“Mamãe, ele é como eu”: As questões de representatividade na Cultura POP.

Rafael Magalhães
4 min readMay 11, 2019

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Me perdoem por essa imagem, é minha preferida do Miles Morales, um dia vocês entendem.

Quero começar esse texto dedicando-o. Vou dedicá-lo aos que passaram por todas as dificuldades pelas quais eu não passei, aos que lutaram no caminho, aos que caíram lutando para que hoje nós tenhamos acesso a lugares que eles não tiveram. Acredito que todo mundo tem alguém assim, para um pouquinho aqui, pensa na história dessa pessoa e só depois continua, tá?
Essa pessoa está te cuidando.

Quando eu era criança, eu adorava o Universo de super heróis. Ok, eu adoro até hoje, mas quero falar sobre o caminho de lá até aqui.
Naquela época, eu que cresci na periferia de uma cidade brasileira, ainda me via e consequentemente, via as pessoas ao meu entorno, pouquíssimo representadas no que viria anos depois a se chamar “Mundo Geek” (O primeiro que me chamar de Nerd vai ter que sair na porrada comigo por 5 minuto, sem perder a amizade).

Repare, uma criança negra, olha para a TV e vê diversos personagens incrivelmente fortes, quase nenhum é igual essa criança. Ali nos anos 90/00 nós tínhamos o Super Choque (DC Comics), a Tempestade (Marvel) e quando muito, o Blade (Marvel)… É, você nem lembrava “quem porra era Blade”, muito menos que ele era da Marvel. Ficava marcado desde o início o espaço que me cabia, quem eu deveria ser e que, invariavelmente, eu poderia ser.

“Você não pode ser o Ranger Vermelho”

Ora, por que eu não poderia ser o Ranger Vermelho? Ou o Wolverine? Por que eu não poderia ser o Capitão América, o Homem-aranha? Eu não me contentava em ser menor, não me contentava com menos que o protagonismo ou com protagonismos menores. Talvez eu não devesse mesmo querer ser esses, mas será possível que uma criança negra não pode querer não ser o Super Choque, a Tempestade ou o Blade?

E levou tempo, hein?!? Lembro que em 2016, sob o furação do novo filme de Star Wars (que eu nunca assisti, diga-se de passagem), enquanto o filme sofria boicotes por dar protagonismo a um homem negro e uma mulher, uma criança negra me fez chorar.

Eu gosto dele porque ele é igual a mim.

Pronto, desencadeia-se na minha mente toda a discussão que estou fazendo com vocês. Onde os meus iguais estiveram toda a vida, que nunca estiveram onde todos pudessem vê-los? Por que não estávamos representados nem em espaços ficcionais de poder?

Não se engane, não há alienação nenhuma de minha parte, tenho consciência que eu era, naquele momento, um nicho de mercado inexplorado, que naquele momento o capitalismo buscava novos espaços para vender e lucrar, fui conscientemente de encontro ao seu desejo.

Um tempo depois tivemos Luke Cage estreando na Netflix, Pantera Negra nos cinemas, dois personagens que falam abertamente sobre racismo e racismo estrutural.

Iron Heart, Moon Girl e Devil, o Dinossauro.

Temos, ainda que no elitista mundo das HQs, Riri Williams (15 anos) e Lunella Lafayette (9 anos). Duas jovens cientistas, mulheres, negras, ocupando espaços que nunca haviam ocupado.

Além desses, hoje nós temos: Falcão/Capitão América (Sam Wilson), Homem-aranha (Miles Morales), Misty Knight, Raio Negro, Tormenta, Estelar e tantos outros personagens.

Recentemente passou por boicote o filme “Capitã Marvel”, a justificativa era que a Marvel estaria praticando fan service e tentando lacrar sobre pautas feministas ao representar a heroína como um dos seres mais poderosos do universo. Os adeptos do boicote usam nas redes sociais a máxima “Quem lacra, não lucra”, só esqueceram de combinar com os espectadores, pois o filme já é (até o fechamento desse texto) o 23º com maior bilheteria da história do cinema.

Pessoas negras, mulheres, LGBT+, imigrantes são de fato nichos de mercado pouco explorados, mas não são apenas isso, são pessoas que nunca se viram representadas e que utilizarão bem esses espaços para se organizarem.

Diga ao seu menino que ele é um rei, diga para a sua menina que ela pode ser uma guerreira se ela quiser, ou uma cientista, fale para a sua criança que ela tem potencial para liderar, ela certamente o fará.
Ninguém parou a geração de nossos avós, nossos pais, ninguém nos parou, embora tentem muito até hoje. Estamos forçando caminho e fazendo nossos espaços, estamos fazendo nosso nome e não iremos recuar. Qualquer um de nós pode usar a máscara.

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Rafael Magalhães

Rafael Magalhães, homem negro, nordestino, periférico.