Cultura de Aprendizagem e Inovação Corporativa

Ranyely Araujo
11 min readMar 26, 2024

RESUMO

No atual contexto de vida em um mundo B.A.N.I (frágil, ansioso, não linear e incompreensível), é constante a necessidade de adaptação às mudanças, bem como o aprendizado contínuo. Organizações que não fomentam uma cultura de aprendizagem e inovação em seu ambiente organizacional vêm perdendo a atratividade, pois os colaboradores estãocada vez menos interessados na permanência em ambientes que não proporcionam oportunidades reais de desenvolvimento e evolução profissional. Observa-se, então, que estamos enfrentando uma quebra de paradigma no campo da educação corporativa, em que ações de capacitação, treinamento e desenvolvimento pontuais dão espaço para o desenho de programas de ecossistemas de aprendizagem com foco na cultura de aprendizagem contínua. Desse modo, o desenho, a implementação e a sustentação de uma cultura de aprendizagem organizacional abrem caminho para a inovação, melhorando a experiência do colaborador e, por conseguinte, a entrega de melhores produtos e serviços para o mercado, assim como consolida de forma positiva a imagem da marca empregadora. Este artigo propõe uma revisão de literatura e tem como objetivo discutir como a cultura de aprendizagem contribui para a inovação corporativa e de modo específico sua aplicação na área de desenvolvimento organizacional.

Palavras-chave: cultura, aprendizagem, inovação

INTRODUÇÃO

Para Senge (2019), no contexto da sociedade atual, na qual vivenciamos muitos períodos de mudanças culturais e tecnológicas, o processo de desaparecimento de uma coisa coincide com o de nascimento de outra. Essas forças em conflito também se fazem presentes nos contextos organizacionais, tornando latentes a necessidade e a possibilidade de
surgimento de unidades de aprendizagem.

A difusão de novas tecnologias e as mudanças de base econômica compelem as organizações ao fomento de uma cultura de aprendizagem e
inovação corporativa, para que se possam manter competitivas frente às
demandas emergentes, sejam elas oriundas dos clientes, da concorrência ou até mesmo da própria força de trabalho. Não obstante, enquanto a competição intensifica — se, a criação e a sustentação da cultura de aprendizagem são cada vez mais importantes para a inovação corporativa e
para atrair e reter “talentos”. Portanto, é necessário pensar a aprendizagem
como parte indissociável da cultura organizacional, como estratégia de
negócio, sendo um pilar fundamental para a criação e o desenvolvimento de negócios bem-sucedidos.

A pesquisa proposta aborda um tema que tem merecido crescente atenção dos profissionais de desenvolvimento humano e organizacional: a influência da cultura de aprendizagem para o fomento e o fortalecimento da inovação corporativa. O objetivo deste artigo é, a partir de uma revisão da bibliografia recente, conceituar cultura de aprendizagem e discutir como contribui para a inovação corporativa. Apesar de ainda incipiente no contexto organizacional, a cultura de aprendizagem, ou seja, o incentivo à ação colaborativa e à aprendizagem entre pares e em equipes multidisciplinares, tem sido observada como um bom catalisador de inovação.

Este artigo está estruturado em três partes. Na primeira parte, é revisado o conceito de cultura organizacional. Na segunda parte, são apresentados os elementos que constituem uma cultura de aprendizagem. Por fim, na terceira parte, buscou-se articular como aprendizagem, colaboração e experimentação são fatores que contribuem para a inovação corporativa.

REVISÃO DA LITERATURA

  1. Cultura organizacional
    Os campos da antropologia e da sociologia têm diversos modelos e
    definições de cultura. No nosso campo de pesquisa — o âmbito organizacional –, também encontramos diferentes conceitos para o termo cultura. Atualmente, a definição mais difundida é a proposta por Edgard Schein em seu livro cultura organizacional e liderança:

A cultura de um grupo pode ser definida como sua aprendizagem acumulada e compartilhada à medida que esse grupo soluciona problemas de adaptação externa e de integração interna, que tem funcionado bem o suficiente para ser considerada válida e, consequentemente, ensinada aos novos membros como a maneira correta de perceber, pensar, sentir e se comportar em relação a esses
problemas. Essa aprendizagem acumulada é um padrão ou sistema de
crenças, valores e normas comportamentais que acaba sendo subestimado como uma premissa básica e, por fim, deixa de ser percebido. (Schein, 2022, p.5)

Para Carolyn Taylor, o conceito de cultura também está relacionado aos padrões de comportamento dentro de determinado grupo:

Cultura é o conjunto de padrões de comportamento que são encorajados ou permitidos ao longo do tempo. É o resultado das mensagens recebidas sobre como se espera que as pessoas se comportem. As culturas se desenvolvem em qualquer comunidade de pessoas que passam tempo juntas e que estão unidas por objetivos, rotinas, necessidades ou valores comuns. (Taylor, 2022, p.5)

É importante observar que, assim como a sociedade está em constante movimento, a cultura organizacional é um elemento vivo e mutável, e que, a despeito das muitas definições existentes, a cultura muda e evolui de acordo com cada organização e época, além de estar inserida em outras culturas:

(…) toda cultura organizacional está inserida em outras culturas, muitas vezes maiores, que influenciam suas características. E toda subcultura, força-tarefa ou grupo de trabalho, por sua vez, inserem-se em culturas maiores, que os influenciam. (Schein, 2022, p.7)

O entendimento da cultura organizacional pode também ser facilitado a partir da análise de sua estruturação em níveis objetivos e subjetivos que
permeiam as diversas camadas constituintes de uma cultura como conjunto de crenças, valores, missão, normas e regras de comportamento. Segundo Schein (2022), os três principais níveis são:

Artefatos: fenômenos que podem ser vistos, ouvidos e sentidos. Podem ser objetos visíveis, como a disposição do ambiente físico, modos de se vestir, formas de se comunicar, os mitos e histórias contadas sobre a organização, listas de valores, rituais e cerimônias;
Crenças e valores expostos: ideais, objetivos, valores, aspirações, ideologias e racionalizações;
Premissas básicas subjacentes: crenças e valores inconscientes e naturalizados.

De acordo com Taylor (2022), a cultura está diretamente relacionada a trocas de mensagens que, por sua vez, demonstram aquilo que é valorizado e importante, o que as pessoas fazem para serem aceitas, valorizadas e recompensadas. A autora identifica três áreas principais de onde essas mensagens são oriundas:

Comportamentos: o comportamento observado nos outros, especialmente aqueles que nos parecem importantes;
Símbolos: os eventos observados, os artefatos e as decisões aos quais
as pessoas atribuem significados;
Sistemas: os mecanismos para gerenciar pessoas e tarefas.

Em síntese, pode-se dizer que a cultura está relacionada a mensagens e ao que de fato é valorizado e demonstrado pelas pessoas por meio de suas ações:

Cultura tem a ver com o que é realmente valorizado — ou seja, o que é demonstrado pelo que as pessoas fazem, e não pelo que as elas dizem. Quando o “dizer” e o “fazer” não estão alinhados, é o “fazer” que modela a Cultura.(Taylor, 2022, p.8)

2. Cultura de aprendizagem

A cultura de aprendizagem está diretamente relacionada ao comportamento das pessoas dentro da organização frente aos processos de aprendizagem:

(…) cultura de aprendizagem nada mais é do que a maneira como as pessoas se comportam em relação às práticas educacionais e de aprendizagem dentro de uma comunidade a partir das mensagens e estímulos recebidos, trocados e compartilhados pelos seus membros. (Schlochauer, 2022, p.5)

É sabido que a aprendizagem contínua é de suma importância para organizações que desejam inovar, oferecer valor aos clientes, manter-se competitivas no mercado, atrair e reter talentos. Áreas de desenvolvimento
humano e organizacional dedicam-se há anos ao desenho de estratégias de educação corporativa, oferecendo desde treinamentos pontuais e motivacionais até programas de capacitação de média e longa duração para
toda a força de trabalho. No entanto, apenas a oferta de cursos e demais ações de treinamento e desenvolvimento não garantem o fomento de uma
cultura de aprendizagem.

A forma como os líderes e demais indivíduos da organização lidam com
o processo de aprendizagem organizacional é fator determinante para a consolidação ou a destruição de uma cultura de aprendizagem.
Organizações que abrem espaço para experimentação e colaboração fomentam e fortalecem a cultura de aprendizagem, sendo reconhecidas como “organizações que aprendem”:

(…) organizações nas quais as pessoas expandem continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, em que se estimulam padrões de pensamentos novos e abrangentes, a aspiração coletiva ganha liberdade e as pessoas aprendem continuamente a aprender juntas. (Senge, 2019, p.34)

Também é preciso considerar que a cultura de aprendizagem organizacional está diretamente relacionada às dimensões do saber adulto, e que, por sua vez, as culturas proporcionam ou inibem a realização de interesses:

(…) as culturas proporcionam ou inibem a realização de interesses humanos comuns — as maneiras pelas quais os adultos usam capacidades comuns de aprendizagem. Quem aprende o quê, o quando, o onde e o como da educação são funções da cultura. (Illeris,2022, pp.124 e 125)

A aprendizagem organizacional está diretamente relacionada ao processo de aprendizagem individual, “organizações só aprendem por meio de indivíduos que aprendem” (Senge, 2019).

Cultura de aprendizagem e desempenho caminham juntos. Uma cultura
forte e bem estabelecida contribui para o bom desempenho organizacional. Para Senge (2019), as organizações que alcançarão sucesso no futuro serão aquelas que descobrirem como cultivar nas pessoas o comprometimento e a capacidade de aprender em todos os níveis da organização. Segundo Garvin (2003), o cultivo de uma cultura de aprendizagem passa pela criação de ambientes estimulantes e encorajadores que proporcionem as condições adequadas para o florescimento da aprendizagem, a saber: 1. reconhecer e aceitar as diferenças; 2. proporcionar feedback oportuno e imparcial; 3.
estimular novas ideias; e 4. tolerar e aprender com os erros.

Para a Nōvi, estúdio especializado em cultura de aprendizagem, fluidez, autonomia e troca entre colaboradores possibilitam uma cultura de aprendizagem madura e o impacto social positivo dentro e fora das organizações:

Para a Nōvi, uma cultura de aprendizagem madura é aquela que tem a capacidade de criar um ambiente fluido que estimula a autonomia e a troca de aprendizados entre seus colaboradores, tanto no ambiente formal quanto no informal. Com isso, ela possibilita o crescimento de cada pessoa e time, bem como da organização como um todo, impactando a sociedade pelo estímulo ao aprendizado ao longo da vida. (Schlochauer, 2022, p.8)

Barrett (2013) considera que culturas organizacionais inovadoras maximizam o aprendizado ao promover uma cultura de tentativa e erro, na
qual há segurança psicológica e abertura para experimentação, portanto, a
improvisação é encarada como uma perspectiva possível para a melhor compreensão do aprendizado organizacional e a inovação colaborativa.

3. Aprendizagem, colaboração, experimentação e inovação corporativa

Fisk (2008) observa que a inovação é a força motriz da geração de valor com competitividade, crescimento e sustentabilidade. Diante disso é possível afirmar que a inovação corporativa impulsionada por uma cultura de aprendizagem é necessária para que as organizações prosperem e alcancem seus objetivos de negócio.

A cultura de aprendizagem, como visto anteriormente, floresce em organizações que proporcionam um ambiente aberto à colaboração e à experimentação, tendo como resultante (desse processo de aprendizagem
contínua) a inovação corporativa e vantagens competitivas. “(…) existe uma clareza nas organizações de que a capacidade de aprender com constância e consistência é o principal diferencial competitivo.” (Schlochauer, 2022, p.7)

A cultura de aprendizagem que fomenta a inovação deve ser tolerante ao erro e à experimentação. A curiosidade e a investigação de novas formas e possibilidades são naturais do ser humano; contudo, em algum momento, esse interesse genuíno por experimentação e aprendizagem vivencial e exploratória é minado pelos sistemas de ensino e culturas organizacionais engessadas.

Nós nascemos exploradores. Na infância, experimentamos como nunca. Durante os primeiros anos, nos sentimos à vontade para dar palpite, fazer perguntas bobas, criar e errar. Nada é tão óbvio que não possa ser questionado. Mas, infelizmente, essa “mágica” não dura para sempre. (…) Ou seja, existe um processo bem orquestrado no nosso sistema de ensino, dedicado a nos fazer pensar que se divertir é o contrário de ter responsabilidade. Somos ensinados desde cedo que, a partir de uma certa idade, precisamos assumir uma postura mais séria em detrimento da natural abordagem curiosa e divertida que carregávamos quando crianças. Só que se divertir não é o contrário de ter responsabilidade. Muito menos é o contrário de ser competente. Na prática ambientes onde as pessoas são capazes de trabalhar e se divertir ao mesmo tempo podem ser também produtivos e render melhores resultados. (Pinheiro, 2011, p.114).

A cultura de aprendizagem e inovação também pode se apoiar na construção de repertório cultural e na observação de como outras organizações, grupos e comunidades aprendem, colaboram e inovam. A partir dessa observação, é possível traçar paralelos para inspirar e fomentar a inovação corporativa fundamentada em processos de aprendizagem experimentais, colaborativos e dialógicos.

Barret (2013) ilustrou como a “mentalidade jazzística” pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de inovação que incentiva o aprendizado, a colaboração entre pares e a improvisação engajada e estratégica. Listamos abaixo uma síntese dos sete princípios elaborados pelo autor para a construção de uma cultura de inovação:

1.A arte de desaprender: livrar-se de antigos hábitos, rotinas e estratégias;
2. Desenvolver a competência afirmativa: tomar atitudes, rever hipóteses,
valorizar o aprendizado resultante dos fracassos, tentar novamente e descobrir ao longo do percurso, com confiança na competência do grupo;
3. Aceitar os erros como fonte de aprendizado: abertura à experimentação,
ambiente seguro para falar sobre falhas, aprender com os erros ao longo do caminho;
4. Equilíbrio entre liberdade e limites: a improvisação exige regras e algum tipo de ordem, ser livre para inovar, mas também ser vigilante em sua responsabilidade e cultivar uma autonomia orientada.
5. O aprendizado na prática: autonomia e interdependência caminham
juntas, o aprendizado ocorre de forma prática por meio da interação social;
6. Revezamento entre solo e acompanhamento:
colaboração e alternância
de papéis, líderes devem dominar a arte de liderar e de seguir;
7. Lideranças como competência provocativa: liderança, como atividade de design, significa criar espaço para que as pessoas possam se desenvolver por conta própria.

Diante do exposto é possível afirmar que a cultura de aprendizagem pautada na colaboração e experimentação cria terreno fértil para que os
indivíduos integrantes de uma organização aprendam, cocriem, experimentem e se desenvolvam como profissionais e consequentemente colaborarem de forma propositiva para o fortalecimento e a inovação organizacional, gerando valor tanto para o negócio quanto para a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, não há mais espaço para culturas organizacionais focadas somente no comando e no controle, em detrimento da aprendizagem entre pares, da colaboração e da experimentação, pois a força de trabalho está passando por uma transição em seu comportamento, na qual as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem ao longo da vida tem sido cada vez mais valorizadas. Para garantir a inovação organizacional, é
necessário que exista fomento e fortalecimento de uma cultura de aprendizagem, de modo a possibilitar que o investimento em cultura reflita
positivamente no desempenho organizacional.

A implementação de uma cultura de aprendizagem orientada para a inovação faz com que as pessoas estejam mais preparadas para as complexidades organizacionais e mercadológicas. Assim, desenvolvem de
forma colaborativa e empática novos modelos de trabalho, além de serviços e produtos mais alinhados às necessidades de cada negócio. Em um modelo de aprendizagem contínua e ganha — ganha, em que todas as partes são beneficiadas, o incentivo à construção de repertório, tanto dentro quanto fora da organização, bem como o cultivo de um ambiente psicologicamente seguro, tolerante aos erros e aberto a experimentações e colaboração, mostra-se fundamental para a construção e a permanência de uma cultura de aprendizagem, permitindo que a inovação organizacional aconteça de forma descentralizada.

Pode-se concluir que organizações devem integrar em seus processos de desenvolvimento humano e organizacional o desenho, a implementação e a sustentação de uma cultura de aprendizagem. Privados desta, dificilmente conseguirão oferecer experiências de desenvolvimento e aprendizagem ao longo da vida profissional para seus colaboradores e, por conseguinte, serão menos inovadoras. Por outro lado, aquelas que entenderem a importância de uma cultura de aprendizagem bem estabelecida conseguirão reconhecimento como organizações geradoras de impacto positivo e valor compartilhado para o negócio, os colaboradores, os clientes e a sociedade.

REFERÊNCIAS

BARRETT, F. J. SIM À DESORDEM: lições surpreendentes do Jazz para líderes contemporâneos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
FISK, P. O gênio do marketing. Porto Alegre: Bookman, 2008.
GARVIN, D. A. Aprendizagem em Ação : Um guia para transformar sua empresa em uma learning organization. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003.
PINHEIRO, T. Design thinking Brasil: empatia, colaboração e experimentação para pessoas, negócios e sociedade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
SCHEIN, P. Cultura Organizacional e Liderança. BARUERI: ATLAS, 2022.
SENGE, P. M. A quinta disciplina: A arte e a prática da organização que aprende. Rio de Janeiro: Best Seller, 2019.
TAYLOR, C. Walking the Talk: Building a culture for success (revised edition). São Paulo: Labrador, 2022.
SCHLOCHAUER, C. Cultura de Aprendizagem: a visão da nōvi. São Paulo: Nōvi, 2022.

--

--