J.L.Benício e suas raridades trapalhônicas

Rafael Spaca
10 min readFeb 21, 2024
Arte de J.L.Benício para Os Trapalhões

J.L. Benício já estava consolidado no mercado. Era conhecido por ter desenhado, principalmente, mulheres voluptuosas em capas de livros, publicidade e em cartazes de cinema quando iniciou um longo percurso com Os Trapalhões em 1974.

As obras de Benício, assim como as de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Portinari, Tarsila do Amaral, Jackson Pollock, entre outros gênios, possuem uma marca própria. Você vê um desenho e identifica de primeira: é dele!

Seu trabalho a guache é inconfundível. Captava a essência do filme e transformava em imagens o que as palavras, releases e críticas jamais conseguiriam transmitir ao público.

O ‘rei das pin-ups’ se reinventou, ao firmar uma das parcerias mais longevas e frutíferas do cinema nacional (que de tão rica, se diversificou e ingressou em outros ramos), focou a ilustração mais para o lado da ação, evitando o erotismo. Não deu outra, além dos filmes, as crianças queriam levar para a casa os cartazes dos Trapalhões, que viraram objetos de colecionador, onde adernavam quartos e salas de centenas de residências.

O cartaz que Benício mais aprecia é o de O Cinderelo Trapalhão, já que o menos gosta de lembrar é o de A Princesa Xuxa e Os Trapalhões, onde explica a razão logo na abertura.

Esse texto é apenas um recorte da sua extensa obra. É um convite à contemplação e à alma de um artista que traduziu, como ninguém, o quarteto mais querido do Brasil.

A ideia era transformar essa relação num livro. Benício ficou com receio de ser processado por Renato Aragão caso a ideia fosse adiante. Infelizmente não pude realizar esse trabalho. De toda maneira, a publicação deste post faz uma justa homenagem ao grande mestre das artes.

Benício disse-me uma vez: grande parte do sucesso do meu trabalho devo aos Trapalhões.

Como veremos, a recíproca é verdadeira.

Rafael Spaca

Quem fez?

Benício trabalhou em renomadas agências de propaganda, ele é aquele brasileiro dos bastidores, onde todos o conhecem por sua obra, mas não aparece para as câmeras. Observando seu trabalho sinto uma certa nostalgia com os cartazes Os Saltimbancos Trapalhões e Robin Hood o Trapalhão da Floresta me lembro bem deles quando criança e com isso entrego minha idade. Eu já adulto ao ver o cartaz de Dona Flor e seus Dois Maridos, clássico do cinema nacional descubro como se não bastasse. Quem fez? Benício. Ele estava em todas!

Mencionei publicitário no inicio deste texto? Puxa nem lembro mais disso, para mim, ele é um espetacular ilustrador, desenhista com centenas de obras nos mais de cinquenta anos de carreira, convido vocês, assim como eu, a caminhar com seus olhos pelas ilustrações de Benicio.

Paulo Durão designer gráfico, coordenador e professor dos cursos de Editoração, Publicidade e Design da Faculdade Rio Branco de São Paulo. Formado pela Faculdade de Belas Artes em Design, pós-graduado em Design Instrucional pelo Senac-SP e Comunicação e Artes pela Universidade Mackenzie pela qual concluiu seu mestrado em Educação e História da Cultura.

Benício, um sonho

Era como se realizasse um sonho meu, me ver retratado pelo José Luiz Benício.

Só que tinha um problema: ele me fazia muito bonito, e eu não era tão bonito assim como ele me desenhava.

Era um sonho pra mim porque teve uma época que eu nem sabia quem era o Benício direito, eu ainda não era um dos Trapalhões, e via outros cartazes do Benício nas salas de cinema e ficava encantado.

Eu sempre gostei muito de desenho, eu tentei desenhar algumas vezes, mas eu sou muito ruim nisso aí. Meu filho Marcos Santana desenha muito bem, e supre uma vontade minha, a de querer desenhar.

Mas voltando ao Benício, repito: era a realização de um sonho ser retratado por ele.

Aquele moleque que passava nas portas dos cinemas e que via aqueles cartazes lindos e, de repente, era desenhado por aquele artista, ou seria mestre?, que tanto admirava era a realização de um sonho.

Eu via aqueles cartazes bonitos, olhava os detalhes, os desenhos e só depois é que eu via os nomes dos artistas, mas o que me chamava mais a atenção, antes de qualquer coisa, eram os cartazes, a maneira que eles eram compostos, o design.

Quem é o Dedé para o Benício desenhar?

Era um negócio emocionante.

De todos, o que eu acho mais sensacional é do filme O Trapalhão na Ilha do Tesouro (1974). Benício foi muito feliz nesse cartaz, a maneira como ele chamava a atenção, distribuindo os principais elementos do filme de uma maneira única, harmoniosa.

Gosto de todos, mas esse é meu trabalho predileto com Benício.

Eu falava muito do Benício para o grupo, que ele não desenha, seus cartazes são como fotografia, ele “fotografava” a gente, era uma coisa tremenda. Eu insistia muito com o grupo (os Trapalhões) para fazermos todos os nossos cartazes com o Benício.

O J.B.Tanko, depois eu descobri, era também grande admirador do Benício. Assim como todos nós.

Nós sempre nos preocupamos com a excelência, e essa questão, quem ensinou a gente a ter essa preocupação foi o meu professor e grande mestre J.B.Tanko. Foi ele quem me ensinou a fazer roteiro. Uma vez escrevi um, fiquei todo encantado com o que escrevi e quando mostrei ao Tanko, ele me disse que era uma porcaria e me pediu para fazer novamente. Quem entendia tudo de cinema, era o grande artesão do cinema nacional, J.B.Tanko. E com ele a gente aprendeu a procurar os grandes profissionais, então o Benício não podia ficar de fora disso.

Outro que tem muita culpa nisso também, de escolher sempre os grandes profissionais, é o Vitor Lustosa. Eu aprendi muito com esse meu compadre nessa escolha de técnica, de profissionais. Eu comecei muito cedo na Odil Fono Brasil editando, colando filme e com o Vitor eu aprendi que temos que ter grandes profissionais à nossa volta, não precisa ter muitos, pode ter poucos, mas que sejam bons.

Vou contar o segredo: Benício não via nossos filmes antes de desenhar, ele olhava algumas fotografias, uma cena ou outra, e conseguia com isso captar a essência daquele nosso filme. Sintetizar noventa minutos numa tela/cartaz.

Isso é coisa de gênio!

Eu dava muito palpite no trabalho do Benício, mas o Renato Aragão era o mais chato, ele realmente era muito chato com os nossos cartazes, ele ficava olhando, escolhendo, mas dificilmente Benício chegava a fazer dois para um mesmo filme, já acertava de primeira.

Não vai ter outro, Benício é único, não vai ter igual!

E o que me surpreende é saber que graças a este post um baú, até hoje desconhecido por mim, irá se abrir e irei ver, não só a mim, mas também meus queridos amigos, retratados por ele em imagens até hoje inéditas.

Isso me arrepia e me surpreende.

Queria ter em minha casa todos os nossos cartazes que, infelizmente, não os tenho.

Mas tendo essa publicação, isso me consola. Agora tenho todos os cartazes e todas as ilustrações que ele fez pra nós. Isso é um presente pra mim e para todos os nossos fãs.

Vou conhecer melhor seu traço, seus estudos de personagem, e me deliciar com essas imagens que só ele é capaz de desenhar.

Dedé Santana

O depoimento de Dedé Santana me deixou muito feliz.

Deixo aqui o meu agradecimento pelas palavras carinhosas e generosas a respeito de minha pessoa e meu trabalho. Também sempre admirei muito a obra do quarteto dos Trapalhões e, sem dúvida, guardo orgulho e alegria por ter podido participar um pouco da história deles, eternizando seu talento em forma de cartazes. Foi sempre um trabalho prazeroso.

Benicio

Eu e Os Trapalhões

Comecei a trabalhar para os Trapalhões em 1974, produzindo o cartaz do filme Robin Hood, o trapalhão da floresta, por encomenda do diretor e produtor J.B.Tanko. A partir daí até o último filme do quarteto completo, trabalhei em todos os filmes do grupo e seus cartazes acabaram se tornando marca registrada da série infanto-juvenil nacional que mais fez sucesso no país.

Renato Aragão gostou bastante do resultado dos dois primeiros cartazes que produzi para seus filmes. A principio, nos comunicávamos por telefone, mas a partir do terceiro trabalho, passamos a nos reunir pessoalmente no meu atelier, onde conheci os outros integrantes do grupo. Nessas reuniões, era Renato Aragão quem decidia tudo. Mostrava-se sempre acessível, explicando como seria o filme e dando orientações de como gostaria que ficassem os cartazes, que eram sempre movimentados, com muito humor, aventura e toques de romantismo. Também havia o pedido para que desse destaque em ordem de importância de imagem: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Eu tinha pouco contato com os outros integrantes, apenas requisitando fotografá-los quando precisava de poses mais específicas. Após receber as orientações de Renato na reunião inicial, confeccionava o esboço do cartaz e, numa segunda reunião, mostrava-o ao comediante para aprovação e possíveis alterações.

O sucesso dos filmes abriu espaço para a produção de vários objetos com a marca do grupo, sempre ilustrados por mim, que também fiz desenhos pra lençóis, merendeiras, capas de disco e produtos infanto-juvenis, sempre encomendados pela Renato Aragão Produções.

Fui o cartazista preferido de Renato Aragão, produzindo todos os cartazes dos filmes do grupo por 15 anos. Foram quase trinta, sendo o último em 1989, para o filme “A Princesa Xuxa e os Trapalhões”. Nesse trabalho deparei-me com um impasse inusitado, pois, por exigência da empresária da atriz em contrato, eu não estava autorizado a desenhar Xuxa, que seria ilustrada por outro artista de São Paulo. Como o humorista também não abriu mão do meu desenho no restante do trabalho, o resultado final do cartaz fugiu totalmente ao encanto habitual dos demais trabalhos, já que misturava dois estilos de qualidade absolutamente distinta.

Esse período trabalhando com Os Trapalhões foi um dos mais luminosos da minha carreira, que guardo com muito carinho agora, com este post, disponibilizo, de maneira inédita, toda a minha produção com o grupo.

Jose Luiz Benicio da Fonseca

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