Street Fighter 2 VS Fighter’s History

Ane Caroline (Gretel)
9 min readNov 12, 2024

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Um vídeo de 1994 circulou no último mês sobre esse processo judicial!

Vocês provavelmente conhecem o jogo Street Fighter, certo? Mas para quem não conhece, vou dar uma pincelada para vocês. Street Fighter é uma franquia de jogos de luta que é desenvolvida e publicada pela empresa japonesa Capcom, essa franquia existe desde 1987 quando era programada para fliperama.

A Capcom foi fundada em 1979 em Osaka, no Japão pelo Kenzo Tsujimoto, hoje a empresa é responsável pelo título Monster Hunter, Resident Evil e ainda pelo Street Fighter, que foi seu enorme sucesso desde os anos antigos onde o pessoal jogava videogame em um aparelho eletrônico gigante que precisava ser pago com fichas em algum estabelecimento, isso recebeu o nome de fliperama ou arcade.

Outro nome que vai compor essa história será a empresa Data East, uma empresa de videogames que foi fundada em 1976 em Tóquio no Japão por Tetsuo Fukuda, segundo o site BD Jogos, a Data East ficou famosa pelos jogos Robocop, Karnov e entre outros, mas o jogo que chama atenção na história é o Fighter’s History. A empresa também era conhecida como DECO e foi extinta em 2003. A Fighter’s History foi um jogo de luta para arcade lançado em 1993, esse foi o primeiro da série de jogos de mesmo nome.

Mas vocês sabiam que rolou um processo entre as duas empresas por volta de 1993?

Street Fighter 2 havia sido lançado um pouco antes de Fighter’s History e foi um sucesso, mas quando Fighter’s History lançou, por mais que o jogo não tenha ido tão bem, muitos jogadores perceberam que ele tinha muitas coisas que lembravam o Street Fighter 2, a história, os golpes e até os personagens tinham uma certa semelhança com o título da Capcom.

Fighter’s History era muito parecido. Durante esse tempo, muitas pessoas vinham até o pessoal da Capcom, até o Tsujimoto, e diziam: ‘Tem certeza de que vai deixar isso passar? Você realmente não pode deixar isso passar. Isso é muito ruim’.”

— Akira Nishitani

Segundo o Tecmundo, a Capcom não tinha um jurídico no Japão, mas como a empresa lucrou muito com Street Fighter 2, o escritório americano criou sua própria equipe de advogados para lidar com as falsificações que poderiam aparecer, isso teria acontecido pouco tempo antes de Fighter’s History ser lançado.

Na época, a revista Game Machine fez uma matéria com Tsujimoto onde ele falava que conseguia analisar um jogo através de engenharia reversa e fazer o jogo ser o mesmo que outro com diferenças superficiais e que provaria judicialmente que a Data East havia copiado Street Fighter 2 com Fighter’s History, mas na mesma matéria, Fukuda rebateu que isso poderia ser debatido, mas que a Capcom colocou a Data East como vilã de forma unilateral e que ele não permitiria isso, ainda alegou que a Capcom fez as acusações para monopolizar o mercado.

“Tudo indica que a Capcom queria usar a Data East como uma espécie de “bucha de canhão” para gerar jurisprudência. Ou seja, ela pretendia mostrar aos juízes que apoiar seu argumento seria a decisão mais correta e juridicamente aceita. Assim, a Capcom poderia inibir o lançamento de jogos de luta semelhantes a Street Fighter, processando outras empresas e, eventualmente, se tornando a única a poder produzir games desse gênero.”

— Tecmundo

Na época, aparentemente isso chamou a atenção, porque até Mortal Kombat poderia ter deixado de existir, afinal, Tsujimoto havia falado em uma entrevista que se um jogo fosse igual a outro em termos de ação, mas fosse diferente em questão de cenários e personagens sem haver um processo, isso abriria precedentes para cópias não autorizadas, se essa lógica fosse seguida, todos os títulos que tivessem ações parecidas com Street Fighter, seriam processados e talvez, nunca sairiam do papel e a Capcom se tornaria a única empresa responsável pelo lançamento de jogos de luta.

Como falado anteriormente, a Capcom chegou a processar a Data East nos Estados Unidos pela cópia de Street Fighter 2, mas no Japão, a acusação era de que a Data East havia copiado Street Fighter 2 Champion Edition, os dois processos foram enviados juntos e alegavam quebra de direitos autorais, além de exigir uma multa exorbitante de 625 milhões de ienes, a Capcom também entrou com uma liminar tentando proibir a Data East de criar ou distribuir qualquer coisa que fosse relacionada a Fighter’s History no Japão e nos Estados Unidos, que na época, eram os dois maiores mercados do mundo.

Segundo a acusação, a Data East teria incluído elementos semelhantes de Street Fighter 2 em Fighter’s History como história, gabinete de fliperama, composição da tela que consistia em barra de vida, cronômetro, tela de versus e tela de vitória, combos, comandos, 27 golpes e até mesmo o visual dos personagens, mas uma alegação que chamou mais a atenção foi que a Capcom alegou que a identidade visual de Street Fighter incluía layout físico dos dois joysticks de oito direções e painéis de controle com seis botões, se isso fosse aceito pelo juiz, ela afetaria os fliperamas, os jogos e os controles arcade, pois ela se tornaria a única produtora desse produto nos países onde mais havia mercado.

A Data East foi até a imprensa japonesa, onde deu sua primeira declaração, falando que todas as acusações apontadas pela Capcom eram semelhanças comuns em outros jogos de luta, essas acusações eram excessivas e representavam uma ameaça para a indústria de jogos em geral no futuro. No tribunal, a Data East apresentou suas inspirações reais para a criação do jogo, mas isso não convenceu a corte, o juiz reconheceu as semelhanças assim que viu, a Data East apresentou um documento com nove página contendo os designs de criação, porém, esse documento também tinha 22 anotações e referências diretas a Street Fighter 2 feitas por funcionários. Achando que estavam no fundo do poço, o plot twist chega quando os advogados da Data East alegaram que os elementos copiados não eram protegidos.

O advogado de defesa da Data East sabia que a empresa não era uma vítima ingênua naquele tribunal, pois sim, os funcionários haviam pego vários elementos de Street Fighter 2 como base para Fighter’s History, mas a empresa não poderia ser processada porque a Capcom não detinha os direitos dos golpes e nem de como os jogos de luta operam.

Como se não bastasse, a Data East alegou que a Capcom havia plagiado primeiro, pois Street Fighter 1 tinha semelhanças com Karate Champ, que era um jogo produzido pela Data East, isso incluía roupas, golpes, personagens e outras coisas que também estavam na alegação da Capcom contra Fighter’s History, então se a alegação da Capcom fosse aceita, Street Fighter também deveria ser proibida de ser vendida e a Capcom teria que pagar indenização para a Data East.

E não para por aí! Na época, saiu uma revelação bombástica de que a Capcom nem poderia se dizer dona da marca Street Fighter nos Estados Unidos, porque até o momento da audiência, a empresa nunca conseguiu patentear a marca no país porque o nome já era usado por uma linha de brinquedos e por isso, suas tentativas de patentes foram negadas, então a Capcom não tinha o direito de dizer que os direitos autorais foram violados.

A Capcom perdeu diversas vezes o processo, na alegação sobre os comandos, o tribunal alegou que a empresa não tinha o direito de dizer que era dona de um quarto de círculo que seria o comando do Hadouken, em um controle que fazia um círculo. Em outro momento, a Capcom não queria que julgasse detalhe por detalhe e sim, como um todo, o que foi descartado pelo juiz, pois segundo ele, não era daquela forma que se julgava em um tribunal sério e a história se tornou pior porque a Capcom apresentou outros jogos de luta como exemplo de que tinha como criar jogos diferentes, mas o juiz viu que em todos esses jogos mostrados por ela tinham vários elementos que a empresa dizia que eram exclusividade deles como barra de vida e tela de versus, então o juiz concluiu que esses elementos faziam parte do gênero de luta em si, não era algo exclusivo da Capcom.

Claro que as coisas não foram flores para a Data East, o Tecmundo conta que vários testes foram feitos para determinar se tinha cópia de algo protegido e aparentemente, tinha sim, o tribunal concluiu que os personagens Feilin, Ray e Matlok do Fighter’s History eram muito semelhantes aos personagens Chun Li, Ken e Guile de Street Fighter 2, o tribunal também percebeu que Fighter’s History tinha cinco golpes semelhantes ao de Street Fighter 2 e por causa disso, a Capcom pediu um julgamento com júri por causa do julgamento no Japão.

No julgamento de agosto de 1994 no Japão, a Capcom perdeu o julgamento porque o tribunal não achou os jogos similares o suficiente, inclusive, o juiz do caso aconselhou que as empresas chegassem a um acordo e ainda mandou uma cláusula para encerrar o processo nos Estados Unidos também, dando a chance para tudo ser resolvido de forma pacífica. A Capcom recusou o pedido de acordo porque eles achavam que as informações que conseguiram da Data East eram a chave para vencerem o processo nos Estados Unidos, então eles pediram mais uma audiência no Japão.

A Capcom começou a pegar ainda mais pesado, eles pediram a planta do escritório americano da Data East e fotos internas dando a entender que aquilo era muito importante para a sua alegação, mas não adiantou, além disso, os jurados viram as fotos dos dois jogos e foram perguntados sobre qual deles era qual jogo sem confundir os dois, em seguida, a Capcom chamou o Akira Nishitani, diretor de Street Fighter 2 como testemunha para dizer que Fighter’s History confundia os jogadores pela semelhança, mas ao perguntarem a ele se já ouviu falar de algum caso desse tipo, ele voltou atrás e falou que nunca tinha ouvido nada parecido, essa resposta de Nishitani foi a mesma resposta que outras pessoas que testemunharam a favor da Capcom falaram, inclusive um dos vice-presidentes da empresa.

A história acabou com o tribunal concluindo que mesmo havendo três personagens parecidos, eles e a obra não eram iguais, o juiz alegou que os golpes eram muito genéricos para pertencerem exclusivamente a Capcom e o juiz ainda aplicou a Doutrina da Fusão, um princípio jurídico que determina que os direitos autorais não podem ser protegidos a fim de criar um monopólio e com isso, a Data East ganhou a causa, a Capcom entrou em um acordo com eles.

“Em nota à imprensa japonesa, a Capcom afirmou que aceitou o acordo porque sua intenção era “buscar melhorias para o futuro, como discutir a relação entre o desenvolvimento de jogos para console e direitos autorais na indústria de games.” Embora essa declaração pareça uma desculpa, na verdade, foi exatamente isso que ocorreu. A discussão sobre direitos autorais na indústria dos games foi criada, mas de forma oposta ao que a empresa inicialmente desejava.”

— Tecmundo

O Santuário do Mestre Ryu afirma que quando a Capcom foi sustentar a sua afirmação de que jogos de luta não precisavam ser iguais para existirem, a empresa mostrou imagens do Mortal Kombat, um dos maiores rivais de Street Fighter 2 na época, embora o pessoal tenha concordado que todos os jogos de luta não tinham a mesma aparência como a Capcom estava alegando, eles também revelaram que o Mortal Kombat ainda conseguia ser mais original que o Street Fighter 2.

“Os desenvolvedores do jogo se baseiam em estereótipos e em personagens verdadeiramente únicos, preferivelmente criados, como Scorpion e Sub Zero. Além de que, os estilos de combate dos personagens de Mortal Kombat são igualmente originais. Nessa extremidade, Mortal Kombat mostra a falta de originalidade que há em Street Fighter II.”

— Santuário do Mestre Ryu

Mas porque esse assunto veio a tona em Outubro de 2024? Simples! Um vídeo raro de 1994 começou a circular na internet, aparentemente, esse vídeo havia sido criado para ser usado no julgamento do processo judicial Capcom X Data East.

Neste vídeo, a Data East, estaria defendendo como os seus personagens Matlok Jade, Samchay Tomyamgun, Makoto Mizoguchi, Jean-Pierre, Ray McDougal, Marstorius e Fei-Lin presentes em Fighter’s History não tinha nada a ver com os personagens Guile, Sagat, Ryu, Vega, Ken, Zangief e Chun-Li de Street Fighter 2, alegando diferenças na cultura e nos visuais mostrando que Matlok tinha a aparência de um punk britânico enquanto o Guile era um militar norte-americano.

Esse vídeo veio a tona graças a uma moça chamada Mollie L Patterson na rede social BlueSky, onde ela mostrou que havia encontrado uma cópia das fitas de exibição que a Data East havia produzido para o processo da Capcom contra Fighter’s History.

Mollie também falou que havia conseguido capturar um seguimento de 16 minutos comparando sete personagens de Fighter’s History que a Capcom alegou que a Data East havia plagiado de Street Fighter 2, mas que infelizmente, a segunda parte onde havia a comparação dos movimentos especiais não estava naquela fita.

É uma pena que hoje, a Data East não exista mais, acho que se ela relançasse esses jogos nas plataformas atuais com as novas ferramentas, provavelmente seriam jogos que todos amariam jogar e conhecer, me pergunto se o processo movido pela Capcom tenha sido o motivo da Data East não existir mais.

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Ane Caroline (Gretel)
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Written by Ane Caroline (Gretel)

Uma estudante de Biomedicina que ama escrever histórias e falar sobre o que acontece no mundo no Estado que chama o pão de cacetinho, aprendiz de psicolouca.

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