Hello, darkness, my old friend

aquela coisa errada
6 min readJul 30, 2015

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Este MARAVILHOSO post cheio de infográficos sarcásticos do Buzzfeed mostrando como se sentem as pessoas com depressão me deu a ideia de falar sobre as minhas experiências com a doença.

Eu tive depressão por duas vezes já. Somadas, duraram uns bons longos anos. Isso porque entre começar a se sentir mal e descer ladeira abaixo, consultar um médico, iniciar o tratamento e os benditos remédios fazerem efeito leva MUITO TEMPO. Assim, muito.

Na primeira vez, eu já estava fazendo terapia havia uns seis meses quando minha terapeuta resolveu abrir o jogo.

Rachel, você chegou aqui já com depressão, estamos tentando tratar com terapia, mas só isso não está resolvendo. Eu não vejo você melhorar; ao contrário, você está cada vez pior. Eu acho que você deveria procurar um psiquiatra e conversar com ele.

Vejam, ela não disse que eu ia, de cara, precisar tomar remédios; nem falou que o psiquiatra de fato me diagnosticaria como deprimida. Ela só me orientou a procurar um médico.

Nessa época eu era contra remédios para depressão. Por conta de uma experiência familiar em que vi os tratamentos NÃO FUNCIONAREM a tempo, nem do jeito que deveriam (em teoria), era super cética. Por conta disso, levei mais uns dois meses para finalmente criar energia, me despir de todos os preconceitos e marcar uma consulta com um médico.

Meu primeiro psiquiatra foi o Dr. Renato. Estamos falando de meados de 2011 e eu estava realmente mal. Tinha pedido demissão do trabalho e não conseguia sair da cama. Na verdade, eu não via motivos para sair da cama. Para que tomar banho ou escovar os dentes? Para que levar os cachorros para passear, sentir o vento na cara, tomar um sol ou apenas abrir as janelas do quarto? Eu passava o dia no escuro, zapeando a tv e olhando aquelas imagens se mexerem na tela. Dormia por muuuuitas horas e estava sempre cansada, sem ânimo para fazer absolutamente nada. Tinha os chamados pensamentos invasivos, que é quando você fica lembrando só das cagadas que fez na vida, dos momentos em que passou vergonha, das situações em que sofreu e chorou. E aí vira um troço retroalimentado a la Biscoitos Tostines: você se sente mal por ter esses pensamentos, aí fica pior e tem mais pensamentos. Enfim, uma vida na merda.

Na consulta, Dr. Renato precisou de meia hora para me diagnosticar e prescrever um antidepressivo. Não só porque meus sintomas eram clássicos como também porque eu já vinha com a indicação da terapeuta, contando que estava em sessões havia meses e sem conseguir melhora.

Lembro perfeitamente bem do MOMENTO em que senti que porra, acho que o remédio está fazendo efeito. Fazia nove dias que estava tomando os comprimidos e tinha saído no fim da tarde para levar os cachorros para uma voltinha rápida. Me sentei num banco da praça, olhando as sombras das árvores, as pessoas, os dogs e aquela NUVEM na alma parecia haver se dissipado um pouquinho.

Faço aqui um aparte para explicar como se sente um deprimido, pela minha ótica.

Não é tristeza, nem cansaço. É uma APATIA gigantesca. Nada te comove, nada te emociona. Nada nesse mundo causa algum rebuliço lá dentro. É como se você SENTISSE a vida com o filtro cinza do Instagram. Tudo fica nublado, árido, seco, morto. É você, mas no piloto automático.

E, nesse dia, eu tive a sensação de que o piloto automático havia sido desligado.

Daí para frente foi ladeira acima. Eu me sentia bem a cada dia e cada semana era melhor do que a anterior. Voltei a tomar banho (hehe), conviver com gente, trabalhar, ter ânimo para fazer atividades que me trouxessem prazer, como exercícios físicos e ir para festas. Tive até força de vontade suficiente para terminar um casamento que já estava acabado fazia muuuuito tempo.

Doze meses depois da minha primeira consulta, o Dr. Renato me deu alta. Disse que eu já estava perfeitamente bem, provavelmente havia sido uma depressão momentânea, causada por uma série de situações que me puxaram para baixo. E que a partir de então eu poderia seguir sem os remédios e sem o monitoramento mensal dele.

Aproveitei a onda e me dei alta da terapia também. Leila, a terapeuta, concordou; fazia mais de dois anos que eu estava indo semanalmente ao consultório dela e tinha conquistado avanços emocionais surpreendentes, impossíveis de conseguir se você não se propõe a fazer a terapia funcionar.

Foram três meses sem remédio e longe do consultório até começar a me sentir mal novamente. E foram mais uns seis meses até admitir que Hello, Darkness, my old friend, is that you again?

O problema, acho, dessa segunda fase da depressão, é que eu era uma depressiva ativa. Eu trabalhava de maneira eficiente — e muito — , mas era só o que eu fazia. Aos finais de semana não saía do quarto, nem tomava banho (de novo). Me alimentava de misto quente e torta de morango, que comprava na padaria perto de casa usando um moletom com capuz e óculos escuros. Não respondia ao celular. Evitava qualquer contato com pessoas. E demorei a admitir que estava mal de novo.

Fiz um retorno em etapas. Primeiro, voltei à terapia. Pensei que talvez ela sozinha pudesse me ajudar. Tentei por três meses e estava indo cada vez mais para dentro do buraco. Na verdade, nessa época eu já estava no fundo do poço cavando com uma colherinha.

Não tive escolha e voltei a me consultar com o Dr. Renato. Achamos por bem retomar a mesma medicação que tinha usado no ano anterior. Havia funcionado super bem, tive poucos efeitos colaterais e os resultados vieram rápido.

No entanto, dessa vez, não deu certo. Não me adaptei ao remédio. E descobri o efeito MAIS BIZARRO que um antidepressivo pode dar: pensamentos suicidas.

Sério. Ao invés de te fazer melhorar e rebalancear a química fodida do seu cérebro, as porras dos remédios podem dar aquele empurrãozinho que falta para você se jogar da ponte. Eu pensava todos os dias em me matar. Analisava racionalmente minhas opções: conseguiria pular do alto de um prédio? Não, jamais, me cago de medo de altura. Teria acesso a uma arma? Muito complicado. Cortar os pulsos? Era uma ideia. Mas a opção que mais me tentava era encher a cara com todos os tarja preta e controlados que havia em casa e torcer para dar muito errado. O problema é que eu tinha que GARANTIR que iria morrer; acordar toda vomitada num quarto de hospital me marcaria para o resto daquela vida de merda, nenhum plano de saúde me aceitaria de volta, eu teria que explicar para um monte de gente porque tinha tentado me matar, etc. etc. etc..

No auge dos pensamentos suicidas, tive a LUCIDEZ de ligar para o psiquiatra e contar a real. Ele receitou um outro remédio, mais moderno, que me trataria de uma outra maneira, sei lá qual o esquema químico da coisa toda. E aí, vagarosamente, a passos de formiga, fui melhorando. Acho que levou uns quatro meses até que eu me sentisse saudável e no controle das minhas emoções de novo.

Contando assim, nem parece que foi tão ruim. Porém, foram anos apagados da minha vida, como se tivessem sido roubados de mim. Muitos meses em que eu não fiz nada além de trabalhar, ver tv e engordar. Tempo demais me sentindo mal, infeliz, desesperançada, sem nada a que me agarrar.

A pior coisa que você pode dizer a um depressivo é que ele só está assim porque quer. Ou que ele não precisa de remédios para melhorar, é só fazer exercício físico ou setar seu pensamento para ser uma pessoa feliz — hahahaha, parece piada, mas meu ex marido, enquanto casado comigo, tinha a PACHORRA de me dizer isso com frequência.

Entenda: a depressão é um troço bem mais complicado que preguiça ou tristeza. É um desbalanço químico no cérebro. Na maior parte das vezes, acontece devagar e, quando você percebe, está instalada. Não tem como o doente, ativamente e por conta própria, RESOLVER que AGORA vai sozinho balancear novamente os neurotransmissores da cabeça dele e opa, JÁ TÔ ÓTIMO.

Os remédios são fundamentais. Terapia ajuda muito também. Compreensão alheia, então, nem se fala. Tem gente que tem depressão uma vez na vida, trata e pronto; nunca mais. Entretanto, outras pessoas passam a vida sob monitoramento constante, delas próprias e de médicos e terapeutas. Em muitos casos, a origem é genética; em outros, apenas ambiental: rolou uma merda aí na sua vida que te deixou muito mal. Você trata e passa.

Mas, definitivamente, precisamos aceitar o depressivo. Entender que é muito mais que uma tristeza passageira ou opção dele. Depressão mata. Por dentro e por fora.

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