Grita em coro, Brasil!
Toda família tem lá suas histórias. Aqueles causos que sempre voltam a bailar em almoços de fartura, natais de presentes meia-boca ou qualquer aniversário que envolva a casa das dezenas. Na minha, há uma bem mais interessante que qualquer outra ouvida por aí. Nos idos de quase 1980, meu pai e um grupo de amigos foram passar uma temporada entre Suíça e Portugal. Era a época de ouro da indústria têxtil no Brasil e toda a viagem foi bancada pela empresa na qual ele trabalhava.
A ideia era que eles fizessem cursos e, com o savoir-faire do velho mundo, pudessem trazer mais dividendos. De quebra, claro, eles ganhariam um belo dum passeio pela Europa. Esse deveria ser o foco da história. Mas, claro, são os descaminhos que a tornaram, de fato, interessante. Naquela época, o voo para Lisboa saía de Salvador, na Bahia. Não sei o por quê e nunca perguntei, pois nada mais inconveniente que aquele chato questionando todos os pontos de um relato, certo? Pois bem, continuo. Meu pai ainda não era casado e, jovem, aproveitou a noite antes do embarque para sair pelas ruas soteropolitanas. Numa delas, um hostess da cidade acompanhava o grupo e, por volta das 5h, chegaram a um bar.
Numa mesa mais afastada, Gal Costa celebrava com poucos amigos que ainda se mantinham fortes depois da noitada. Não demorou para que meu pai se juntasse à mesa dela. Disse que um fã de verdade jamais poderia deixar uma oportunidade dessas passar. Queria conversar com ela, trocar ideias… Só isso já daria um conto familiar eterno. O fato é que, segundo papai, Gal gostou dele. Não “carnalmente” falando, calma gente. Gostou da conversa, dos assuntos, da história dele. Meu pai é incrível, um bom contador de causos e sabe bem como apresentar o Piauí para os de fora. Não é de surpreender que ela tenha se encantado. A surpresa vem agora. Quando o dia clareou, todos precisaram voltar para o hotel. Foi aí que Gal virou-se pro meu pai e disse: “Gostei muito de você, Mury. Vou te fazer uma surpresa. Espere por ela.”
Aqui é bom explicar o nome do meu pai. Na verdade, ele se chama Gilberto. Mas, durante toda a adolescência, teve o apelido Muriçoca, por ser muito magro. O codinome virou nome, abreviado e com direito a “y” no final. Até hoje essa grafia causa problemas para ele, inclusive em aeroportos. E é essa segunda identidade do meu pai que completa toda a história. Mury foi para a Europa, estudou, voltou e, no carnaval do ano seguinte, a surpresa de Gal finalmente deu às caras. Naquela época, o maior sucesso dela foi O Bater do Tambor. A letra fala por si…
“Toda a eletricidade
Trio-elétrico e o seu gerador
Toda energia que magnetiza a cidade
Pára pra deixar ouvir o bater do tambor
Mão de preto no couro
E o Brasil grita em coro
ê muri muri ô babá
ê muri muri ô (…)”
O “y” não foi no muri e tem muita gente que ainda acrescentou ao nome o prefixo “o”. Mas, como disse antes, não venha ser aquele chato que critica tin tin por tin tin. Meu pai já foi muso de Gal Costa e isso é algo digno de ser contado em toda reunião familiar. Aposto que na Páscoa, o mesmo disco vai tocar.