Agora eu te entendo, Will, também sou filho do Lou! (Parte 1)

Rafael Magalhães
3 min readFeb 21, 2019

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Um maluco no pedaço — Episódio 97

Quando eu era criança, assistia repetidas vezes a série Um maluco no pedaço (The fresh prince of Bel-air). No alto dos meus 5 ou 6 anos, era certamente incapaz de compreender todas as minúcias do discurso, para o azar de todos, eu cresci.

Trataremos aqui sobre o episódio 97 desta série. No episódio em questão, conhecemos Lou (Ben Vereen), pai do protagonista Will Smith (interpretado por ator homônimo), este episódio trata-se de um reencontro familiar, já que Lou abandonou o filho 14 anos antes.
Peço perdão aos leitores, mas para seguir esse texto preciso dar um spoiler, mas farei isso com gentileza e elegância… Tomem aqui a cena mais importante do episódio.

Ótimo, uma vez contextualizada a participação do Will Smith nesse texto, vamos conversar um pouco sobre mim.

*A ideia inicial era redigir um texto que abarcasse todos os detalhes sobre minha relação com meu pai, para que não ficasse muito pesado, cansativo ou longo resolvi dividir em partes.

Fui criado sem pai, sob a supervisão da minha mãe e minha avó, pessoas incríveis para quem devo tudo. Se estou onde estou e chegarei onde chegarei é por causa dessas duas mulheres.

Até os meus 7 anos minha mãe me contava que meu pai havia falecido, que eu havia ficado órfão de pai ainda nos primeiros anos de vida e que não deveria me preocupar com isso. Compreendo a boa vontade da minha mãe, mas foi um erro amarrar uma mentira tão frágil perto de uma criança tão curiosa.

Sendo sincero, não sei desde quando eu sabia da verdade, lembro que aos 7 anos voltei da aula com alguns panfletos, esperei até que minha mãe chegasse do trabalho e conversei seriamente com ela entregando um dos panfletos.

Quero conhecer o meu pai!

Era o número da Vara da Infância e da Juventude.

Eu estava certo, minha mãe não fez cara de espanto por seu filho querer conhecer um homem morto, ou cara de tristeza por ter que -mais uma vez- explicar para uma criança que seu pai morrera anos atrás. A cara beirava a pena:
- Você tem certeza?
- Sim.
- Você vai se decepcionar.
- Todo mundo tem pai!

Foi uma última membrana de resistência, uma tentativa de me proteger de algo que eu era muito novo para entender.

Minha mãe fez a minha vontade, viraria a cidade de cabeça para baixo se preciso fosse. Não foi preciso, meu pai, bem como minha família, não havia mudado de endereço, morando no mesmo local não foi difícil encontrá-lo. Não percebi naquele momento que, sendo fácil encontrá-lo, seria fácil que ele me encontrasse também, se quisesse.

Encontrei meu pai ainda nos meus 7 anos, prometeu-me o mundo que havia perdido comigo, me levaria à praia, na sua casa, eu conheceria minha irmãzinha e aprenderia a andar de bicicleta… Tudo isso naquele final de semana.

Nunca fui muito de acordar tarde, naquele sábado acordei antes do galo. Banho, roupa de praia, mochila do Digimon cheia de coisas para passar o dia na casa do meu pai que me buscaria às 8 da manhã. Fiquei pronto, esperando-o enquanto tinha de ouvir as 9 da manhã que ele não viria, ouvi às 10, às 11, ouvi às 19h quando minha mãe chegou do trabalho. Lembro que retruquei sempre com “Ele vem sim, ele falou que viria”.

Conheci tudo isso depois daquele dia, talvez tenha sido até no domingo logo em seguida, não sejamos injustos, mas aquele dia me ensinou coisas que, bem como Um maluco no pedaço, eu só entenderia anos depois. Sinto muito, Will Smith, somos todos filhos do Lou!

Como eu queria ter acreditado, como eu queria pegar aquela criança de 7 anos no colo hoje, queria tirar sua mochila do Digimon nas costas e falar que não importava se ele não viesse, pois eu mesmo o levaria na praia. Queria tanto que isso fosse possível, queria poder levar aquela criança para aprender a andar de bicicleta, mas acontece que eu nunca aprendi, pai!

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Rafael Magalhães

Rafael Magalhães, homem negro, nordestino, periférico.