O segredo das personagens complexas
Tão importante quanto criar uma boa trama, escrever personagens complexas é uma tarefa essencial na ficção. Afinal, é com elas que passamos a maior parte da narrativa. Mas como criar as danadas?
Depois de algum tempo — e de muito estudo — criar personagens com múltiplas facetas fica um pouquinho mais fácil. Na verdade, você automatiza certos processos mais básicos e pode deixar a criatividade rolar solta.
Mas antes de continuar lendo esse artigo, lembre-se:
Na ficção, não existe fórmula mágica. Existe disciplina, trabalho duro e muita insistência.
Como meu professor de narrativa sempre dizia em aula: quando o assunto é Escrita Criativa, nada é escrito em pedra.
Se algum coach mequetrefe ou autor famosinho sem o mínimo de embasamento está tentando vender cursos que prometem transformar você no próximo escritor best-seller da Internet, desconfie.
Para aprender, você precisa escrever muito e errar muito. Não existe atalho nem caminho certo. Existem ideias que você pode incorporar ao seu processo ou não. Experimentação do início ao fim.
Os insights que compartilho aqui são somente o pontapé para você ir atrás das suas referências e experimentar novas técnicas quando for escrever personagens, ok?
Agora que deixamos isso bem claro, vamos do início:
Cebolas têm camadas. Ogros têm camadas…
Como diz na minha bio do Medium: sou uma fã inveterada de Shrek. Devo ter assistido aos filmes, pelo menos, algumas dezenas de vezes. E fico impressionada como sempre consigo aprender algo novo com o ogro.
Nessa cena em especial, Shrek compara os ogros e as cebolas. Burro, num primeiro momento, não entende. Até que Shrek diz a frase que, para mim, é uma aula para criar bons personagens:
Não! Camadas! As cebolas têm camadas. Os ogros têm camadas. A cebola tem camadas. Entendeu? Nós dois temos camadas.
Burro, de novo, não compreende. Mas Shrek já passou a lição.
Personagens complexos, sejam eles ogros, humanos ou burros, têm camadas. Muitas camadas, exatamente como as cebolas.
A melhor forma de perceber a diferença entre personagens complexas e não-complexas é recorrendo aos clichês como forma de exemplo.
Imagine uma personagem popular na escola. Ela pode ser a capitã do time de vôlei do colégio, ter muitos amigos. Aparência e personalidade? Vamos de alta, forte e competitiva. Essa personagem vai corresponder a todos os clichês do atleta que não é lá muito inteligente.
Agora que estabelecemos as bases da criação, vem a pergunta de um milhão de rúpias: como transformar essa personagem extremamente clichê em algo complexo?
A maneira mais simples é adicionar na personalidade dela características que não fazem parte do universo da personagem.
Complicou? Eu explico.
Nossa personagem ultra popular pode ter um hobby esquisito que não combina com ela, tipo colecionar selos ou tocar tuba. Pra deixar mais estranho, diga que ela não sai de casa sem levar um ioiô no bolso.
Por quê? Bom, aí você explica na sua narrativa. Ou não.
O legal dessa técnica é o seguinte: como seres humanos, gostamos de categorizar as pessoas. Quem é estudioso, por essa lógica, não pode gostar de festas. Apaixonados por esportes devem ser limitados intelectualmente e assim por diante.
Mas quando você rompe esse padrão e cria a “quebra” na personagem, o leitor se identifica. Personagens complexas, assim como os seres humanos, não precisam fazer sentido.
O que nos leva a um ponto importante:
“As personagens não precisam ser simpáticas, mas precisam ser interessantes.”
Correndo o risco de soar repetitiva, retorno ao filme do ogro.
Shrek, nosso protagonista, não é nada simpático. Ele sabe que é odiado — e caçado — nos vilarejos e que nada do que fizer ou disser vai mudar a mentalidade dos camponeses. Aliás, na maior parte do filme, Shrek é ranzinza, grosseiro e porcalhão. Por que deveríamos simpatizar com uma criatura assim?
Entretanto, quando o conflito principal se apresenta — Shrek ter de salvar a princesa para recuperar seu pântano e sua paz — vemos uma outra camada do ogro. Quase como se estivéssemos descascando uma cebola.
Shrek nos mostra que personagens complexas não precisam ser, necessariamente, simpáticas. Mas precisam ser interessantes, senão é fim de jogo.
E finalizando, aí vão 3 insights para ajudar você a pensar em como adicionar complexidade às suas personagens:
I. Pessoas são o que acontecem a elas
Personagens e trama são inseparáveis porque somos o reflexo daquilo que nos acontece.
Tire um segundo e pense nas suas personagens preferidas. É quase certo que, durante algum momento da narrativa, elas encontraram desafios — algumas vezes extremos — que moldaram as suas escolhas e decisões.
O mais importante, nesse caso, não são os desafios, mas como a personagem responde a eles.
E isso depende de muitas variáveis, que podem ser anteriores à trama ou não.
II. Falhas são deliciosas
Seres humanos perfeitos não rendem boas histórias.
Permita a suas personagens o dom do erro. Uma decisão errada pode levar a caminhos inesperados na sua trama. Não importa se suas personagens são mocinhos ou grandes vilãs, elas precisam cometer erros em algum ponto da narrativa.
Já pensou que chato ler sobre pessoas que só tomam boas decisões?
III. Preste atenção aos secundários
Eles são tão importantes quanto o seu protagonista.
Os secundários são o apoio da sua personagem principal, mas podem — e devem — ser muito mais do que isso. Dê uma vida a eles, com objetivos bem definidos e que não sejam, necessariamente, ligados ao do seu protagonista.
Imagine seus secundários como protagonistas da própria realidade, porém com tempo de tela reduzido.
Seus leitores vão lhe agradecer por isso.
Ah, e tem mais uma camada minha por aqui…
Eu escrevo comédias românticas que se passam no sul do Brasil e deixam o coração dos leitores quentinho. Para conhecer meu trabalho é só acessar meu site ou assinar minha newsletter gratuita ✍🏻☕