O Fungo de The Last of Us

Pedro Sciarotta
5 min readNov 9, 2017

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O Cordyceps existe de verdade, mas como ele funciona no mundo real?

Por Pedro Sciarotta
(Atenção! Spoilers sobre The Last of Us)

Bombas nucleares, doenças devastadoras, monstros aterrorizantes… os videogames já usaram diversos pretextos para criar mundos pós-apocalípticos. No entanto, poucos se baseiam em algo tão específico como o fungo de The Last of Us.

No jogo, a Infecção Cerebral do Cordyceps é a responsável por criar uma epidemia que se alastra pelo mundo. Em 2033, vinte anos após a eclosão, estima-se que 60% da população do planeta tenha sido afetada. A Organização Mundial de Saúde tentou criar uma vacina, mas falhou. As cidades foram colocadas sob lei marcial, na qual as autoridades militares assumem o controle do Estado, e zonas de quarentena foram criadas. Nesse meio tempo, também surge um grupo denominado Vagalumes, que luta contra o regime autoritário dos militares e ainda sonha em conseguir uma cura para a infecção.

O Cordyceps existe na vida real. São mais de 400 espécies do fungo e todos são entomopatogênicos, ou seja, parasitas. Em sua maioria, as vítimas são insetos e artrópodes, como formigas e aranhas, mas eles também podem parasitar até outros fungos. A principal característica do Cordyceps é que ele repõe o tecido do seu hospedeiro, criando um aspecto de cogumelo, e pode controlar o comportamento do animal.

APOCALIPSE
A infecção que atormenta o mundo pós-apocalíptico de The Last of Us é o Cordyceps do tipo Ophiocordyceps unilateralis, também chamado de “fungo zumbi”. Ele foi descoberto em 1859 pelo britânico Alfred Russel Wallace quando o naturalista observou que formigas infectadas da tribo Camponotini deixavam seus formigueiros e tinham seus padrões de comportamento alterados pelo fungo. Após alguns dias, a infecção mata o hospedeiro e o utiliza para espalhar esporos.

Alfred Russel Wallace, o pesquisador britânico que descobriu o Cordyceps em 1859.

Como premissa de sua ambientação, The Last of Us se pergunta: e se o Cordyceps pudesse atingir os humanos? A história não explica em detalhes como a infecção do fungo avançou de insetos para pessoas, limitando-se a dizer que uma “nova espécie” surgiu e que a epidemia se espalhou devido a plantações contaminadas. No jogo, a infecção humana age de forma similar aos insetos: o fungo neuroparasita ataca o sistema nervoso do hospedeiro, controlando a mente e alterando seu comportamento, o que transforma os humanos em criaturas perigosas e sem humanidade. Mas fique tranquilo. Na vida real é impossível que humanos desenvolvam a infecção do Cordyceps devido à diferença de temperatura do corpo e ao sistema imunológico mais avançado em relação aos insetos e artrópodes.

Na ficção existem duas foram de transmissão: respirando esporos liberados pelo Cordyceps ou entrando em contato com fluidos corporais de algum infectado (geralmente sendo mordido). Quando um ser humano é infectado, o parasita viaja até o cérebro do hospedeiro em um período de um a dois dias. O período de incubação é concluído quando o Cordyceps toma o controle de todas as principais funções corporais do hospedeiro, levando o hospedeiro para o primeiro estágio da Infecção Cerebral do Cordyceps. Pacientes nessas condições possuem um comportamento violento e atacam qualquer um que esteja a sua volta. Com o tempo, o fungo penetra no tecido e mata o hospedeiro para permitir a liberação de esporos no ar, quando mais pessoas podem se contaminar.

“Clicker” ou “Estalador”, o tipo de infectado mais icônico de The Last of Us.

PROTEGENDO-SE
Em The Last of Us, a infecção causou a devastação da humanidade. No mundo real, o efeito pode ser parecido. Colônias inteiras de formigas já desapareceram por conta do fungo. No entanto, os animais evoluíram para identificar quando algum membro é atingido pela infecção e levam-no para longe do formigueiro.

No jogo, a forma de defesa dos sobreviventes contra infectados é similar. Segundo um panfleto da Organização Mundial de Saúde, a ICC pode ser diagnosticada usando um teste de sangue ou de imagem de microscópio (geralmente administrado pelo ouvido). Os militares usam um aparelho capaz de identificar se um indivíduo está infectado poucos minutos após a contração. Caso esteja, é provável que ele seja morto sumariamente, já que não existe vacina contra a infecção nem nenhum tratamento conhecido para aumentar o período de incubação — e a FEDRA (Agência Federal de Resposta a Desastres) comanda as zonas de quarentena de forma implacável.

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Texto publicado originalmente na coluna “Entre Pixels e Átomos”, na edição #219 da Revista PlayStation (abril/2016).

Pedro Sciarotta é jornalista de games e trabalha como editor de produção nas revistas oficiais de PlayStation e Xbox, publicadas pela Editora Europa.

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[EXTRA]
De corredor a baiacu
The Last of Us diferencia os infectados de acordo com o tempo em que eles foram expostos ao fungo. No primeiro estágio, os “corredores” possuem a visão intacta, andam em grupo e são extremamente rápidos. Os “perseguidores” também são ágeis, mas se escondem e esperam o momento para atacar. O terceiro estágio é o mais clássico: os “estaladores”. A infecção os deixa cegos, mas com grande percepção auditiva. Por isso, eles emitem um som característico que serve como sonar para “enxergar”. É uma técnica semelhante à usada por golfinhos e morcegos — existem até casos de humanos cegos que usam o estalo com a língua para perceber o ambiente ao redor. O estágio final é o “baiacu”, quando o hospedeiro já está contaminado há muitos anos. O fungo cobre todo o seu corpo, criando um escudo que ameniza os danos de tiros. São grandes e lentos, mas correm se estiverem perto de um alvo e lançam bombas de esporos a longa distância.

Os Clickers são cegos e usam a técnica dos morcegos e golfinhos para perceber o ambiente.
Os Baiacus são pesados e lentos, mas possuem força devastadora.

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Pedro Sciarotta

Jornalista de games nas revistas oficiais de PlayStation e Xbox no Brasil.