Como escrever vilões: o guia definitivo

Rachel Fernandes ✍🏻
6 min readFeb 2, 2022

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Imagem por Ryan Quintal

Pode desistir da procura: não existe leitor que, em sã consciência, deteste um vilão bem escrito. E eu vou te provar por quê.

No início dos tempos, as forças antagônicas de uma história nos causavam muitas emoções que, geralmente, não eram tão boas assim.

Se a personagem era má, ela era má. Sem redenção. Sem nuances.

Elas causavam medo nos leitores. E ninguém queria ser visto como vilão, personagem retratada apenas para infernizar a vida do par romântico sonhador.

As personagens, antigamente, ficavam em caixinhas bem definidas.

E o modelo tradicional das histórias reproduzia justamente isso:

  • temos um mocinho
  • temos uma mocinha
  • temos um vilão (ou vilã, como a Lady Macbeth, de Shakespeare)

E fim de papo.

Se você ler qualquer clássico do romantismo — por exemplo, A Escrava Isaura — você vai notar que Isaura é boa e Leôncio é mau. Não espere nada além disso.

Não existia, pelo menos antigamente, as áreas cinzentas tão debatidas hoje na ficção. Anti-heróis, personagens que não são bons o suficientes para serem heróis e nem ruins a ponto de serem vilões, eram raros, e só surgiram no final do século.

Mas com o passar do tempo, aprendemos a humanizar os vilões, a entender os motivos para serem como são e até a torcer por eles.

Como diz uma citação que não me recordo da origem:

“Um bom vilão é alguém que os leitores amam e odeiam.”

O leitor está disposto a jogar a ética para os céus se amar o vilão que você escrever.

Por que? Porque os vilões reforçam numa história o que todo leitor ama:

Conflitos, conflitos e conflitos

Imagem por Stillness InMotion

Já dizia o ditado: quer paz? Engole uma pomba branca.

A boa ficção é sobre conflitos. Personagem A quer algo e a personagem B quer outra coisa, que entra em conflito direto com os interesses da personagem A. Boom. Temos um conflito estabelecido.

Pela lógica, a personagem B seria a vilã na história da personagem A, sendo o inverso tão verdadeiro quanto discussões em família durante a ceia de Natal.

Aliás, sabe quem são os especialistas em conflitos? Os vilões.

Enquanto o seu herói está focado em salvar o mundo, seu vilão quer destruir o planeta. Enquanto o seu herói se importa, seu vilão está pouco se lixando.

Antagonismos, na ficção, geram conflitos instigantes.

Se histórias fossem apenas sobre pessoas se dando bem e fazendo o bem, não teriam motivo para existir.

Mas o que faz um bom vilão? Como escrevê-lo?

Gosto de seguir três princípios quando vou criar meus vilões. São eles:

I. Conhecer a importância da tridimensionalidade

Não adianta fugir da realidade: gostamos de personagens complexas. E isso se aplica aos vilões.

Quando adicionamos um passado interessante, motivos plausíveis — que o leitor pode concordar ou não — e complexidade, é impossível não “comprar” a personagem.

Aliás, é isso o que a Disney vem fazendo com seus vilões.

Cruella, filme sobre as origens da vilã de 101 Dálmatas, cativa quem assiste porque traz tridimensionalidade a personagens que, antes, eram somente maus.

Quando a tridimensionalidade é feita com perfeição, você nem percebe que está torcendo por um mulher cujo maior desejo é transformar cães bonitinhos em casacos de pele.

O que nos leva a outro ponto importante…

II. Lembrar que humanização gera conexão

Todo temos problemas, inclusive quem está tentando destruir o mundo.

E problemas nos aproximam de uma personagem.

Faça o leitor olhar para o seu vilão, ver pontos de conexão — um medo terrível de pombos, a preferência por música clássica ou até um prato preferido — e aceitar a personagem, mesmo que não concorde com ela.

Ser malvado o tempo inteiro é cansativo demais.

E meio chato de ler.

III. Apostar em profundidade + inteligência

Mas dar profundidade a uma personagem não basta: ela precisa de inteligência.

O leitor precisa ver a capacidade mental do vilão e, no fundo, se perguntar: se ele ou ela é tão inteligente, por que entrar na vida de crimes? E a resposta precisa estar clara na motivação.

Lembre-se: os leitores não precisam concordar, apenas “comprar” a ideia do seu vilão.

Vilões burros, cujos planos nunca funcionam, correm o risco de virar piada entre os leitores se…

  1. Não forem criados justamente para esse fim ou se
  2. Não tiverem um arco de redenção e/ou condenação bem executados

Mas também são uma boa categoria a ser explorada.

E eu vou dizer o por quê:

Vilões bonzinhos: uma casta curiosa

Megamente, um filme da DreamWorks

Filmes de super-herói nunca mais serão os mesmos.

Foi assim que o filme Megamente, do estúdio DreamWorks, anunciou sua chegada às telonas no ano de 2010.

Para quem não assistiu, aí vai um resuminho:

Os sonhos do super vilão Megamente se tornam realidade quando ele derrota Metro Man e assume o controle da cidade. Mas um novo vilão é criado, e o caos chega ao limite.

Já deu pra perceber onde quero chegar, não?

A história começa como todo clichê dessa temática: o vilão é derrotado repetidas vezes por um super-herói que luta pela justiça e pelo bem comum. Mas tudo muda quando Megamente vence Metro Man e outro vilão surge na cena.

Megamente, que até então lutava pelas “forças do mal”, é obrigado a assumir uma posição de herói justamente por ter conquistado seu objetivo anterior.

Acompanhar essa mudança de vilão a herói é o que dá o tom da narrativa. Em muitos momentos, é fácil torcer por Megamente e considerar Metro Man um chato de galochas. Por quê?

Porque Megamente é uma personagem com pontos fortes e fracos, um vilão de bom coração. Ele erra muito mais do que acerta e, por ser humanizado, nos identificamos com ele.

Já disse uma vez nesse artigo e, agora, repito:

Problemas nos aproximam de uma personagem.

Em resumo, Megamente — e outros caras bonzinhos, como o Gru, de Meu Malvado Favorito — nos mostra que o vilão é o herói da própria história.

E também nos mostra que, muitas vezes, ele pode virar o herói da história dos outros.

Mas e se a minha história não tiver um vilão? 🥺

Imagem por Михаил Секацкий

Acontece com bastante frequência e está tudo bem. Sério.

Eu escrevo ficção contemporânea há pelo menos uma década e nenhuma das minhas personagens é a grande vilã — nos moldes tradicionais — das histórias que escrevo.

A não ser quando enveredo por mistérios policiais ou histórias de ação, gêneros que pedem forças antagônicas mais delineadas, os vilões não existem.

E por “vilões”, quero dizer que, nessas histórias, nenhuma das minhas personagens quer destruir o mundo.

Por causa disso, gosto de pensar que cada personagem, quando não cede aos objetivos de outra, é considerada vilã do momento.

Se a personagem A quer ir à praia e a personagem B quer ir à serra, temos aí um desentendimento, um conflito que causa a ruptura. Mesmo que durante breves segundos, uma será a vilã na história da outra.

Lembre-se: perceber o outro como vilão é tão importante quanto o outro ser ou não, de fato, o vilão.

Pense na sua adolescência, quando seu pai, sua mãe, avó ou qualquer pessoa responsável por você lhe negava algo, fosse uma viagem com amigos ou uma blusa nova. Como você se sentia em relação a eles? Era o fim do mundo, uma injustiça. Nesse momento, eles foram grandes vilões para você e seus objetivos.

Caso a sua história não tenha um antagonista claro, pense que, toda vez que uma personagem diverge da outra, ela cria essa ruptura.

Ela gera o famoso conflito.

E quando você abraça o conflito, aceita a personagem e também os motivos dela para ser como é, você domina a arte de criar vilões que cativam o leitor.

Sejam eles bonzinhos ou não 😈

E deixa eu contar uma coisa pra você…

Eu escrevo comédias românticas que se passam no sul do Brasil e deixam o coração dos leitores quentinho. Para conhecer meu trabalho é só acessar meu site ou assinar minha newsletter gratuita ✍🏻☕

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Rachel Fernandes ✍🏻

Redatora, escritora e fã de Shrek. Aqui você encontra escrita criativa, livros e produtividade. Acesse https://rachelfernandes.art :)