O mar de Santos que os portugueses viram no século XVI. Foto minha.

Qual a minha maneira de ser brasileiro?

Rafael Nogueira

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Amiga que mora na Europa me enviou um carinhoso e-mail, depois de ver a minha palestra “Brasilidade, virtude e saber” (disponível no You Tube), dada por ocasião do III Encontro Europeu de alunos do COF.

Ela disse que vê algo de verdadeiramente brasileiro em mim, nas palavras dela: “Há um brilho qualquer que me remete a Monteiro Lobato e à Kay Lira ao mesmo tempo. (…) é como se eu visse em vocês 3 algum elemento de alta cultura brasileira. Há um elo qualquer que não sei bem definir e que também remete aos meus avós maternos.”

Monteiro Lobato.

Foi tão agradável respondê-la que acho que vocês, leitores e amigos, também vão ter um bom momento lendo. Segue parte da resposta:

“Agradeço suas palavras. São sempre bem-vindas, e continuarão sendo ainda que a notícia que elas tiverem a dar não seja tão boa quanto a dessa mensagem. Gostei muito de saber que você está de olho nas minhas exposições, e que vê algo de genuinamente brasileiro em mim.

“Geralmente, respondo aos elogios feitos às qualidades que por tanto tempo cultivo dizendo que elas são fruto de muito esforço mas que ainda assim tenho muito o que fazer para ser melhor. Neste caso é diferente. Eu não tento nem me esforço para ser brasileiro. Isso poderia me transformar num patriota ufanista. A verdade é que eu só quero saber quem eu sou e como me encaixo no quadro geral no mundo.

“Esse quadro não é uma pintura estática do presente, mas uma imagem viva. Na medida em que me identifico com ela, sinto-me mais do que um mero ser vivo com algumas décadas de duração. Parece que antevejo a eternidade.

“O mundo me precede e continuará sem mim. Para eu me encaixar nele, tenho entendido que devo encontrar as chaves do tesouro dessa herança que me informa sobre as estruturas e a narrativa histórica do que está dado. Ao mesmo tempo, tenho que me projetar para diante numa espécie de competição com loucos e monstros que também se projetam. E quanto mais bem instalado no presente, mais capaz fico de ser responsável nesse encaixe, não querendo tomar o lugar de ninguém, nem querendo deixar o meu posto vazio.

“O mundo moderno está uma bagunça tal que só encontrei fundamentos identitários nos conceitos ultrapassados de alma imortal, família, religião, nação, civilização. Se metade da minha família é portuguesa, e a outra metade é paulista de quase 500 anos (quatrocentona), o país no qual criamos raízes é o Brasil. A cultura brasileira tem particularidades, mas tem matriz européia com idiossincrasia lusitana. Compreender isso me deu um lugar na humanidade (não só entre os vivos), o que é uma fonte de significação superior para a vida.

“Como tudo o que temos de bom, se somos bons, queremos partilhar, tenho ganas de convidar todos os que estão perdidos e, e os “estrangeiros” (crianças, por exemplo, afinal, elas vieram de fora), para participar dessa nova vida. Essa situação existencial se desdobra, então, em parte preponderante do meu trabalho: os estudos brasileiros, o Brasil Paralelo, o filme do Bonifácio, o ciclo de clássicos ocidentais, a literatura lusa, a educação de crianças e adolescentes etc.

“Creio que Monteiro Lobato, que era paulista de raiz, culto como um estudioso europeu, e escrevia sobretudo para crianças, tinha uma maneira de ser no mundo muito parecida com a minha. Se eu estiver certo, é isto que nos faz brasileiros de forma também tão semelhante.”

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Rafael Nogueira

Estudioso pangnoseológico inspirado pelo exemplo da noz: cérebro bem nutrido protegido por uma casca grossa.