero pizza agora! Mas o meu objetivo principal hoje é chegar numa receita ou duas, muito bem definidas, o desafio é manter de forma regular a mesma cerveja. Esse processo de ajuste ele demanda recorrência, então meu equipamento praticamente não fica ocioso. A partir daí a cerveja demora cerca de 40 a 50 dias para ficar pronta para o consumo.

Depois dessa super aula com o Lucas você já está um passo a frente para começar fazer sua cerveja. Conta pra gente sobre suas ideias de receitas!

A segunda parte deste bate papo, vem em breve. Não perca!

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Projeto Experimente

Projeto de Cervejas Artesanais e Gastronomia que tem como objetivo valorizar e difundir a qualidade da cerveja artesanal produzida no Brasil.