Yuran Khan

Série jornalística — parte 1: Avenida Pedro II, o cemitério de lojas

Rafael D'Oliveira
7 min readSep 28, 2017

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Portal Bhaz

Matéria produzida para o portal Bhaz. Fotos e vídeo de Yuran Khan

Desde a implantação da pista exclusiva de ônibus e a proibição do estacionamento na avenida Pedro II, em 2014, os comerciantes da região vem sofrendo com a baixa nas vendas e a ameaça de fechar as portas. Atualmente, a rua é um “cemitério de lojas”. Ao longo de sua extensão, são dezenas de placas de “aluga-se”. A reportagem do Bhaz percorreu todo o trajeto de cinco quilômetros da avenida, nos dois sentidos, que começa próximo à estação Lagoinha do Metrô, no centro de Belo Horizonte, e termina no Anel Rodoviário. Ao todo, são 195 lojas fechadas, o que corresponde a uma loja a cada 82 metros, aproximadamente.

A principal reclamação dos comerciantes da região é que a proibição de estacionamento na pista da direita espantou os clientes que antes transitavam pelo local. Além disso, fazer o recuo da loja para abrigar vagas de carro está inflando o valor dos aluguéis na região. Entramos em contato com imobiliárias que alugam lojas no local. O preço de aluguel de um espaço com estacionamento custa entre R$ 3,9 mil e R$ 8 mil, por mês. Uma dessas lojas está fechada há dois anos. Já as lojas sem espaço para veículos custam entre R$ 1,7 mil e R$ 2,5 mil.

Outra reclamação dos comerciantes é da falta de local para carga e descarga. Muitas empresas precisam cometer infrações para descarregar mercadorias. Durante a produção desta reportagem, flagramos um caminhão estacionado na calçada e ocupando parte da pista de ônibus para descarregar produtos. A multa para este tipo de infração é de R$ 88,38, com perda de 3 pontos na carteira de habilitação. O veículo também pode ser removido.

Nossa equipe também flagrou uma viatura da Polícia Militar estacionada na calçada, infringindo a Lei de Trânsito.

Mudança de realidade

“O Move acabou com o meu comércio”, é o que afirma o proprietário da loja de materiais elétricos José Raimundo Pereira, de 74 anos. O comerciante dedicou 20 anos de sua vida à sua loja na Pedro II. De acordo com ele, antes da pista exclusiva para ônibus, sua loja recebia cerca de 100 clientes por dia.

“Atualmente, faço cerca de 20 vendas por dia. Mesmo assim, não é suficiente, pois, às vezes, a pessoas compra algo de R$ 0,20 centavos. Mas, independente disso, eu trato todos bem, é isso que me mantém aqui”, afirma José.

Para o comerciante a obra de mobilidade urbana prejudicou inclusive a microeconomia da região. “Antes, existiam cinco lojas aqui neste prédio. Só a minha restou. Isso acaba com a gente, pois os funcionários das outras lojas compravam aqui e vice e versa. Existia uma parceria”, diz.

A loja de José conta com apenas dois funcionários, mas ele conta que, em tempos de bombordo, ele tinha o dobro de colaboradores. “Eu sobrevivo, pois, sou aposentado. Mas, infelizmente, os meninos às vezes passam por dificuldade. Nós já pedimos ajuda em vários órgãos, mas não deu em nada”, lamenta.

Sobrevivendo

Luiz Barbosa, 65, é dono de uma loja de produtos variados na avenida há três anos. Ele conta que chegou ao local no período de implantação da pista exclusiva. “Isso aqui piorou demais. Para mim, não faz tanta diferença, pois, tenho uma clientela quase fixa. Mas, acredito que, se os carros pudessem parar aqui, eu venderia mais”, conta.

Segundo ele, outros comerciantes da região o procuraram diversas vezes para se unir e cobrar ações dos órgãos responsáveis. “Há cerca de oito meses ninguém fala mais nada. Nós chegamos até a fazer uma passeata aqui, mas não mudou nada”. Questionado se a loja tem rendido o esperado, Luiz nega. “Eu estou apenas sobrevivendo. O que eu ganho aqui é para pagar as contas”.

Quem resolveu arriscar e investir em uma loja na avenida foi Elaine Epifanio, 48. Ela e o marido abriram uma loja de manutenção e instalação de refrigeradores no local. Há cerca de dois meses eles estão no local, mas, sem novos clientes. “Nós continuamos com os clientes que tínhamos antes de vir para cá. Estamos nesse ramo há mais de 10 anos, mas nossa loja aqui não melhorou nem piorou nossa situação. Não tivemos novos clientes, apenas os mesmos”, diz. Nossa reportagem voltou à loja de Elaine três dias depois de conversar com ela. Para nossa surpresa a loja está fechada e com placas de “aluga-se”.

Problema na porta de casa

Com a falta de estacionamentos na Pedro II, o fluxo de veículos foi transferido para as ruas paralelas à avenida. Antes, as vias que eram tranquilas, agora, se tornaram agitadas.

O representante comercial, Eduardo Fontella, 59, mora no local com o pai de 87 anos e duas irmãs. Segundo ele, morar na região se tornou um inferno. “Eu sempre tenho problemas com carros estacionados na saída da minha garagem. Já cheguei a ficar 30 minutos esperando o motorista retirar o carro. Eu ligo na BHTrans e eles pedem que eu anote a placa do carro e comunique a uma viatura deles. Mas, eu não vou fazer o trabalho deles”, afirma.

Além dos problemas para sair de casa, o morador informa que a violência no local aumentou. “Agora, está acontecendo muitos assaltos aqui. Na parte da noite se torna ponto de drogas e de prostituição. Essa rua já foi tranquila um dia. Mas, foi completamente prejudicada pelas mudanças na Pedro II”, finaliza.

O fantasma do BRT

“O pior que aconteceu com a avenida Pedro II foi o fantasma do BRT”, quem diz isso é o presidente da Associação de Proprietários e Comerciantes da Regional de Belo Horizonte (Apracom-BH), Lucas Junior. O comerciante de 58 anos está à frente das discussões que visa o lado dos lojistas da avenida Pedro II. De acordo com ele, o projeto original do BRT/Move na avenida foi modificado em cerca de 60%. Caso contrário, todos os comerciantes da avenida estariam falidos.

“O projeto original era desapropriar grande parte do comércio da avenida, alargar a pista e fazer uma faixa exclusiva no canteiro central, assim como foi feito na avenida Antônio Carlos. Há seis anos, isso rendeu uma briga enorme, inclusive comprada por mim a favor dos comerciantes da região. Mas, é importante ressaltar que não somos contra o projeto de implantação do sistema de transporte. Nós entendemos que é um benefício para a cidade e deve ser mantido”, explica.

O vendedor que dedicou cerca de 35 anos em uma loja na Pedro II explica quais foram os conflitos com a prefeitura. “A primeira questão debatida é que queriam indenizar os proprietários de acordo com o preço do imóvel no IPTU, ou seja, um valor ridículo. Com isso, após muitas discussões, chegaram à conclusão de que o projeto era caro, absurdo e mal feito e o ex-prefeito, Marcio Lacerda, cancelou a proposta”, conta.

Porém, a proposta, mesmo desativada, está afetando os investimentos na região. “Os imóveis que estão na área de desapropriação estão disponíveis para ser alugados ou vendidos. O problema é que eles ainda constam no projeto original da implantação do Move. E a proposta já foi aprovada e está encostada. Ou seja, um dia o projeto pode sair. Isso pode acontecer amanhã ou daqui a 30 anos. Por isso, ninguém investe aqui, pois ninguém quer arriscar um investimento caro na Pedro II, correndo o risco de ser desapropriado futuramente. Ninguém da prefeitura aparece e diz se vai ou não tocar o projeto de implantação da pista do Move. Ou seja, esse fantasma do BRT afeta muito o comércio da Pedro II. Além disso, essa grande quantidade de lojas fechadas aqui, afasta o investidor.”, diz Junior.

Segundo o comerciante, outras propostas serão apresentadas para a atual gestão da cidade até que atenda à todos. “No projeto original não ia ter espaço para nenhum estacionamento. Por isso,eu sugeri colocar o rotativo nas ruas próximas para aumentar a rotatividade de clientes. O próximo passo é marcar marcar uma reunião com o atual prefeito, Alexandre Kalil, pois ele esteve aqui em época de campanha e disse que iria conversar sobre isso com a gente. Vou sugerir ao prefeito a proposta de autorizar o uso da pista do Move fora de horários de pico. A ideia e fomentar a volta do comércio aqui na Pedro II. Essa proposta vai gerar mais empregos e impostos para a cidade. Seria apenas uma experiência, mas, que pode dar certo”, aposta.

Autoridades

Os comerciantes da região procuraram por vereadores para tentar resolver o problema. Quem intermediou e discussão foi o vereador Gilson Reis (PCdoB). Segundo ele, seis propostas foram apresentadas: A possibilidades de estacionar e parar na pista exclusiva dos ônibus entre as 10h e 17h é após as 20h; carga e descarga em períodos alternativos; recuo nos passeios para parada de ônibus; permissão de estacionar nas ruas laterais; a diminuição do número de ônibus na avenida e o estacionamento em em passeios com larguras acima do mínimo permitido na lei Municipal. O vereador ressalta que não há nenhuma discussão sobre o tema na atualidade.

O presidente da BHTrans, Célio Freitas, em conversa com nossa equipe disse que o problema da avenida é a crise. “As lojas da Pedro II estão fechadas devido à crise econômica que assola o país. Isso não tem envolvimento algum com a implantação das pistas exclusivas de ônibus. Acredito que com a recuperação econômica do país, as lojas da região voltarão a funcionar plenamente”, conta.

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Clique aqui para conferir a discussão sobre o assunto.

Leia a segunda parte!

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Rafael D'Oliveira

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